O PENINHA E O UBER
O Peninha detestava pessoas que tivessem pelos nas orelhas, pretos e
hirsutos a sair como jorros de água dos faunos das fontes do Rossio.
Recomendava sempre que no barbeiro, baixando a voz, não fosse ser
ouvido pelos vizinhos de cadeira, se dissesse: - olhe, Aníbal, quando
puder e discretamente, com uma pinça arranque-os um a um, que no fim
dou-lhe uma generosa gorgeta!
Todas as vezes que ia cortar o cabelo e fazia-o a cada mês, aparecia
pelo meio-dia, um cavalheiro já meio-careca, com uma testa e alto do
cocuruto completamente lisos, que em frente a um espelho de uma cadeira
livre, tirava do bolso um capachinho e besuntando-o com cola, aplicava-o
na cabeça, ajeitando-o.
Fazia-o com a naturalidade de quem
repete isto a cada dia, não se importando dos olhares dos circunstantes,
entre divertidos e enojados.
O Peninha não resistiu e um dia
perguntou ao Alex, o dono da barbearia : - Oiça lá, o gajo acha que não
se topa a léguas que é tudo falso?
Resposta do Alex: - é por
causa das miúdas. À noite vai para os "cabarétes" e elas enganam-no com
palavras bonitas e o sr. Poupinho vai no engodo e tem torrado tudo com
as gajas. Eu até já lhe disse que temos aqui clientes distintos e de
sucesso com carecas bem piores do que a dele. Mas nada, a vaidade cega.
O Peninha frequenta uma casa de alterne muito conhecida no meio, mas
muito discreta. Entra-se para um parque de automóveis que diz: “Loja
gourmet – Aberta 24h. Arrumador privativo”. O Gonçalves, arrastando o pé
bôto, vai indicando aonde arrumar e já conhece os clientes de ginjeira.
Esta locanda tem uma particularidade: os clientes têm números.
Registam-se como tal a primeira vez e depois ficam para sempre.
Como a clientela é internacional, por causa dos chineses e dos
angolanos há números que ou dão má sorte ou são óbvios de mais para um
supermercado que se preze visto do exterior, segundo afiança o Peninha.
Os números proscritos são o 13, o 69 e o 7 por causa do Cristiano, nada
de apelidos.
Ora o que mais agrada ao Peninha é a música e a
dança. O Héldrio, o proprietário, de brincadeira assim chamado, pois o
nome verdadeiro é Ismael, teve a brilhante ideia de gizar um sistema
lucrativo para a casa: as meninas que são convidadas para dançar, têm um
taxímetro à cintura, numa zona de ninguém, não importunando o trabalho
de mãos, e que tem dois objectivos: o número do cliente e o tempo de
dança.
Ou seja, o Peninha que adora bailar com a Eline, uma
diva da Estónia, as músicas do Julito, todo atracassado a ela, mãos no
traseiro redondinho e ela com a cara encostadinha e com a boca colada
aos ouvidos dele sussurrando palavras de amor, fixa um tempo, vá…uns 10m
que equivalem a um Martini para ela e para ele um Brandy Constantino.
Ao fim dos 10m, ouve-se um alarme discreto no taxímetro indicando o fim
da corrida e ela de repente fica estática, hirta e firme: ou continua
com mais um prazo ou com dignidade vai à procura de outro cliente.
Todos se divertem e agora com a UBER, o Héldrio até já arranjou uma
aplicação para os telemóveis em que dispensa, para os que querem, o uso
do taxímetro. É o próprio cliente que programa e é debitado na sua conta
corrente na casa.
Claro está que para os mais tradicionais ainda faz todo o sentido o velho taxímetro.
In " prosas de fim de Estio" de Vicente Mais ou Menos de Souza
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