Pois a graça disto tudo está em que, no ano de 1534, um tal
António Lopes exercia medicina, em Évora onde era muito conhecido, mas não
tinha diploma. Tinha estudado em Alcalá de Henares e, por falta de verba para
pagar o «canudo», saiu de lá sem o respectivo diploma. Vai daí escreveu ao rei
Dom João III e pediu-lhe que o mandasse analisar pelos médicos da corte de modo
a poder exercer a sua actividade sem qualquer contestação. Em 23 de Maio de
1534, o livro da Chancelaria de D. João III refere:
«Dom Joham 3º a quantos esta minha carta virem faço saber
que o doutor António Lopes, físico de Évora, me apresentou ua carta do doutor
Diogo Lopes, meu físico moor, de que o theor de verbo é o seguinte: O doutor
Diogo Lopes, comendador da Ordem de Christo e físico moor del Rey Nosso senhor
em seus regnos e senhorios, faço saber a quantos esta minha carta de doutorado
virem como por António Lopes, físico da mula ruça, morador em esta Évora, me
foy apresentado hum allvará dellRey nosso senhor, por sua alteza assygnado e
passado per sua chancelaria do qual o trellado he o seguinte: Eu ell Rey faço
saber a vós Doutor Diogo Lopes seu fisico moor, que António Lopes, físico da
mula ruça, morador en esta cidade, me dice por sua petiçam que elle estudou
nove ou dez annos no estudo de Alcala de Henares.»
Os dicionários esclarecem que a expressão “doutor da mula
ruça” usada em registo familiar e em tom depreciativo, se aplica a «indivíduos
que possuem um título ou um diploma, mas que não têm os conhecimentos de que se
dizem detentores». Por extensão, a expressão “doutor da mula ruça” aplica-se
vulgarmente ao chamado charlatão, aquele que tenta enganar os outros,
fazendo-se passar por algo que afinal não é, neste caso, fingindo ser muito
erudito.
No entanto, a história que se conta sobre o 1.º doutor da
mula ruça aponta para um significado da expressão um pouco diferente, quase
oposto, que é o do homem que exerce a prática (e tem os conhecimentos) mas que
não tem o diploma que o habilitaria oficialmente para isso.
Então quem foi este doutor da mula ruça? De acordo com
vários autores, houve um homem no século XVI em Évora, de nome António Lopes,
que era conhecido como o “físico da mula ruça”, e exercia medicina sem possuir
o grau de doutor. Acontece que este senhor tinha estudado em Alcalá de Henares,
em Espanha, perto de Madrid. Mas uns dizem que por falta de dinheiro não pôde pagar
o diploma, e portanto acabou por exercer sem ele; outros contam que obteve o
grau de bacharel, mas havia certas reservas em relação à sua prática, porque
não era doutor pela Universidade de Lisboa. Seja como for, o que acontece é que
ele terá pedido ao rei D. João III, uma espécie de “equivalência”, como agora
se diria (de bacharel, o grau que teria adquirido em Espanha, para doutor) ou,
se quisermos, uma “creditação de competências”, como agora também se faz, ao
abrigo do Processo de Bolonha, se considerarmos que ele não chegou a obter o
diploma em Espanha, ainda que tivesse frequentado a Universidade. O que parece
certo é que o Rei, a pedido deste António Lopes, solicitou ao físico-mor do
reino, Diogo Lopes, que o examinasse para se avaliar a sua competência para
exercer medicina. O resultado da avaliação foi positivo e há um registo no
Livro de Chancelaria de D. João III que declara precisamente isso: «que António
Lopes, físico da mula ruça, morador em esta cidade me disse por sua petição que
ele estudou nove ou dez anos no estudo de Alcalá» (excerto da carta régia de 23
de Maio de 1534).
Portanto, fica a ideia de que este homem exerceu a profissão
antes de obter oficialmente o grau academico, que solicitou esse grau por carta
régia e não pela via normal, que seria um diploma da universidade, e que era
conhecido como o “doutor da mula ruça”, talvez por se deslocar habitualmente
numa mula de cor parda ou acinzentada. Não temos a certeza. Mas pelos vistos a
sua actividade era contestada pelo facto de ele a exercer sem a mesma
legitimidade que os outro físicos, o que o levou a sentir a necessidade de
requerer o reconhecimento da sua competência. Algo que parece hoje novidade,
mas que afinal não é...
Fui descobrir esta curiosidade num livro de Orlando Neves,
intitulado «Dicionário da origem das frases feitas». A edição é da Lello &
Irmão Editores – Porto.
Info obtida gentilmente do Doutor João das Regras
Boa noite gostava que me informassem se é possível partilhar o texto O Doutor da Mula Russa na minha página no Facebook e se a resposta for afirmativa se posso omitir o nome do Autor ou é obrigatório e por fim se tenho de pagar algum valor.
ResponderEliminarFico a aguardar a vossa resposta para o e-mail Gesnelson@hotmail.com
CUMPRIMENTOS
Pode republicar fazendo referência ao blogue. Obrigado.
EliminarBoa noite
ResponderEliminarGostaria de saber se posso partilhar o vosso texto O Doutor da Mula Rusa no meu Site no Facebook ? Se a resposta for afirmativa , tenho algum valor a pagar e se tenho no texto de fazer referencia ao Autor.
Fico a aguardar resposta, para Gesnelson@hotmail.com
Cumprimentos
Nelson Fernandes
Cumprimentos