A palavra
barquilhos significa aqueles cones de bolacha que normalmente vêm junto dos
sorvetes para cortar o frio dos gelados.
Na minha infância
nas praias de Cascais e Estoris havia umas caixas de lata verde garrafa ( que
me perdoem os benfiquistas…ahahah) com uma “roleta” de metal em cima, que nós
fazíamos rodar e consoante o número que saía, assim tínhamos cones de
barquilhos doces, finíssimos, uma delícia. Tudo era um encantamento para os
nossos olhos de meninos e por isso quando ouvíamos o pregão da “Barquilhera”
acorríamos em bandos para comprar.
Pois bem, aqui na
Praça de Espanha em Lisboa, não existe nada disto excepto um velhinho que
consoante a hora do dia, de cansaço, já não só nem consegue levantar muito a
mão que segura num saco de plástico vários barquilhos nem emite qualquer som.
Temos que adivinhar!
Eu já há anos que
lhe compro de vez em quando uns quantos sacos mas não são de facto iguais aos
da praia. São mais grossos e maiores mas, quand-même, são barquilhos. Vende
também nougats com mel e amêndoas caramelizadas, a preços irrisórios.
Hoje, estava parado
no semáforo e vejo-o avançar para o meu carro, com um aceno cansado com um saco
de barquilhos na mão e de nada ter vendido e foi aí que resolvi parar o carro
mais à frente e vir conversar com ele. Que diabo, estamos no fim do ano, queria
saber se a troika o tinha afectado muito, que tal do senhor PIB, mas sobretudo
o meu coração amoleceu completamente porque lhe vi na cara, alguma coisa que
faz vibrar fortemente uma corda cá dentro: solidão!
Comecei por lhe
comprar a produção do dia (uns 5 sacos que darão de presente para várias
famílias no réveillon, ora toma, não estão tempos para mordomias) e assim
conquistei-lhe tempo para conversar.
Como é meu
costume, vou ser telegráfico: tem 80 anos.
a) Vive sozinho
numa barraca, mas está limpo e asseado e apresenta-se impecável de casaco de
tweed beije dado por alguém e uma camisa aberta branca irrepreensível. Cheira a
sabonete.
b) Tem um vago
fogão (nada de máquinas de crepes de tias lindamente) que não lhe permite com o
parco gás e os apetrechos antigos fazer uma massa mais fininha. Não me
perguntem detalhes de cozinha, que não sei explicar porque não saem mais
fininhos.
c) Trabalhou numa
casa de uma família conhecida, mas falida. Aí, diz, aprendeu a ter uma esmerada
educação pois já os pais conviviam, como empregados, com gente generosa e
decente.
d) Tem uns olhos
dormentes, verdes, cansados de dias penosos. A voz sai fraquinha, doce, sem
queixumes, mas triste.
e) Tive vergonha
de falar na política pois lembrei-me do texto do Passos Coelho no facebook “ a
Laura e eu desejamos…bla,bla,bla” . A Rainha Isabel, ou melhor a prima
Lilibeth, é que disse e por uma só vez nos 50 anos de casados “ My Husband and
I “ , de resto é ela a começar as frases como a Laura…
f) Dei-lhe a mão
um bocado e apeteceu-me estar calado e ele tranquilamente aceitou. Eu acho que
tinha muitos mais emaranhados na minha cabeça e problemas do que ele e foi como
que uma corrente que passou entre nós.
g) Claro está que
no sistema de vasos comunicantes, a seiva pura, valente, de HOMEM grande e
sofredor veio dele para mim.
Pena que não haja
destas transfusões no Serviço Nacional de Saúde.
E foi isto que
vos quis contar a propósito de barquilhos, imaginem!
Valente BARQUILHERO, valente, valente……
Valente Vicente, VALENTE... que me comove nesta sua versão que diz telegráfica mas que verdadeiramente sente, mesmo que seja apenas contada!!!
ResponderEliminarGostei muito meu querido amigo!!!
Valente Barquilheiro, Valente Vicente!!!
Beijinho,
Isabel
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarDesde que li pela primeira vez este texto ( provavelmente à cerca de 4 anos) que estou ansiosa por lhe dar esta notícia. A partir de novembro, na zona baixa da cidade de Setúbal, vai abrir um espaço comercial, denominado Bolacha Portugueza, onde o principal produto de venda são os tradicionais barquilhos de massa fina e muito estaladiça.
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