“Dentro ou fora de mim, todos os dias acontece algo que me
surpreende, algo que me comove, desde a possibilidade do impossível a todos os
sonhos e ilusões. É essa a matéria da minha escrita, por isso escrevo e por
isso me sinto tão bem a escrever aquilo que sinto.”
José Saramago
Os 90 anos de José Saramago, são festejados hoje pela sua
Fundação no dia do “Desassossego”.
Não admirei a pessoa política: era um adversário das minhas
ideias. Um homem azedo contra o seu país, um comunista ortodoxo a que nem a
idade adoçou.
Um ateu ácido mas curiosamente pressentia-se que não podia
viver sem o confronto com a ideia do Deus que ele escreveu “de pernas para o ar”,
pelo menos Aquele a quem a maioria dos seus detratores o acusava de insultar,
de troçar, de tratar mal. Às vezes há este ódio/rejeição que se torna numa aliança
indelével, indissociável e duradoura. Não diria Amor, mas respeito não
confessado.
Mas hoje venho falar-vos de como li Saramago “contra tudo e
contra todos” e como de cada livro guardo impressões diversas, mas sempre de
enorme deleite pela coragem da escrita livre, sem medo de contrariar o pré-estabelecido.
E disso gosto: não há quem me tire o doce sabor da liberdade.
Escrevia a Rita Ferro, não sei se citando alguém ou da sua
lavra, que “os cumpridores zelosos, os cumpridores em tudo, são as criaturas
mais desumanas que conheci - não é aforisma nem generalização, é observação
pessoal e contingente” e ler Saramago e gostar é fogo de Inquisição, é
radicalismo, são juízos de valor e acusações convictas de esquerdismo e
ateísmo.
Nos primórdios do meu blogue insurgi-me contra um energúmeno
que ao me criticar por ter elogiado Saramago-escritor na sua morte, ousou
escrever: “Nunca li e não gostei”!
Em “Caim” um livro de leitura deliciosa, concordei com ele quando ressaltou da Bíblia
episódios de um Deus castigador: o sacrifício de Isaac, o Dilúvio, e outros momentos
que negam a visão do Deus amor. Que perplexidade para quem se converte ou
começa desde jovem a aprender a doutrina! Porque tantas calamidades a punir os
Homens feitos à Sua imagem e semelhança?
Mas, o que quero dizer hoje é que o que Saramago acima escreve
e no qual me revejo inteiramente, é uma fonte de inspiração para um aprendiz da
escrita como eu. Nela encontro evasão, liberdade de pensamento sem grilhetas,
uma intimidade com o meu eu, uma espécie de único oásis aonde contrastam as
minhas forças do “yin-yang”!
Termino citando Lobo Antunes “Não digas nada, dá-me só a
mão. Palavra de honra que não é preciso dizer nada, a mão chega. Parece-te
estranho que a mão chegue, não é, mas chega. (…) Se calhar sou uma pessoa
carente. Se calhar nem sequer sou carente, sou só parvo.”
Pessoalmente, gosto de Saramago. Gosto e acredito gostar cada vez mais, na proporção da minha procura de conhecê-lo melhor. Gosto, independentemente de ter sido o nosso Nobel, independentemente de todas as suas opiniões, para tantos tão controversas, mas que considero corajosas e honestas, sobretudo consigo mesmo. Gosto do seu percurso... da coragem de uma caminhada longa mas nunca desistente... e que sempre mostrou ser uma caminhada atenta ao ser humano que retrata, independentemente das opiniões ou interpretações difíceis... e das susceptibilidades que pudesse suscitar ou ferir... mas que por certo tinham a intenção de "desassossegar", despertar, acordar os homens, para o retrato da natureza humana que nem sempre queremos ver.
ResponderEliminarPreciso conhecer "mais" Lobo Antunes... conheço-o melhor das crónicas que dos livros e estou a procurar colmatar essa lacuna... mas toca-me. Profundamente.
Gostei do que escreveu, "Vicente"... deste relembrar Saramago nos seus 90 anos e da citação escolhida de Lobo Antunes, porque, de facto, por vezes basta mesmo "dar a mão"... para quê, em certas alturas, tantas e mais palavras?
...Custa assumirmo-nos carentes... ou simplesmente parvos...
Gostei, "Vicente".
Beijinho!
Saudades,
Isabel
Isabel,
ResponderEliminarMuito obrigado pela visita sempre com comentários interessantes e tantas vezes coincidentes com o que eu penso ou disse.
Explique-me porque não escreve desde há muito e à séria no seu blogue?
Cá fico à espera de a ler no seu sítio.
Bj amigo
Vicente