quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Já não houve mais Natais


" Depois o meu avô morreu, venderam a casa, a família dispersou-se e os Natais acabaram. Os Natais agora são o que vejo nas montras das lojas: as Boas Festas das gerências, as pastelarias com notas de quinhentos escudos presas aos pinheiros com molas de roupa, um Pai Natal triste à porta de um supermercado a distribuir prospetos de margarina e telemóveis.Os Natais agora sou eu atrás das palavras de um romance, de bloco nos joelhos, a cozinha sem mujique nenhum, os meus irmãos com cabelos brancos, sobrinhos que nunca ouviram falar de Cisco Kid. Mas pode ser que para o ano me ofereçam uma pistola de fulminantes e ao disparar o primeiro o meu avô reapareça, me volte a pousar a mão no ombro, me faça aquela festa que ele me fazia com o polegar na nuca
(— O meu netinho)
e eu sinta de novo a sua força e ternura, sinta de novo, como sempre senti, que estando junto dele nunca nenhuma coisa má, nenhuma coisa triste, nenhuma coisa reles me poderia acontecer porque o meu avô não havia de deixar."

António Lobo Antunes— Livro de Crónicas

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