Meu Caríssimo Manuel,
Achei divertida a ideia de quereres visionar com antecipação
o que dirão de ti quando morreres. Só tu tratas um tema tão cinzento com uma
leveza despudorada.
Pois vou-te dizer que não tem a menor importância o que disserem
ou o que se esquecerem de dizer de ti, no dia em que estiveres morto.
O mais importante é estares vivo e marcares com a tua
presença a vida de outros com luminosidade e intensidade, umas vezes nem sempre
bem-sucedida por tantas razões e com culpas de todas as partes, outras porque a
tua condição humana é o que é.
Nunca ninguém ganha unânimemente a simpatia ou o ódio de
toda a gente, por isso considera um assunto irrelevante.
Esta ponte para cá, com que ilustras a minha carta, é o
bálsamo para te animar no dia-a-dia. Não achas que apetece ter um caminho que
conduza à felicidade?
Olha estive com os teus Pais e preparam-se afanosamente para
a época das festas. Chamaram a Cacilda, a vossa cozinheira de toda a vida para
os jantares de grande esmero – o bigodão que ela tinha! – mas que era esquecido
no minuto seguinte pelas iguarias que fazia.
Vão convidar, uma vez mais a Família toda e a tua Mãe
pediu-me que te dissesse que uma das sobremesas vai ser aquele doce que a Cacilda
era exímia em fazer, com uma massa leve de castanha, doces de ovos e natas dentro
de uma capa de caramelo. Tu adoras!
O teu Pai anda muito entretido a ler sobre como plantar uma
rosa a que quer dar o nome da tua Mãe, mas parece que até agora as tentativas
têm sido goradas. Saem feias e sem cheiro. Lembrei-o de mandar perguntar a
algum jardineiro da casa da Rainha-Mãe de Inglaterra como costumam fazer. Achou
uma excelente ideia.
Por aqui tudo muito agitado pois um novo sistema de
comunicações com a Terra foi implementado e para além dos e-mails, parece que
tem a ver com uma modalidade de telepatia imediata - o que penso, é
transmitido à tua mente com as sensações e emoções todas.
Eu acho mais produtivas estas cartas. Mas depois te contarei
ou até, em assuntos mais íntimos entre nós, vou tentar aprender o novo sistema.
Quando estiveres mais tristonho ou desanimado manda-me um
aviso por carta e se for urgente usamos o outro método. Sempre é mais rápido!
Olha diverte-te na viagem ao Brasil e manda-me uma carta de
lá! Gosto muito da música brasileira e nas festas dos teus Pais há sempre ou
fado, ou samba ou sevilhanas…no fundo as vossas origens mais divertidas. Quando
vêm jantar os Avós Vice-Reis, aí fia mais fino pois no
tempo deles não havia nada disso e os sons são da cítara e das vozes melodiosas
do Oriente.
Olha bem para a ponte e alegra-te por um dia a poderes
cruzar e nem vais querer saber o que dirão de ti. Cheirará a mofo, e ou a
sabujice, inveja, ou mentira…raramente a verdade!
Como sabes bem, passado o período de “nojo” é a seiva da
vida que move as vossas mentes e sobrevém o esquecimento progressivo, mesmo
após juras de amor eterno e de promessas de não olvídio.
E ainda bem, pois quando chegares aqui é muito mais
divertido! Isso é que vai ser!
Um abraço muito apertado do teu primo
Luís Bernardo
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