Meu Caro Manuel,
Imagina tu que
encontrei na festa de Natal em casa dos teus Pais, para além de toda a
parentela que todos os anos eles convidam (desta vez foram até aos quintos Avós
de ambos os lados) o nosso comum antepassado, Dom Tomás de Noronha, III Conde
dos Arcos e Conjurado de 1640.
Perguntei-lhe
como tudo se tinha passado e ele, orgulhoso de ter participado na Restauração,
contou-me ao detalhe todos os contornos da Revolução.
Falou-me primeiro
dos antecedentes: D. Sebastião, um rei jovem e aventureiro, habituado a ouvir
as façanhas das cruzadas e histórias de conquistas além-mar, quis conquistar o
Norte de África na sua luta contra os mouros. Na batalha de Alcácer Quibir no
Norte de África, os Portugueses foram derrotados e ele desapareceu. E os
guerreiros diziam cada um a sua história. O desaparecimento de D. Sebastião
(1557-1578) na batalha de Alcácer-Quibir, apesar da sucessão do Cardeal D.
Henrique (1578-1580), deu origem a uma crise dinástica.
Nas Cortes de
Tomar de 1581, Filipe II de Espanha é aclamado rei, jurando os foros,
privilégios e mais franquias do Reino de Portugal.
Com o primeiro
dos Filipes (I de Portugal, II de Espanha), não foi atingida de forma grave a
autonomia política e administrativa do Reino de Portugal. Com Filipe III de
Espanha e II de Portugal, porém, começam os actos de desrespeito ao juramento
de Filipe I em Tomar. Em 1610, surgiu um primeiro sinal de revolta portuguesa
contra o centralismo castelhano, na recusa dos regimentos de Lisboa em obedecer
ao marquês San-Germano que, de Madrid, fora enviado para comandar o exército
português.
No início do
reinado de Filipe III de Portugal (IV de Espanha), ao estabelecer-se em Madrid
uma política centralista, pensada pelo Conde-Duque de Olivares e cujo projecto
visava a anulação da autonomia portuguesa, caminhou-se para a absorção por
completo do Reino de Portugal. Na “Instrucción sobre el Gobierno de España”,
que o Conde-Duque de Olivares apresentou ao Rei Dom Filipe IV, em 1625,
tratava-se do planeamento e da execução da fase final da sua absorção,
indicando três caminhos:
1º - Realizar uma cuidadosa política de
casamentos, para confundir e unificar os vassalos de Portugal e de Espanha;
2º - Ir o rei Dom Filipe IV estabelecer a
sua corte temporária em Lisboa;
3º - Abandonar definitivamente a letra e o
espírito dos capítulos das Cortes de Tomar (1581), que colocava na dependência
do Governo autónomo de Portugal os portugueses admitidos nos cargos militares e
administrativos do Reino e do Ultramar (Oriente, África e Brasil), passando
estes a ser Vice-reis, Embaixadores e oficiais palatinos de Espanha.
A política de
casamentos seria talvez a mais difícil de concretizar, conseguindo-se ainda
assim o casamento de Dona Luísa de Gusmão com o Duque de Bragança, a pensar que
dele sairiam frutos de confusão e de unificação entre Portugal e Espanha. O
resultado veio a ser bem o contrário.
A reacção à
política fiscal de Filipe IV vai ajudar no processo que conduz à Restauração de
1640. Logo em 1628, surge no Porto o "Motim das Maçarocas", contra o
imposto do linho fiado. Mas vão ser as "Alterações de Évora", em
agosto de 1637, o abrir definitivamente do caminho à Revolução.
Através das
"Alterações de Évora", o povo dessa cidade tencionava deixar de
obedecer aos fidalgos subjugados ao reino castelhano e desrespeitava o
arcebispo a ele afecto. A elevação do imposto do real de água e a sua
generalização a todo o Reino de Portugal, bem como o aumento das antigas sisas,
fez subir a indignação geral, explodindo em protestos e violências. O contágio
do seu exemplo atingiu quase de imediato Sousel e Crato; depois, as revoltas
propagaram-se a Santarém, Tancos, Abrantes, Vila Viçosa, Porto, Viana do
Castelo, a várias vilas do Algarve, a Bragança e à Beira.
Em 7 de Junho de
1640 surgia também a revolta da Catalunha contra o mesmo centralismo do
Conde-Duque de Olivares. O próprio Dom Filipe IV manda apresentar-se em Madrid
o Duque de Bragança, para o acompanhar à Catalunha e cooperar no movimento de repressão
a que ia proceder. O Duque de Bragança recusou-se a obedecer a Dom Filipe IV.
Muitos nobres portugueses receberam semelhante convocatória, recusando-se
também a obedecer a Madrid.
Sob o poder de Dom
Filipe III, o desrespeito pelo juramento de Tomar (1581) tinha-se tornado
insuportável: nomeados nobres espanhóis para lugares de chefia militar em
Portugal; feito o arrolamento militar para guerra da Catalunha; lançados novos
impostos sem a autorização das Cortes. Isto enquanto a população empobrecia; os
burgueses eram afectados nos seus interesses comerciais; e o Império Português
era ameaçado por ingleses e holandeses perante a impotência ou desinteresse da
coroa filipina.
Portugal achava-se
envolvido nas controvérsias europeias que a coroa filipina estava a atravessar,
com muitos riscos para a manutenção dos territórios coloniais, com grandes
perdas para os ingleses e, principalmente, para os holandeses em África (São
Jorge da Mina, em 1637), no Oriente (Ormuz, em 1622 e o Japão, em 1639) e
fundamentalmente no Brasil (São Salvador da Bahia, em 1624; Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Sergipe desde 1630).
A ideia de
recuperar a independência era cada vez mais poderosa e a ela começaram a aderir
todos os grupos sociais.
Os burgueses
portugueses estavam muito desiludidos e empobrecidos com os ataques ao seu
território e aos navios que transportavam os produtos que vinham das várias
regiões do reino de Portugal continental, insular e ultramarino. A concorrência
dos Holandeses, Ingleses e Franceses diminuía-lhes o negócio e os lucros.
Portugal, na
prática, era como se fosse uma província espanhola, governada de longe. Os que
ali viviam eram obrigados a pagar impostos que ajudavam a custear as despesas
do Império Espanhol que também já estava em declínio.
Os nobres
descontentes viam os seus cargos ocupados pelos Espanhóis, tinham perdido
privilégios, eram obrigados a alistar-se no exército castelhano e a suportar
todas as despesas. Também eles empobreciam e era quase sempre desvalorizada a
sua qualidade ou capacidade! A corte estava em Madrid e mesmo a principal
gestão da governação do Reino de Portugal, que era obrigatoriamente exigida de
ser realizada "in loco", era entregue a nobres castelhanos e não
portugueses. Estes últimos viram-se afastados da vida "palaciana" e
acabaram por se retirar para a província, onde viviam nas suas casas senhoriais
e solares, para poderem sobreviver com alguma dignidade imposta pela sua classe
social.
Foi então que um
grupo de nobres - cerca de 40 conjurados- se começou a reunir, secretamente,
procurando analisar a melhor forma de organizar uma revolta contra Dom Filipe
IV de Espanha. Uma revolta que pudesse ter êxito.
Começava a
organizar-se uma conspiração para derrubar os representantes do Rei em
Portugal. Acreditavam que poderiam ter o apoio do povo e também do clero.
Apenas um nobre
tinha todas as condições para ser reconhecido e aceite como candidato legítimo
ao trono de Portugal. Era ele D. João, Duque de Bragança, neto de D. Catarina
de Bragança, candidata ao trono, em 1580.
Faltava escolher
o dia certo. Aproximava-se o Natal do ano 1640 e muita gente partiu para
Espanha. Em Lisboa, ficaram a Duquesa de Mântua, espanhola e Vice-Rei de
Portugal (desde 1634), e o português seu Secretário de Estado, Miguel de
Vasconcelos.
Os nobres
revoltosos convenceram D. João, o Duque de Bragança, que vivia no seu palácio
de Vila Viçosa, a aderir à conspiração.
No dia 1 de Dezembro
desse ano invadiram de surpresa o Palácio Real (Paço da Ribeira), que estava no
Terreiro do Paço, prenderam a Duquesa, obrigando-a a dar ordens às suas tropas
para se renderem - e mataram Miguel de Vasconcelos.
Referiu-me
finalmente a lista dos que com ele, restauraram a independência: D. Afonso de
Menezes, Mestre de Sala d’el Rei D. João IV; D. Álvaro de Abranches da Câmara,
General do Minho, do Conselho de Guerra; D. Antão de Almada, 7.º conde de
Avranches, 10.º senhor dos Lagares d´El-Rei, 5.º senhor de Pombalinho e
Governador da Cidade; D. António de Alcáçovas Carneiro, Senhor do Morgado de
Alcáçovas, Alcaide-Mor de Campo Maior e Ouguela; D. António Álvares da Cunha,
Senhor de Tábua; D. António da Costa, Comendador na Ordem de Cristo, Senhor do
Morgado da Mustela; D. António Luís de Menezes, 3º Conde de Cantanhede, 1º
Marquês de Marialva; D. António Mascarenhas, Comendador de Castelo Novo na
Ordem de Cristo; António de Melo e Castro, Capitão de Sofala, Governador da
Índia; António de Saldanha, Alcaide-mor
de Vila Real; António Teles de Meneses, 1º e último Conde de Vila Pouca de
Aguiar; D. António Telo, Capitão-mor das Naus da Índia; Ayres de Saldanha,
Comendador e Alcaide-mor de Soure; D. Carlos de Noronha, Comendador de Marvão,
presidente da mesa da Consciência e Ordens; D. Estevão da Cunha, Prior de S.
Jorge em Lisboa, Cónego da Sé do Algarve, Bispo eleito de Miranda; Fernão Teles
da Silva, 1º Conde de Vilar Mayor, Governador das armas da província da Beira; D.
Francisco Coutinho, filho de Dona Filipa de Vilhena que o armou Cavaleiro e a
seu irmão; D. Fernando Telles de Faro, Senhor de Damião de Azere, de Santa
Maria de Nide de Carvalho; Francisco de Melo, Monteiro-mor; Francisco de Melo e Torres, 1º Conde da
Ponte, Marquês de Sande, General de Artilharia; D. Francisco de Noronha, irmão
do 3º Conde dos Arcos; Francisco de São Payo; D. Francisco de Sousa, 1º Marquês
de Minas, 3º Conde do Prado; D. Gastão Coutinho, Governador do Minho; Gaspar de
Brito Freire, Senhor do Morgado de Santo Estevão de Nossa Senhora de Jesus na
Baía, Brasil; Gomes Freire de Andrade, Capitão de Cavalos; Gonçalo Tavares de
Távora, Capitão de Cavalos; D. Jerónimo de Ataíde, 6º Conde de Atouguia; D.
João da Costa, 1º Conde de Soure; D. João Rodrigues de Sá e Menezes, 3º Conde
de Penaguião; João de Saldanha da Gama, Capitão de Cavalaria; João de Saldanha
e Sousa; D. João Pereira, Prior de S. Nicolau, Deputado do Santo Ofício, João
Pinto Ribeiro, Bacharel em Direito Canónico, Juiz de Fora de Pinhel e de Ponte
de Lima; João Sanches de Baena, do Conselho de Sua Majestade, Desembargador do
Paço, Doutor em Cânones; Jorge de Melo, General das Galés, do Conselho de
Guerra; D. Luís de Almada, filho de D. Antão de Almada; Luis Álvares da Cunha,
Senhor do Morgado dos Olivais; Luís da Cunha de Ataíde; Luís de Mello,
Porteiro-mor; D. Manuel Child Rolim; Martim Afonso de Melo, 2º Conde de São
Lourenço, Alcaide-mor de Elvas; Miguel Maldonado, Escrivão da Chancelaria-Mor
do Reino; D. Miguel de Almeida 4.º conde de Abrantes; D. Nuno da Cunha de
Ataíde, 1º Conde de Pontével; D. Paulo da Gama, Senhor do Morgado da Boavista; Pedro
de Mendonça Furtado, Alcaide-mor de Mourão; D. Rodrigo da Cunha, Arcebispo de
Lisboa; Rodrigo de Figueiredo de Alarcão, Senhor de Ota; Sancho Dias de
Saldanha, Capitão de Cavalos; D. Tomas de Noronha, 3º Conde dos Arcos; Tomé de
Sousa, Véador da Casa Real, Trinchante-mor; D. Tristão da Cunha de Ataíde,
Senhor de Povolide, Comendador de São Cosme de Gondomar; Tristão de Mendonça.
Com um abraço
muito amigo e desejando-te muitos sucessos em 2013.
Teu primo muito
afeiçoado
Luís Bernardo
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