sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Os 90 anos de José Saramago, são festejados hoje pela sua Fundação no dia do “Desassossego”.




“Dentro ou fora de mim, todos os dias acontece algo que me surpreende, algo que me comove, desde a possibilidade do impossível a todos os sonhos e ilusões. É essa a matéria da minha escrita, por isso escrevo e por isso me sinto tão bem a escrever aquilo que sinto.”
José Saramago

Os 90 anos de José Saramago, são festejados hoje pela sua Fundação no dia do “Desassossego”. 

Não admirei a pessoa política: era um adversário das minhas ideias. Um homem azedo contra o seu país, um comunista ortodoxo a que nem a idade adoçou.

Um ateu ácido mas curiosamente pressentia-se que não podia viver sem o confronto com a ideia do Deus que ele escreveu “de pernas para o ar”, pelo menos Aquele a quem a maioria dos seus detratores o acusava de insultar, de troçar, de tratar mal. Às vezes há este ódio/rejeição que se torna numa aliança indelével, indissociável e duradoura. Não diria Amor, mas respeito não confessado.

Mas hoje venho falar-vos de como li Saramago “contra tudo e contra todos” e como de cada livro guardo impressões diversas, mas sempre de enorme deleite pela coragem da escrita livre, sem medo de contrariar o pré-estabelecido. E disso gosto: não há quem me tire o doce sabor da liberdade.

Escrevia a Rita Ferro, não sei se citando alguém ou da sua lavra, que “os cumpridores zelosos, os cumpridores em tudo, são as criaturas mais desumanas que conheci - não é aforisma nem generalização, é observação pessoal e contingente” e ler Saramago e gostar é fogo de Inquisição, é radicalismo, são juízos de valor e acusações convictas de esquerdismo e ateísmo.

Nos primórdios do meu blogue insurgi-me contra um energúmeno que ao me criticar por ter elogiado Saramago-escritor na sua morte, ousou escrever: “Nunca li e não gostei”!

Em “Caim” um livro de leitura deliciosa, concordei com ele quando ressaltou da Bíblia episódios de um Deus castigador: o sacrifício de Isaac, o Dilúvio, e outros momentos que negam a visão do Deus amor. Que perplexidade para quem se converte ou começa desde jovem a aprender a doutrina! Porque tantas calamidades a punir os Homens feitos à Sua imagem e semelhança?

Mas, o que quero dizer hoje é que o que Saramago acima escreve e no qual me revejo inteiramente, é uma fonte de inspiração para um aprendiz da escrita como eu. Nela encontro evasão, liberdade de pensamento sem grilhetas, uma intimidade com o meu eu, uma espécie de único oásis aonde contrastam as minhas forças do “yin-yang”!

Termino citando Lobo Antunes “Não digas nada, dá-me só a mão. Palavra de honra que não é preciso dizer nada, a mão chega. Parece-te estranho que a mão chegue, não é, mas chega. (…) Se calhar sou uma pessoa carente. Se calhar nem sequer sou carente, sou só parvo.”

2 comentários:

  1. Pessoalmente, gosto de Saramago. Gosto e acredito gostar cada vez mais, na proporção da minha procura de conhecê-lo melhor. Gosto, independentemente de ter sido o nosso Nobel, independentemente de todas as suas opiniões, para tantos tão controversas, mas que considero corajosas e honestas, sobretudo consigo mesmo. Gosto do seu percurso... da coragem de uma caminhada longa mas nunca desistente... e que sempre mostrou ser uma caminhada atenta ao ser humano que retrata, independentemente das opiniões ou interpretações difíceis... e das susceptibilidades que pudesse suscitar ou ferir... mas que por certo tinham a intenção de "desassossegar", despertar, acordar os homens, para o retrato da natureza humana que nem sempre queremos ver.
    Preciso conhecer "mais" Lobo Antunes... conheço-o melhor das crónicas que dos livros e estou a procurar colmatar essa lacuna... mas toca-me. Profundamente.
    Gostei do que escreveu, "Vicente"... deste relembrar Saramago nos seus 90 anos e da citação escolhida de Lobo Antunes, porque, de facto, por vezes basta mesmo "dar a mão"... para quê, em certas alturas, tantas e mais palavras?
    ...Custa assumirmo-nos carentes... ou simplesmente parvos...
    Gostei, "Vicente".
    Beijinho!
    Saudades,
    Isabel

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  2. Isabel,

    Muito obrigado pela visita sempre com comentários interessantes e tantas vezes coincidentes com o que eu penso ou disse.

    Explique-me porque não escreve desde há muito e à séria no seu blogue?

    Cá fico à espera de a ler no seu sítio.

    Bj amigo

    Vicente

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