Cheguei pelas 5h
da manhã a Freetown, numa aurora com uma chuva tropical de rara beleza que só África
proporciona, e senti-me mais seguro por estar em terra. Devo confessar que a viagem
de avião correu bem e foi normal.
Esperava-me um
rapaz que não teria mais do que 30 anos, de fato cinzento leve e razoavelmente bem
cortado e como uma gravata clássica.
Apresentou-se
como o Chefe do Protocolo do Estado e encaminhou-me para um corredor VIP para
Diplomatas.
Quando cheguei ao
local de fiscalização alfandegária, havia uma espécie de balcão comprido aonde
se pousavam e abriam as malas. Estavam estendidos dois jovens funcionários africanos
meios adormecidos pelo cedo da hora, mas que acordaram mal me viram tendo-me displicentemente
dito “open it…” referindo-se à minha mala!
O Chefe do
Protocolo indignado e aos pulinhos disse com uma voz esganiçada:
- He is a VIP, a
diplomat, a doc….(Dr.) ahahaha – e eles nem se mexeram e com a cabeça voltaram
a mandar-me abrir a bagagem.
Acalmei-os a
todos, mostrei os meus documentos oficiais e disse-lhes que podiam inspeccionar
tudo.
Ao depararem com
tanto “ouro” dos presentes de filigrana falsa, os olhos brilharam por uns
momentos e senti que lhes passou pela cabeça poderem roubar-me ou
apreender-me os bens.
Aí, tive um
acesso de fúria e falei forte afirmando que se ousassem ficar com alguma coisa,
como se destinavam ao Presidente da República, Ministro dos Negócios
Estrangeiros e Ministro das Finanças, seriam por mim identificados e
apresentaria queixa.
Abriram um grande
sorriso na cara e disseram-me para fechar a mala e passar, pois não havia nenhum
problema. O meu anfitrião estava indignado e a caminho do seu carro, não parou
de me pedir desculpas.
O automóvel era
indescritível! A má qualidade, a vetustez e mau estado do interior bem como a modéstia
do modelo diziam do estado do país. Nem sequer era um carro oficial, era o
dele!
Naturalmente que
fui amável e não fiz qualquer comentário e nem sequer teria havido justificação
para tal, pois ele nem realizava o inusitado da situação.
Andávamos a
30km/h e ele explicou-me que o motor era velho, que não havia peças de
substituição e que sobretudo não havia carros novos pela simples razão de que
não havia dinheiro para os comprar. Excepcionalmente alguns dos Ministros
tinham carros oficiais mas muito antigos. A estrada era cheia de buracos e o alcatrão estava sumido. O aeroporto fica numa ilha e levámos umas boas 2 horas para chegar ao centro de Freetown. Uma estupada!
Foi-me falando do
programa da estadia, inquiriu em que hotel tinha decidido ficar, aprovou a
minha escolha e de repente oiço perplexo perguntar-me se eu tinha algumas “libras
esterlinas” que lhe pudesse dar! Nem percebi muito bem o que me tinha dito e
ele voltou a repetir, acrescentando que o salário de Embaixador era muito
modesto e nem sempre era pago e que tinha uma família a seu cargo e não tinha
dinheiro suficiente para os sustentar!
Fiquei sem
palavras e ousei perguntar quanto seria? Respondeu-me que 30 libras seriam
suficientes…Nem hesitei, vinha de Londres, tinha-as no bolso e entreguei-lhe sem
mais delongas.
Ficou gratíssimo
e comovido, parou o carro e abraçou-me com força dizendo que estaria à minha
disposição para tudo quanto eu precisasse durante a estadia.
Deixou-me no
Hotel, despediu-se e foi-se…nunca mais voltei a vê-lo durante a estadia.
Calculo que tenha ficado em casa a gozar de alguma folga com a minha parca
contribuição.
Desfiz a mala,
despi-me e pus um fato de banho e fui directo ao mar e mergulhei. A temperatura
da água era fantástica e limpa e nadei durante bastante tempo e passei uma boa
parte da manhã gozando da praia, de areia fina e branca.
À hora do almoço
fui para a piscina, comi qualquer coisa voltei para o quarto e caí redondo na
cama aonde adormeci e só voltei a acordar a meio da noite com as horas todas trocadas.
Estava imenso
calor, o ar condicionado não funcionava pois não havia electricidade…vim a
saber que como o sistema eléctrico do país é abastecido por enormes geradores a
gasóleo, nem sempre as contas são pagas e por isso há um racionamento, especialmente
de noite, desligando o fornecimento em hotéis e outros locais aonde não se
torne indispensável.
Estava uma lua
esplendorosa que iluminava a relva em frente do quarto e fiquei ali umas horas
em silêncio olhando para as estrelas tentando identificar tudo quanto me
lembrava de ter estudado, até que voltei a adormecer.
(continua)
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