domingo, 18 de outubro de 2015
O PENINHA E O ROUXINOL
O PENINHA E O ROUXINOL
O Peninha saiu de casa num desaforo. Ia de peúgas de cada côr e tamanho, uma mostrando o pelo forte da canela e a outra com a marca do avesso, conseguindo-se apesar de tudo ler, “made in Taiwan”.
O pai, embarcadiço, trazia-lhe invariavelmente de Taipé, meias de todas as cores e feitios. Estas eram horrendas, de feltro grosso, captivando o cheiro e empapando-se de suor de dias de caminhadas sem fim…o Peninha andava na escola técnica de Massamá e calcorreava a pé uns 10km á ida e outros tantos à volta, fosse à chuva, ao vento ou ao sol.
Raivoso, gritava quando via o carro do PM passar, com ele pimpão lá dentro….- um dia o sol brilhará para todos nós - e fazia-lhe um manguito com o dedo bem espetado.
O Peninha era filho de um comunista e a mãe do MRPP. O pai estava sempre em todas as greves da estiva e apesar de imediato de um navio da Marinha Mercante, quando podia metia-se em conspirações a bordo.
A mãe, marchava na rua, de bata, mal cuidada, com os cabelos desgrenhados e oleosos, olhos fora das órbitas gritando com todos os bofes, palavras de ordem irrealistas…dizia-lhe o pai, que sendo ortodoxo suspeitava que o MRPP fosse uma camuflagem dos gringos. Havia discussões sérias entre ambos e davam-se mal, excepto quando era para zurzir na direita e no Governo.
Um dia o Peninha, transformara-se em rouxinol e voara até uma árvore que dava para o quarto de uma moça que conhecera na escola na aula de trabalhos manuais.
De seu nome, Lucrécia, achara-lhe logo graça pois lembrara-se da capa de um livro que encontrara lá em casa trazido pelo pai : “Lucrécia Bórgia, o Papado e a sensualidade de uma pecadora”: uma jovem nua deitada entre sedas e bordados, lasciva, com um olhar inconfundível de luxúria.
Não descansou enquanto não soube aonde morava e sempre que podia voava cedo para o pinheiro fronteiriço em frente da janela do seu quarto.
Todos os dias, Lucrécia levantava-se da cama nua e abria a janela de par-em-par e voltava para a cama espreguiçando-se em cima dos lençóis, deixando ver as partes mais sensuais do seu belo corpo.
Peninha, trinava ardentemente para chamar-lhe a atenção e louco de desejo não se atrevia a voar para o parapeito.
Voltava para casa muito excitado e saía então a pé para a escola prometendo que se declararia logo que a encontrasse. Mas depois hesitava sempre…como posso dizer-lhe que a vejo desnuda e que a desejo de todo o coração? Se me perguntar como, para além de incrédula, quiçá indignada, não lhe posso confessar que sou o rouxinol que lhe canta as canções mais lindas que um apaixonado pode conceber!
Se lhe digo que lhe quero, olha para mim e vê em mim o Peninha que anda a pé de volta a casa no fim das aulas, com calçado manco e rude, roupa russa e coçada, de cabelo espetado e mal cortado, sem graça e sem eira nem beira…
Peninha, resolveu falar com o pai a pedir-lhe que trouxesse um presente da China, assim coisa que se visse, para dar a uma amiga a quem arrastava a asa.
No regresso, o pai trouxe-lhe uma caixa vistosa, muito bem embrulhada em papel vermelho e com dragões e umas fitas doiradas garridas. Disse-lhe porém que não a podia abrir e teria que lha dar sem saber o que era, até que ela o abrisse.
Peninha odiou o pai nesse momento, mas assim fez por medo a alguma maldição chinesa de "feng shui" e seguiu de perto as suas instruções.
Nesse dia, mais uma vez voou para a árvore do costume e viu-a fresca, apetitosa, roliça e desejável. Voltou a casa decido a ser esse o dia tão esperado!
Partiu a pé mais uma vez, animado e cheio de coragem com a caixa na mão para lhe ofertar. Quando se cruzou com o PM que saía de Massamá na sua imponente viatura, como tinha as mãos ocupadas com o presente, nada fez mas com a cabeça e com os olhos os seus movimentos foram inequívocos.
Contava os passos e apressava-os para chegar à escola.
Lá chegado, quando a avistou, avançou em silêncio para ela e estendeu-lhe a caixa bem embrulhada e ficou à espera, que Lucrécia, entre espantada e divertida lhe perguntasse o que era.
- É uma prenda para ti – disse afogueado – foi o meu pai que a trouxe da China, mas disse-me para não a abrir sem ta entregar. Ardo em curiosidade para ver o que é.
Lucrécia, abriu o embrulho com vagar, desatando as fitas e desdobrando o papel vermelho, apreciando os desenhos com um olhar curioso. Levantou a tampa e abriu-a.
Dentro estava um rouxinol adormecido, com um papel em verso que dizia:
“Do teu Peninha, com amor para sempre”!
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