quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Memórias dos meus Natais (parte 4)



O meu Bisavô materno tirou o Curso Superior do Comércio, equivalente nessa altura a uma licenciatura em gestão financeira e foi Presidente da Junta de Crédito Público, tendo ocupado também outras altas funções no Estado, sempre dentro deste âmbito profissional. Foi colega do Alfredo da Silva com quem travou forte amizade.

Com cerca de 18 anos e depois de terminados os estudos secundários no Colégio de Campolide, (o meu Bisavô falou com o Alfredo da Silva para arranjar um emprego) e o meu Avô foi estagiar para a Casa Bancária José Henriques Totta, aonde percorreu todas os sectores da banca, criando uma sólida formação comercial e contabilística.

Quando casou com a minha Avó, ainda bem novo, foi desafiado pelo sogro e meu outro Bisavô para o ir ajudar na gestão da Editora Romano Torres, já na família há muitas gerações.

O Avô adorava livros, trazia conhecimentos actualizados e úteis, e por isso nem hesitou. Mais tarde com o seu irmão mais velho e meu Tio-Avô, desempenhou funções de Administrador não executivo em variadíssimas empresas aonde esse meu Tio era Presidente e a nossa família, proprietária ou grande accionista.

Não sei se o Avô teria tido uma actividade profissional mais interessante se tivesse seguido a carreira bancária, mas não se arrependeu da que escolheu pois dizia que não havia melhor do que se trabalhar no que era dele e foram realmente muito bem sucedidos, com uma elevada qualidade de vida e de que todos beneficiaram e ainda bem.

Na sua vida de solteiro, a maioria dos rapazes com meios e de boa sociedade, tinham hábitos de grande pândega, sobretudo nocturna.

Era uma vida com dois tipos de comportamento :

o primeiro, o oficial e familiar com um enorme respeito pelos Pais e Avós e pela severidade formal de que se revestiam as relações :

- a vida doméstica tinha horários estritos e presença obrigatória nas demoradas refeições em grandes casas servidas por criados e criadas e nas quais deviam estar sempre bem vestidos e impecavelmente apresentados ;

- não podiam, em princípio, eximir-se ao cumprimento de todos os hábitos religiosos que o seu estatuto social lhe impunha;

- as Mães e Avós eram muito devotas (dependendo o exagero de caso para caso, e no seu, apesar de muito rígida, a minha Bisavó era terna e gostando muito dos filhos) e os Pais um pouco distantes, mas zelando pelo equilíbrio social e pelas tradições familiares, sem que pudessem causar escândalo.

o segundo, aliás transversal a Avós, Pais e Filhos (quando aplicável), era o de uma vida secreta, confidencial e zelosamente guardada cumplicemente entre todos e só partilhada entre cada nível geracional.

Sabia-se que os « Cavalheiros » e disso se conversava detalhadamente com peripécias e gozo nos seus Clubes, faziam grandes vidas de lazer, com prazeres ocultos e práticas sensuais, mas normalmente sempre a horas que não prejudicassem, aos casados, o cumprimento dos seus deveres conjugais….

Jantava-se pelas seis horas da tarde! Dava tempo de sobra para voltar depois da refeição ao escritório para fazer horas extraordinárias tardias, ou ao consultório a atender pacientes urgentes e por aí a fora…

As Senhoras casadas, sobretudo as mais desprezadas e por isso mais directamente infelizes ou as noivas desvalidas desconfiavam de toda essa vida brejeira e desregrada e como em tudo, não só acabavam por ser « apanhados » noivos, namorados, maridos e até « castas esposas » em flagrante delito, situações estas que redundavam sempre em separações, abandono das casas familiares ou rompimento de noivados.

O « sport » era uma ocupação dos « dandy » e da juventude bem educada desses tempos, e no seu caso e dos seus 2 irmãos, escolheram a esgrima aonde foram sempre muito bem conceituados : os meus Tios-Avós foram várias vezes campeões de Portugal e brilharam no estrangeiro, bem como vencendo inúmeros torneios que se disputavam entre os Clubes privados do país.

Atiravam na Sala d’Armas do Professor Carlos Gonçalves, uma das melhores e mais bem frequentadas de Lisboa, sendo ele um insigne mestre com fama internacional. Foi com ele que teve lugar um dos últimos duelos à espada em Portugal.

Tinham como Amigos e parceiros de esgrima o Conde de Lavradio, o Henrique MacBride, e os membros de uma equipe que mais tarde ganhou uma medalha de bronze nas Olimpíadas de Amsterdão em 1928 formada pelo Mário de Noronha, filho do escritor Eduardo de Noronha, Paulo d’Eça Leal, Jorge de Paiva, João Sassetti, Henrique da Silveira e dávam-se também com o Ruy Mayer, o António Mascarenhas e Menezes, o António Pinto Leite e tantos outros que tornavam esta prática num verdadeiro prazer entre amigos.

* a primeira fotografia é a do meu Trisavô com o meu Avô, que o adorava, em Paris no aeroporto de "Le Bourget".

(continua)

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