quarta-feira, 7 de março de 2012
O livro que vou escrever
Nasci em Lisboa, de uma família conhecida com dinheiro e bens e culturalmente muito virada para a França, Inglaterra e Itália. A Espanha era um destino frequente e não era considerada como estrangeiro.
A parte feminina da estirpe era fisicamente muito bonita dos dois lados, elegantes e com bom ar, composta de prendadas donas de casa, algumas tocando piano e tendo tido mestras ou andado em colégios estrangeiros. Viajavam muito, ficavam em excelentes hotéis, gastavam bastante dinheiro em roupa, sapatos e chapéus e vestiam-se cá e também em lojas da moda em Paris e Itália, e tinham imensas criadas. Também tinham costureiras em casa ou “modistas” conhecidas e passeavam-se em carros de boas marcas com chauffeurs, indo todos os dias ao Chiado, a pretexto de qualquer compra, sempre chiquíssimas, como rezam as crónicas.
Gostavam muito de ir ao teatro e ao cinema e na saison do teatro francês, não falhavam uma peça. Frequentavam também S.Carlos, quer na ópera ou nos ballets. Viram a Margot Fonteyn e o Rudolf Nureyev a dançar o “Lago dos Cisnes” e ouviram a Callas a cantar "Dove sono i bei momenti" das " Nozze di Figaro"!
Eram sérias, católicas, apostólicas, romanas e praticantes, e estavam envolvidas na Acção Católica e outras obras pias.
Com estes detalhes (que não se esgotam totalmente nestas descrições) não restam dúvidas da sua pertença à alta burguesia, convivendo e frequentando a sociedade.
Eram, no entanto, estranhamente bastante inteligentes e nada fúteis.
Clarividentes sobre aquilo que eram os comportamentos habituais do seu estatuto social, mas suficientemente independentes para gerirem a sua felicidade e liberdade, tinham personalidade e estilos próprios.
Possuíam princípios sólidos que praticavam no campo da solidariedade, amor ao próximo e generosidade para com os dependentes e respeitavam os valores tradicionais herdados de costados nobres e ilustres.
O lado masculino era diverso. Na varonia, em pelo menos 4 gerações seguidas, eram todos diplomados com cursos superiores e quadros de topo da Administração Pública e privada com provas de gratidão da Monarquia e República pelos serviços prestados.
Para trás eram Senhores! Uns com terras e palácios, outros com quintas e gado, outros industriais e outros conspiradores e servidores de Reis e de Dinastias desde os tempos coevos.
Dos que conheci, tinham todos imenso humor, perspicazes, sábios no gozo da vida e dos bastos pertences tirando grande desfrute da existência.
Uns mais fiéis do que outros, mas com respeito pela instituição a que se vincularam – o casamento – se bem que nem sempre com grande harmonia em relação às consortes. Mas sem factos dignos de monta, sobretudo nesse tempo, em que as excelsas caras metades, mesmo rabitesas, eram submissas e impecáveis.
Tinham uma vida cultural repartida em duas facetas: a formal, acompanhando com prazer o que acima descrevi como os programas das respectivas mulheres e a outra, mais típica e discreta que passava na juventude por cabarets, espanholas, copos, clubes, jogo. Havia honrosas excepções!
Eram finos desportistas e praticavam os sports da alta sociedade tal como a esgrima, ténis, voleibol, equitação, caça . Nesse tempo não era distinto jogar futebol.
Conto-vos isto tudo porquê?
Pois vou começar a escrever um livro sobre um personagem da minha família, enigmático, excêntrico, muito próprio. Vai dar trabalho e exigir pesquisa, por isso postei esta imagem lindíssima de uma biblioteca apetecível!
Não sei quando, nem em quanto tempo pois a época é mais de labuta diária para alcançar um mínimo de bem-estar que assegure a decente subsistência a uma família, do que para escrever romances.
Alguém me dizia que desde cedo se deve começar a afastar a sombra do Alzheimer, que antigamente seria a “aterosclerose”!
Tenho-vos dito que tenho planos de emigrar, que não sei ainda se serão concretizáveis, mas em espírito já lá estou e estão em boa marcha!
Aonde? Algures no mundo como alguns dos meus antepassados, em caravelas para a Índia ou como bandeirantes no Brasil!
Até lá!
MNA
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