sábado, 12 de setembro de 2015

MORREU UM DOS MEUS RECLUSOS ESTRANGEIROS da cadeia de Alta Segurança

Um dos meus reclusos morreu enquanto decorria o Verão e eu não dava aulas. Era o mais velho, e saía agora em Setembro. Estava muito contente com a perspectiva de voltar à liberdade e poder passar os restos da vida com a família.

Resolvi ouvir o Requiem em D menor de Mozart, em homenagem ao General sérvio, enquanto escrevo este seu obituário.

Para além do ensino do Português que absorvia com alguma dificuldade mas com muita atenção e interesse, era estudioso e tinha uma gramática feita por ele para compreender os tempos dos verbos e o género que na sua língua, era diferente do nosso.

Tivémos inúmeras conversas ao longo de quase um ano de convivência. Uma prisão de alta segurança não é fácil para ninguém e para ele já com 74 anos, tornara-se insuportável, e só ansiava pela liberdade.

Inteligente, muito bem educado, correcto no tratamento com os outros reclusos, pediu-me ajuda para os novos planos que tinha em mente a partir de Setembro, quando regressasse ao seu país: a produção de caviar a partir de uma nova tecnologia, mediante a criação de caracóis.

Levei-lhe uns livros e fotocópias em inglês para se começar a inteirar. Queria ocupar o seu tempo, trabalhando no campo e ganhando algum dinheiro.

Condenação: por ter estado no lugar errado, no momento errado. Tenho a certeza que ao obedecer ao seu superior, fê-lo por disciplina militar e não por ser criminoso. No entanto como referi atrás as consequências da sua desejável não-obediência ter-lhe-iam evitado a prisão.

Não tenho mais palavras para definir o sentimento de piedade que sinto por ele e que espelha bem a miséria humana na sua expressão mais dolorosa: na sua cela sozinho, mais de 90% do tempo, o que pode um homem com 74 anos esperar da vida e até da liberdade, depois de dezenas de anos recluso?

Não me pronuncio sequer sobre a justeza do julgamento que não conheço e que não me compete apreciar.

Concluo com este desejo sincero: que tenha encontrado a paz antes de fechar os olhos.

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