O Mário estava sempre a dar opiniões sobre tudo e sobre nada.
Já velho não resistia ao charme da imprensa e até tentara uma ou outra vez, pôr
a coroa na cabeça para que na fotografia pudessem pensar que ele era rei. Da sua
casa, bem entendido!
- Ora a Alzira faz favor assim que chegue de manhã para as
limpezas, mal me aviste, trata-me logo por Alteza Real.
A pobre da Alzira,
sempre soubera que ele se chamava Mário Santos e até conhecera o avô
taberneiro, que de vez em quando e em vida, lá pernoitava, deixando-lhe basto
trabalho na limpeza dos lençóis sujos de ressacas mal cozidas, contando-lhe que na taberna tinha lá para os fundos um saguão
amaneirado em alcova a que chamara “OsTrês Mosqueteiros” e que nos quartos acolhia
os bêbados, alguma puta e os seus clientes ou pura e simplesmente os ensonados.
- Vai-me buscar uma carcaça ao padeiro e põe na conta, já a
devo ter bem calada e vê se ainda há manteiga no frigorífico, não vá estar
rançosa!
– Sim Alteza Real! - e
lá saía para ir ao Horácio padeiro a dizer que o sr.Santos pedia para pôr na
conta.
- Um caloteiro é o que ele é, a dar entrevistas a torto e a
direito, a falar sobre o que não sabe e sobre o que esconde: moita carrasco. O
Horácio era comunista e nunca perdoara ao sr.Santos ter dado uma entrevista em
que dissera abertamente que comprara uma edição inteira de um livro que ele nem
sabia sobre quê, mas para calar antidemocraticamente algum patriota, e
tinha-se-lhe ido o caroço com esse despesão vergonhoso e agora já ia nuns quantos
contos de dívida em pão.
Mário, tinha nesse dia uma entrevista com o jornal “A Feira
das Memórias” que tratava de crónicas sociais
do passado, do tipo quem assistiu à última sessão do Tarzan Taborda contra o
José Luis no pavilhão dos Desportos em Lisboa, menções a torneios de manilha na
Incrível Almadense, bailes mascarados nos “Alunos de Apolo”, com fotografias
das damas e cavalheiros, tudo gente selecta, gostava ele de comentar.
O tema que ele escolhera para a entrevista tinha a ver com
um desiderato que ele acalentava havia muito: ousar passar de casa para a rua,
pelo menos ali no bairro, o seu tratamento de Alteza Real e ao jornal tentaria
convencer que publicasse fotografias com a sua corôa.
Tinha-a comprado no Paiva do parque Mayer, quando o guarda-roupa
se desfez de todo o recheio, antes de fechar. Vira-a muitas vezes na peça do
Bernardo Santareno, “o Almoçageme de Santarém” e achara que uma coroa medieval
era mais discreta do que cheia de pedrarias.
Soava a falso, dizia, todo ufano!
- Alteza Real, o senhor do jornal está ao telefone a dizer
que não vem, pois vai a outra entrevista mais importante. Disse o nome, mas eu
devo ter entendido mal…soou-me o do Rei do Ruanda.
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