quinta-feira, 2 de setembro de 2010
9ª Carta do meu primo Luis Bernardo
Meu Caro Manuel,
Vi o teu comentário sobre o livro do “Caim” do Saramago: o Deus das coisas violentas desde o dilúvio e a Arca de Noé, de Sodoma e Gomorra, ao do sacrifício de Isaac - castigador e distante que se comporta como um ser maléfico.
Fantasias e recalcamentos do Saramago, mas de facto quem escreveu a Bíblia, mesmo utilizando uma linguagem apropriada à época e destinada a disciplinar povos bárbaros sem lei nem ordem, não se preocupou em antecipar os perigos da falta de rigor e de sentido mutável que iriam perturbar os futuros leitores, muitos séculos depois.
Por isso não é doutrinalmente grave o que Saramago diz - não passam de invenções tanto dele como da Bíblia pois esse Deus assim descrito, não existe nem existiu.
Deixa-me perguntar-te: se estivesses para morrer amanhã, sentir-te-ias feliz pelo que fizeste hoje?
Pega no telefone hoje e diz qualquer coisa de especial a quem é para ti também especial. Dá uma volta por todos a quem tu amas e com quem tens afinidades, abraça-os e beija-os e dá-lhes um sinal do teu afecto por eles.
Escreve uma pequena nota a todos quantos estão distantes de ti mas continuam bons amigos e diz-lhes o que significou tê-los tido na tua vida.
Depois senta-te e escreve uma carta à tua mulher e aos teus filhos e partilha com eles tudo quanto aprendeste sobre a vida, tudo quanto queres que eles saibam como ultrapassar, como fazer as coisas acontecerem, como encontrar alegria e como podem levar um pouco de felicidade a outros, apesar de todos os desafios que lhes estão destinados.
E quando tiveres terminado tudo isto, escreve-te uma carta a ti próprio, descrevendo o que fizeste de bem, mesmo com tudo o que tiveste que passar por.
E finalmente escreve uma carta a Deus, seja ele da forma como o entenderes e conta-lhe a tua vida pelas tuas palavras. As “cartas” para aqui, são fáceis pois tu fazes parte desse Deus e por isso é importante para ti, enquanto estás na terra e não morreste, teres uma visão desapaixonada de como encaraste a vivência da tua vida.
Só tem mesmo importância para ti e para os que te rodeiam, mas é sempre bom deixar a casa arrumada antes de grandes viagens, não é?
Mas se não morreres amanhã, se ainda estiveres vivo no fim da semana, decide como tencionas passar o tempo que ainda te resta com esse teu corpo na vida aí na terra.
Toma novas decisões sobre o sentido e o propósito da tua vida. Tenta elevá-la acima do nível da mera sobrevivência. Reflecte para veres o que escolherias como a razão para viveres.
Vive o tempo que ainda tiveres o melhor que souberes e puderes. Segue a agenda da tua “alma”. A tua vida , com a longevidade que possas vir a ter ou não, já não será mais a mesma. Terá um sentido, uma direcção, finalmente.
E isso tornará cada momento num momento especial…
Dá-me notícias depois do fim das tuas férias.
Tenho uma conversa marcada com o cientista que fabricou a bomba atómica, pois morreu recentemente. Depois te contarei. Disse-me que nunca recuperou com remorsos pela gente a quem causou mortes horríveis.
Um abraço do teu primo muito afeiçoado
Luis Bernardo
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