segunda-feira, 23 de março de 2015

«AU PLAISIR DE DIEU» de Jean d'Ormesson


«AU PLAISIR DE DIEU» de Jean d'Ormesson

«C’est le banal qu’il faut montrer, parce que c’est ce qu’on ne voit plus, à force d’habitude et de familiarité». Jean d’Ormesson, como Waugh, faz uma viagem à história centrada na relação entre uma família e a sua propriedade rural, detida ancestralmente. O berço da tribo era o Castelo de Plessis-lez-Vaudreuil, que resumia uma longa história desde as cruzadas até aos nossos dias. Os acontecimentos do século XX precipitam a mutação e a decadência – a modernização, a indústria, a emergência da burguesia, a guerra, a resistência, o amor, o dinheiro, os debates dilacerantes, Pétain e De Gaulle, a tradição, as mudanças políticas, Maurras e Karl Marx… 

Tudo se mistura num torvelinho de contradições. A vida quotidiana penetra nas grandes questões. As transformações profundas geram o drama e a ameaça da decadência. Ressalvadas as distâncias, são os mesmos temas que encontramos em Brideshead – com um maior distanciamento aqui relativamente às tradições.

Daí que Jean d’Ormesson dedique o seu livro a seu pai, apresentado como liberal, jansenista e republicano – atributos correspondentes a camadas diferenciadas da história e da vida. Malraux disse, aliás, um dia: «que livros valem a pena ser escritos, para além das Memórias?». E aqui sente-se isso exatamente. Sostène reporta-se à noite dos tempos, a Éléazar nascido no século XI.

Séculos e séculos de serviço «au plaisir de Dieu».

É o esteio da família, o ponto de encontro das diversas lembranças e recordações, a partir de um tempo em que a cultura dos campos domina, como um relógio regularíssimo. «Nasci num mundo que olhava para trás. O passado contava mais que o futuro. O meu avô era um velho bom muito direito que vivia da recordação. A sua mãe tinha dançado nas Tulherias com o duque de Nemours, com o príncipe de Joinville, com o duque de Aumale, e a minha avó em Compiègne com o príncipe imperial».

O tempo foi-se acelerando e as pessoas deixaram de ter tempo. O silêncio foi sendo ocupado pelo ruído, os ritmos tradicionais pela marcação forte dos compassos… E foi-se tomando consciência de que seria necessário restaurar as ardósias dos telhados, certos de que a alma das casas é afetada pela doença que leva à sua destruição física. É preciso preservá-la, ligando pedras vivas e pedras mortas, enquanto lugar de acolhimento e de ternura, de força e de consistência!

Falar de património, não é falar de castelos no ar, mas de amores e desamores, de vontades e caminhos – de pessoas!

Guilherme de Oliveira Martins.

Sem comentários:

Enviar um comentário