segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Para que serve ser-se culto?


Para que serve ser-se culto?

Uma das boas respostas é a de podermos habitar épocas diversas e cidades e vilas aonde nunca pusemos os pés. A viver as tragédias que nos foram poupadas, mas também a felicidade a que não tivemos direito. A percorrer todo o teclado das emoções humanas, a nos perdermos e encontrar-nos em busca da varinha mágica do dom da ubiquidade.

Acima de tudo, a nos consolarmos por não termos mais do que uma vida para viver. Com, talvez, esta sorte acrescida de nos tornarmos menos estúpidos, e sobretudo menos básicos.

No entanto, a questão não é banal, pois numa civilização de valores materiais como é a nossa, qual pode ser o papel da cultura?

No fundo participa de tudo quanto nos é legado no nosso património. Serve para obtermos o prazer, as satisfações, as consolações que jamais se poderão comprar.

Mas a cultura não traz a inteligência. Pode-se ser muito culto e ao mesmo tempo não se deixar de ser um selvagem.

Conheço um camponês que nunca saiu do seu torrão natal e que é a pessoa mais inteligente que existe.

A verdadeira cultura não está na moda, mas encontra-se, antes, afastada dos pequenos grupos dominantes.

A verdadeira cultura, é aquela que está em sintonia com os valores do futuro.

Ser-se muito culto levanta o problema de viver-se com uma permanente turbulência na cabeça. Um sistema de referências de tal forma rico que nos obriga a olhar para o mundo com uma nova frescura de espírito. Cada emoção, todas as sensações e o mais pequeno dos encontros com alguém, tornam-se o pretexto para lembrarmo-nos de uma frase, de uma passagem de um livro, de uma música, de um quadro.

Esquecer, é reconquistarmos de novo a tal frescura de espírito. O que se ganha com erudição, cultura, perde-se um pouco em espontaneidade. Mas não se ser culto é como uma preguiça, uma incorrecção em relação a quem o foi. É como que nos privássemos de uma conversa permanente com o passado.

Às vezes, há pessoas que se privam de ler para não se poluírem, mas quanto mais se lê, menos se copia.

Ser-se culto não é só uma ambição de erudição, mas é o mais seguro meio de nunca nos sentirmos sozinhos.

Senti-me sempre, na minha família, como um pequeno animal privilegiado, rodeado desde a juventude por seres cultos. Ser-se culto serve para transferirmos para a realidade, com grande volúpia, os desejos que sentimos. Olhá-los, amá-los, apertar-lhes o pescoço…às vezes! Longe da rotina, na aventura, no desconhecido, na vertigem da criatividade.

“A cultura não se herda, mas conquista-se” escrevia André Malraux, por isso há alguma esperança ainda…

MNA

Sem comentários:

Enviar um comentário