O Peninha regressa a Lisboa e é recebido por Marcelo e o PM
Peninha foi procurar um veterano americano que conseguia
fazer sair de Cabul, cidadãos estrangeiros.
Chamava-se John Spitzgerald. Era um homem entroncado dos
seus 70 anos de cabelo rapado loiro e tinha estado como militar em Cabul
durante os 20 anos e conseguia fazer sair gente através de túneis, que davam
directamente para o aeroporto.
John mandou o Peninha tirar aquelas roupas todas e o Peninha
vestiu-se de caqui militar americano.
O túnel era comprido, com pouca ventilação e não se podia
voltar para trás, mas no fim valia a pena pois estava a salvação. Iam em grupos
de 10, de joelhos a quatro-patas, a uma distância de 2 metros cada um, em
silêncio e a travessia duraria cerca de 20 minutos.
Peninha, que tinha claustrofobia, quase desmaiou. Mas pensou
que ser morto pelos talibãs ou tentar salvar-se, não havia dúvidas, mesmo que
tivesse que passar por grandes momentos de aflição.
O que mais lhe custava era não poder dar meia-volta se se
sentisse mal. Era um horror só de pensar nisso.
Os lugares na fila eram tirados à sorte com um pião de
madeira, daqueles da escola. Para azar do Peninha ficou no meio da fila entre
dois afegãos. O detrás era um matulão de barbas e cabelo preto (pois tinham que
tirar o turbante e ir o menos despidos possíveis) e o da frente era um rapaz
sueco de nome Hans que estava com tanto medo quanto ele.
Iam então com umas calças de caqui e umas camisolas interiores
sem mangas. A do Peninha já tinha sido usada várias vezes e estava com cheiro a
suor e tinha gravado: No Continente, encontra tudo para ficar contente! Como
raio teria ido parar a Cabul um produto do Continente?
Lá se puseram em fila e depois de se despedirem de John e
ouvirem os últimos conselhos, entraram no túnel como se fossem uma manada de
elefantes.
Ao fim de 5 minutos, já doíam os joelhos ao Peninha pois
tinham de manter um ritmo constante.
Começou a pensar na sua vida passada e no que tinha feito e
de repente viu que o sueco tinha caído desmaiado à sua frente. Nada disto tinha
sido previsto.
Passou por cima dele com custo e continuou, mas com um peso
na consciência por não ter ajudado, ter tentado reanimá-lo. De repente, ouviu
ao fundo a voz dele que gritava que já estava bem e tinha passado para o último
da fila pois todos os outros tinham passado por cima dele.
O novo companheiro que tinha à frente era um afegão
ordinário que se peidava com frequência e Peninha apanhava na cara com o cheiro.
Pelo relógio do Peninha, faltariam talvez uns cinco minutos
e enchendo-se de coragem e animado pelo sucesso que antevia, começou a cantar o
hino da Internacional Comunista, que tinha aprendido na Festa do Avante.
Acontece que o tal afegão que estava à frente mandou-o calar
e começou a cantar o Deutschland uber alles, hino do Hitler e Peninha
respondeu-lhe com o Hino da Mocidade Portuguesa, de Salazar.
Acabaram por chegar a um enorme cano de esgoto e ao fundo
viram as luzes do aeroporto de Cabul.
Abraçaram-se uns aos outros e como John lhes tinha dito
viria ao seu encontro um militar americano. Assim se fez e dali a pouco um jeep
militar grande veio buscá-los.
Depois de muita papelada e burocracia Peninha viu-se sentado
num avião da TAP a caminho de Lisboa. Reparou que a tripulação o tratava com
toda a deferência e lisonja, e pensou que seria por ser português.
Peninha dormiu um sono justo todo o tempo da viagem e quase
antes de aterrarem vieram sugerir-lhe que vestisse um uniforme de soldado do
Exército Português. Peninha já tinha feito a tropa na Guiné há anos e sabia que
tinha acabado em Sargento-Ajudante.
O Comandante e toda a tripulação vieram despedir-se à porta
e Peninha sentiu-se muito honrado.
Quando começou a descer as escadas para um grande hangar
aonde o avião tinha parado, reparou que havia um batalhão de soldados formados,
que a uma voz de comando, apresentaram armas. Peninha pensou que viria também
no avião alguma alta individualidade.
Ao chegar quase ao fim das escadas, viu com espanto num
palanque o Presidente Marcelo, o Presidente da Assembleia da República, o
Ministro da Defesa e o Primeiro-Ministro que vinha ao seu encontro de braços
abertos.
Ficou sem palavras e siderado e perguntava-se a si próprio o
que teria feito assim de tão importante…
Quando PM o abraçou perguntou-lhe baixinho ao ouvido: aonde
está a cassete para o Rui Pinto com as provas todas contra o Benfica?
Peninha ficou pasmado e não percebeu. O PM meteu-lhe as mãos
nos bolsos e triunfante tira a cassette.
Nesse momento tocou o hino nacional, Marcelo fez um discurso
político e Peninha foi evado por dois polícias da PSP para fora do aeroporto e
pondo-o na plataforma do Metropolitano.
Que injusta é a política!