" Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa.
Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se
padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais,
para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais
conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa
espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O
esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com
grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois
em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr
o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar."
Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'
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