terça-feira, 21 de agosto de 2012
A formiguinha aventureira
Era uma vez uma formiguinha muito curiosa, muito espertinha, muito corajosa e também muito vaidosa. Estava sempre asseada, vestia-se de uma maneira diferente das outras formigas e era a mais bonita. Tinha a mania de ficar a olhar-se ao espelho.
Era também muito sonhadora. Sonhava em viajar pelo mundo e adorava passear pela floresta.
A rainha das formigas ficava sempre de olho nela, pois era órfã, e os seus pais tinham morrido de uma morte muito triste : foram pisados por um humano de um metro e oitenta e cinco de altura, de cento e dez quilos, que tinha vindo fazer um piquenique à floresta.
A rainha queria educá-la, pois achava que ela era um pouco preguiçosa, vivia nas nuvens. E já se viu alguma vez uma formiga preguiçosa e sonhadora? A rainha dizia que ela tinha vocação para ser cigarra. Mas como? Se nem cantar como uma cigarra ela sabia, embora tentasse, mas não tinha jeito, era mais do tipo da cantiga de grilo do que de cigarra.
A rainha, apesar de toda a sua paciência, vivia zangando-se com ela. Queria que ela trabalhasse como as outras formigas. O inverno estava a chegar, tinham que encher a despensa com bastante alimento, pois sabia-se que seria muito duro. Todas as formigas estavam à procura de alimento e lenha na floresta. Ela também trabalhava, mas sozinha, pois detestava aquela fila das formigas, sempre tudo igual, todas vestindo-se da mesma maneira, fazendo as mesmas coisas, vivendo sempre em fila. E só faziam trabalhar, trabalhar, trabalhar.
Ela sonhava e dizia:
Ainda vou ser a rainha das formigas : a primeira coisa que vou decretar será acabar com a fila das formigas para irem trabalhar. Parece um enxame de abelhas...fila para apanhar folhas; fila para trazer água; fila para tomar banho; fila até para ir para cama. Não aguento mais esta vida de andar umas atrás das outras, não sou uma carruagem de comboio!
Quero liberdade, quero ser independente, viajar, conhecer o mundo, trabalha-se demais aqui, ninguém brinca, ninguém goza a vida. A rainha passa o dia todo naquele trono, não vai nunca à janela, vivemos todos num formigueiro super apertado, quando entram duas formigas na cozinha, uma tem que sair de costas, pois não dá para virar o corpo. Quando eu for a rainha, tudo vai ser diferente.
Então, um dia que estavam todos a dormir, incluindo a guarda do buraco das formigas, arrumou bem a sua trouxinha, enrolando-a num lençol e saiu mundo fóra em busca de aventuras.
Quando amanheceu, já estava bem longe do seu buraco. De repente, viu um coelhinho vindo na sua direcção, e quase a atropelava.
- Ei! Olha por onde andas! Quase que me pisavas.
- Desculpa, não te vi. E o que estás a fazer sozinha? Nunca vi nenhuma formiga andar só. Vocês só andam em grupo, umas atrás das outras.
- Eu sou diferente. Sou orfã. E ainda mais, eu detesto a vida das formigas. Já não aguentava mais aquela vida de fila, a minha vida era uma fila só. Quero ser independente. Estou sozinha no mundo mesmo, como já te disse, e não tenho família.
- E então??? Conheço muitas formigas orfãs, não interessa se têm pais ou não, quem manda mesmo é a rainha. E a tua rainha deixou-te ir embora do buraco? Que rainha mais desatenta, sem autoridade, nunca vi coisa igual. Tu és uma revolucionária dentro do buraco e ela não fez nada?.Se fosses uma formiga do reinado da outra rainha Ditadura com certeza já estarias de castigo na prisão.
- Quem é essa rainha? Nunca ouvi falar. E olha que eu conheço algumas rainhas. Os formigueiros de vez em quando visitam-se uns aos outros, temos que estar sempre unidas. Mas essa rainha Ditado...quero dizer Dentadura não conheço.
- Rainha Ditadura, formiguinha! És meio maluquinha, nao és?
- Ditadura, Dentadura, seja lá o que for... não conheço nem quero conhecer e tenho raiva de quem a conhece. Adeus! Estou a perder o meu tempo contigo.
E lá vai a formiguinha Aventureira pelo mundo. Prestava atenção a tudo por que passava: cada árvore diferente, cada pedra, cada flor, só não prestou atenção quando já estava a escurecer. Aonde iria passar a noite?
- Estou a ficar com medo, está escuro. Se ao menos eu encontrasse um buraco de formiga. Vai-te embora medo! Não tenho medo de nada!
Continuou a sua caminhada, quando, de repente, começou a ouvir um barulho:
- Parece um batuque, será uma festa? O barulho vem daquele lado, perto da árvore.
O barulho vinha de um formigueiro que ficava por debaixo de uma grande árvore. A formiguinha foi-se aproximando devagarinho. Era tão corajosa que não teve medo de entrar no formigueiro.
Formiguinha valente! O que ela viu deixou-a chocada: um monte de formigas trabalhando com correntes amarradas às pernas. Formigas velhas, crianças, doentes; formigas que não podiam de forma alguma trabalhar. O que era esta loucura?
Pensou em sair dali a correr, mas não o podia fazer vendo aquelas formigas, tinha que ajudá-las de alguma forma, e também estava super curiosa para saber por que estavam a trabalhar de madrugada e como priosioneiras.
Escondeu-se atrás de uma saliência do buraco de formiga e conseguiu falar com uma delas. Era uma formiga velhinha, magrinha, as perninhas eram mais finas do que a mais fina das teias de aranha que podia existir no mundo. A formiguinha Aventureira teve uma enorme pena, teve até vontade de chorar, mas controlou-se e perguntou:
- Porque estão a trabalhar se não têm condições de trabalho? Porque é que até as formigas bébés estão a trabalhar? Por que estão a trabalhar presas? E por que estão a trabalhar a esta hora da noite?
Eram tantas as perguntas que a formiga velhinha magricela ficou tonta.
- Primeiro, queres saber o quê? Aliás, antes de responder a todas estas tuas perguntas gostaria de saber quem és, e o que estás a fazer aqui no buraco-prisão, que pertence ao formigueiro da rainha Ditadura.
- Estava a passar aqui por perto quando ouvi um barulho esquisito, então, aproximei-me para ver o que era, pensei que estava a haver uma festa, pois o barulho do vosso martelo parecia um batuque. Só há pouco tempo ouvi falar dessa rainha Ditadura.
- É que nós fazemos isto para tentar distrair as crianças, fazemos o nosso trabalho em ritmo de batuque para que elas não fiquem tão tristes, pois como deves ter percebido somos prisioneiras da rainha Ditadura. Quando manda prender alguém que ela acha que fez alguma coisa mal feita, a família da formiga é presa também, por isso é que estão aqui velhos, crianças e formigas doentes. Pois a família toda tem que ser presa, independentemente da idade e da saúde. Mas o que estás a fazer sozinha na floresta? A tua rainha deixou-te sair sozinha?
- Eu fugi do meu formigueiro. Mas a minha rainha era um amor de formiga. Eu fugi porque não aguentava mais a vida de formiga. Mas esquece...eu gostaria de vos ajudar. Eu só vi dois vigias na entrada da prisão, e mesmo assim estavam distraídos a jogar, há mais algum vigia por perto?
- Não. Ninguém se arrisca a fugir. Temos medo, pois o fugitivo vai parar à prisão solitária.
-Mas que rainha tão má! Isto não pode continuar. Vou ajudar-vos. Eu tenho aqui na minha mochila um canivete bem afiado que corta até metal, vou cortar a tua corrente e vais-me ajudar a cortar as das outras. Depois ataremos os vigias com umas correntes e fugiremos pela floresta, correremos a noite toda e quando amanhecer já estaremos bastante longe.
- Mas isso não está certo...temos que obedecer à nossa rainha !
- Eu estou de acordo e tu também, ouviste bem dona Graciosa? Muito prazer, eu chamo-me Dona Dorinha, ouvi toda a vossa conversa e gostei do teu plano e gostei muito de ti. Muito obrigada por teres a coragem de nos ajudar.
- Muito prazer dona Dorinha, também gostei de ti, mas vamos lá, pois temos que aproveitar a noite, e pelo que estou vendo, há muitas formigas que não vão poder correr, vamos ter que carregá-las, portanto, vamos a isso!
Depois de estarem todas soltas e os vigias presos, as mais fortes carregaram às costas as mais fraquinhas e os bébés, e fugiram a correr.
Quando o dia amanheceu, já estavam muito longe da prisão. Mesmo assim a formiguinha Aventureira achou melhor que as últimas da fila apagassem os rastos, e para se sentirem mais seguras ainda achou melhor atravessarem o rio. A formiga Aventureira pegou num pau grande e empurrou-o para o rio, e pediu a todas as formigas para subirem para ele e que se deixassem levar pela corrente para bem longe.
Desceram enormes cascatas e foram parar a um bosque lindo. Ao chegarem, a formiguinha Aventureira reuniu todos à volta de uma pedra e fez uma reunião.
- Bem amigas...graças a Deus conseguimos fugir. Vocês agora são livres. Acho que aqui não há mais perigo. Nunca mais a rainha Ditadura as encontrará, pois estamos bastante longe do seu buraco. E para comemorarmos vamos em busca de comidas e bebidas, e quem for músico que faça um instrumento, pois vamos fazer uma festa, vamos cantar e dançar para celebrar a nossa vitória!
E todas gritaram: Iupi!!Iupi!!
A festa foi tão animada, que os outros bichos atraídos pela alegria também participaram, mesmo sem saber o motivo da comemoração. A festa durou o dia inteiro.
Quando acabou, todos adormeceram exaustos. Ao amanhecer a formiguinha Aventureira organizou suas coisas para continuar a viagem, mas a dona Graciosa com o barulho dos preparativos da partida da formiguinha Aventureira, acordou.
- Para onde vais ? Não ficas connosco? E quem vai tomar conta de nós? Quem vai mandar em nós?
- Vocês agora são livres. Podem fazer com as vossas vidas o que quiserem.
- Ei! Acordem formigas! A formiga Aventureira vai-nos abandonar! E agora como vamos viver?
Todas se levantaram assustadas.
- Não nos podes abandonar, não faças isso connosco, senão podemos morrer.
- Calma! Bem. Irei ficar convosco uns dias até que estejam organizadas. A primeira coisa que temos que fazer é um formigueiro. De preferência bem grande e bem bonito. Vou fazer o projecto nesta folha.
Ela fez um formigueiro enorme, cada família com o seu quarto. Uma piscina, um parque para as crianças, uma sala para dança, uma sala para as refeições, nunca ninguém tinha visto um projecto de formigueiro tão bonito.
Após alguns dias ficou pronto. O formigueiro ficou maior do que pensavam. E ficou de uma grande beleza. Todo enfeitado de flores, cada cantinho era mais bonito do que o outro. Dava prazer ficar neste formigueiro durante o inverno.
Ela ensinou-as a dividirem as tarefas por forma a que ficassem com tempo livre para se divertirem, não precisando de ficar em fila, cada uma fazia a sua parte, todos faziam as suas tarefas com o maior cuidado, mas no seu ritmo e cada um com o que sabia fazer. As que sabiam ser lenhadoras tratavam da lenha, as que gostavam de cozinhar trabalhavam na cozinha. E assim a vida do formigueiro era só alegria. Havia noites em que cantavam e dançavam sem parar.
Todos viviam felizes, as doentes ficaram com saúde novamente. As velhinhas eram tratadas com respeito. As crianças viviam a sorrir e faziam as suas partidas.
Os outros animais da floresta nunca tinham visto um formigueiro tão feliz. Mas um dia a formiguinha Aventureira deu uma péssima notícia: ia-se embora.
- Bem, o combinado foi isto, por favor não fiquem tristes.
- Nós sabemos, mas não és feliz aqui?
- Nunca fui tão feliz na minha vida. Mas eu tenho que continuar o meu destino.
- E quem foi que te disse que o teu destino não é ser rainha deste formigueiro que tu mesma criaste?
Ela virou-se para ver quem tinha dito isto com uma voz tão bonita.
Era o formiguinho Delírio e realmente ele era muito bonito, era o ídolo de todas as formiguinhas do formigueiro. Ela achava-o lindo, forte, trabalhador, mas sempre discreto, calado. Todas ficaram surpreendidas quando o ouviram falar assim.
E ele continuou:
- Vocês não concordam comigo? Ela já pode ser considerada a nossa rainha oficial; aliás desde o princípio ela tem feito o papel de rainha, e das melhores! Acho que não existe na terra um formigueiro mais feliz. Não passamos o dia em fila, todos nós somos livres, e aprendemos a dividir o nosso tempo por forma a trabalharmos com prazer e para viver com mais conforto e alegria, e não como os outros formigueiros que vivem para trabalhar. Portanto, desejamos do fundo dos nossos corações que tu sejas a nossa rainha.
Todos aplaudiram de pé. A formiguinha ficou toda emocionada. Realmente ela era muito feliz ali. E principalmente ficou encantada com o discurso do formiguinha Delírio. Ela aceitou toda contente ser a rainha oficial.
Os dias foram passando, ela e o formiguinha Delírio foram se apaixonando e resolveram casar.
Convidaram todas as formigas dos seus antigos formigueiros. O casamento durou três dias e três noites de festa.
No formigueiro da rainha Ditadura houve uma revolução e tiraram a rainha Ditadura do seu trono. O exemplo do formigueiro da rainha Aventureira foi falado e imitado em todos os formigueiros da Terra.
Até as abelhas começaram a imitar a rainha Aventureira.
E todas as formigas de todos os formigueiros viveram felizes para sempre.
Henriqueta Neiva
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