quarta-feira, 27 de março de 2019

Conversa



Agora falando a sério: estou na sala na minha cómoda cadeira de leitura. Tenho os headphones ligados pelo blootooth à Smooth inglesa. Óptima música.
Já estive a ler uma hora e agora apetece-me escrever um pouco. Sintéticamente:
1. Gosto do bom tempo da primavera e da luz e da natureza a despontar. Sinto-me melhor por dentro e por fora;
2. Tenho-me dedicado a terceiros cansativos, neste caso os meus africanos serra-leonenses, muitas vezes burrinhos e primitivos e causando-me perda de tempo para outras coisas mais interessantes;
3. Nem sempre os meus negócios internacionais são fáceis e os interlocutores sérios ou competentes. Por isso ser bem sucedido não é fácil;
4. Tenho melhorado em humildade e muito no julgamento dos outros;
5. Nem sempre consigo ser um bom chefe-de-família como refere o Código Civil dando como exemplo para o bom comportamento civil;
6. Vou tendo cada vez menos paciência para pessoas radicais e intolerantes quer na política quer na vida;
7. Vou apreciando-me mais com prazer como dizia o Bukovsky, ou seja gostando de estar comigo;
8. Não se trata de egocentrismo nem de narcisismo ou egoísmo e os outros "ismos" mas de FELICIDADE, pelo menos a bit of;
9. Gosto da beleza feminina e masculina, do bom gosto e da boa educação, de silêncio, de pensar, de amar e de me entregar. Sou muito sensual e imaginativo: daria um bom desenhador de temas eróticos, muito originais e quiçá chocantes. Para além de desenhador seria um bom actor do amor e no palco. Adorava ter representado o Bourgeois Gentilhomme do Molière;
10. Gosto de gente diferente, interessante e culta, divertida, malandra. Sou um contador de estórias de fazer córar o Casanova ou o Vilhena!!!
11. O sexo é para mim mais importante que o amor;
12. Pode-se verdadeiramente gostar de cães, cavalos, gatos, cágados e mais dificilmente de pessoas;
13. O amor tem que ser complementar ao sexo, silencioso e activo, com música de fundo depois de uns copos e de movimentos soft e de repente felinos;
14. Claro, vem a idade e depois dos 50 há que aproveitar estes arroubos sem estatísticas! Podem-se ver uns olhos lindos na praia e logo ali fazer amor sem a formalidade do Carlton de Cannes!
15. Viajar com luxo é do melhor. Qual quê de mochilas às costas, nem quando era novo. Talvez fosse giro a poeira do caminho mas não há melhor do que bons lençóis bem cheirosos em colchões fundos aonde os nossos corpos nús se afundam para dormir ou amar;
Por hoje foi uma conversa convosco, livre como eu gosto.
Quem me tira a liberdade, torna-me num talibã feroz, mesmo.
Tenham sonhos sossegados.

(Extracto de "prosas dispersas" de Vicente Mais ou Menos de Souza

terça-feira, 19 de março de 2019

ALMOÇO NO CLUBE e PASSEIO PELA MEMÓRIA DO MEU PAI



ALMOÇO NO CLUBE e PASSEIO PELA MEMÓRIA DO MEU PAI

Entres os sócios normais estavam dois sócios muito novos de um Clube corresponente em Paris, mesmo no Champs-Elysées. Peixinhos da horta, sempre excelentes e ovos esclafados com ervilhas e entrecosto, queijos e doce, café, vinhos e Porto ou Moscatel. The usual thing.

Estive a conversar com eles até às 16h e depois saí e fui pela rota do sol até ao Guincho aonde parei num local tranquilo junto à estrada a olhar para o horizonte.

Foi dia do Pai, lembrei-me do meu e também dos meus filhos que me têm como Pai. Alguns deles entre sms ternurentos diziam que gostavam muito de mim. Eu retribuí o mimo, claro com o sentido de total verdade.

Ora nem sempre pensamos quando um dia morrermos se fomos sempre bons pais, maridos e até Filhos apesar de no meu caso ter tido essa boa consciência.

E estive num silêncio prolongado esmagado pela beleza da paisagem e da luz sem nada na cabeça...estes períodos de sossego do cérebro...e quando voltei à terra senti sobre as minhas costas o cansaço do trabalho que dá exercer o melhor que se sabe e pode estas funções familiares, aliás a todos quanto sejam responsáveis, de estar de "serviço" atento just in case e em famílias numerosas como a minha quer a descendente quer a de irmãos e irmãs há sempre qualquer detalhe que sobressalta a calmaria daquela e doutras tardes do Guincho.

Tenho para mim, que só com a nossa morte, por aquilo que sabemos por ver e assistir, virá um total desligamento das responsabilidades ou seja sossego e paz.

Será no meu caso quando tiver que ser e não tenho o menor medo nem apreensão, mas fica-se a matutar se é compreensível viver os anos que cada um vive, com luzes e sombras, alegrias e sofrimentos, vida dura e mais facilitada e acabar MESMO em cinza pó e nada, que num caixão de mogno ( na empresa americana de que fui Presidente em Portugal custava a módica quantia de 1.200 contos na altura ou num vaso armoreado, claro, em jaspe ou mármore, com umas cinzas inúteis.).
Se soubesse que era assim não tinha nascido neste planeta.

Ele parece que há outros muito mais interessantes.

Deixo os disparates e declaro aqui solenemente que gostei muito do meu Pai e que foi formidável, para mim e a família. Para os outros parece que também sim, but I couldn't care less.

quarta-feira, 13 de março de 2019

Entrevista excelente de ALA à TVI



Ouvi de novo a entrevista do ALA (António Lobo Antunes) à TVI e para além de gostar do seu estilo non-chalant, mas dizendo verdades, fiquei a pensar que quando ele diz que já teve tudo, se formos modestos à nossa dimensão, e eu sou francamente mais novo do que ele, é a pura das verdades.
Quero eu isto dizer que, nas alusões que ele faz à morte nesta e noutras entrevistas em consequência do seu percurso atribulado de saúde, se morrêssemos amanhã, não fazíamos cá falta nem se calhar seria pior para nós.
Eu explico: cinza, pó e nada é pelo menos o que transparece de exumações de corpos em caixões iguais para toda a gente ou mais radical ainda se se é cremado. Com este nosso corpo, parece-me, não nos encontraremos numa eventual outra vida.
Por isso, na vida tal como a conhecemos, chega o momento da partida com mais ou menos sofrimento, com maior ou menor fama-  oh vã fama que se desfaz na espuma do tempo -, e passados poucos dias, quiçá uns dez…a vida continua para os que cá ficam.
Por isso gosto deste despreendimento do ALA em relação ao seu futuro, mas solidarizo-me com pensamentos e frases da intensidade da AMIZADE que ele qualifica entre os homens muito mais tranquila e forte. Com as mulheres é amor, com os homens também pode ser, mas sabemos bem o gozo que dá um jogo seja de futebol ou de ténis ou de rugby, uns copos a discutir entre o grupo de amigos, uma viagem de pack às costas pelos desertos e frondosos templos da humanidade. Não tem comparação e como ele tão bem diz, as mulheres não percebem esta cumplicidade.
Tenho pena se isto acaba no “paraíso” pois caçar umas perdizes, mesmo vá uns gambuzinos enche-nos de enorme gozo.
Mas porque raio será que NUNCA NINGUÉM nos veio dizer de que cores são os arco-íris, para ser genérico, vá!

quinta-feira, 7 de março de 2019

O PECADO DA TIA DO PENINHA ( FINAL)


O PECADO DA TIA DO PENINHA ( FINAL)

Umbelina, olhou ao redor da sala e sem fazer barulho sentou-se num sofá forrado a chintz e muito confortável. Ouvia as vozes dos cónegos a despedirem-se do Abade e sabia que dentro de minutos ele estaria ali.

Mulher de virtude teve uma pequena tontura de hesitação e ainda pensou em sair pela porta da cozinha e assim evitar a tentação do pecado que sabia haveria de cometer. Mas tinham sido tantos anos de solidão, de contenção da carne e de profunda admiração e porque não reconhecê-lo, de vontade de ter intimidades com o senhor Abade.

Este, entretanto, entrou na sala e dirigindo-se ao sofá, sentou-se ao lado de Umbelina. Agarrou-lhe a mão de mansinho e fazendo festas, foi-lhe dizendo:

- Com que então gostas do teu Abade? Só te fica bem pois é a minha função gostar de todas as ovelhinhas, talvez mais de umas do que de outras.

- Ó sr.Abade, fico assim sem jeito em estar aqui na sua casa e o que dirão se nos encontram juntos a esta hora? – disse Umbelina, chegando-se para a ponta do sofá.

O Abade levou a mão de Umbelina à boca e começou a dar-lhe beijos suaves e pequeninos, dizendo-lhe:
- Aproxima-te de mim, não tenhas medo, pois não te faço mal. Que bonita estás e que bem amanhada. Nunca te tinha visto assim.

Umbelina foi-se chegando e o Abade passou das mãos para os braços e de surpresa puxou-a para si e apertando-a forte, deu-lhe um beijo na boca.

Umbelina ia cedendo e correspondeu com paixão, retribuindo-lhe o beijo e de seguida enroscaram-se os dois no sofá.

O Abade olhava para o peito arfando de Umbelina e lançou-lhe as mãos com frenesi e apalpou-lhe os seios enquanto Umbelina, dizia, rendida, baixinho: - ó Sr. Abade!

Entretanto, tocaram à porta e o Abade endireitando-se e arranjando a batina, exclamou furioso:


- Quem se atreve a esta hora vir incomodar-me na minha própria casa? Irra que é demais, já não chega durante o dia e barafustando disse a Umbelina:
- Vai subindo para o quarto que já lá vou ter contigo. Mas não dês nas vistas.

Umbelina assim fez e foi nervosa subindo as escadas depois de se ter descalçado.

Ouviu o Abade, destrancar o ferrolho da porta e perguntar antes de abrir:

- Quem é? – e não podia ser com uma voz mais desabrida.
- Desculpe Sr. Abade, mas a minha mãe, a Felismina, está a morrer e pediu-me se o Sr.Abade lhe podia ir dar a extrema-unção antes que se fosse. Era um grande favor. – disse uma das vizinhas da Umbelina, a sra.Tomásia.

O Abade ainda lhe perguntou se era urgente e como ela lhe disse que já estava inconsciente teve medo que a criatura morresse sem o sacramento e ainda se viesse a saber a razão da sua recusa.

- Vá andando sra.Tomásia, que vou buscar o necessário e já lá vou ter.

Entrou, fechou a porta e indo ao pé das escadas que davam para o quarto disse baixo para a Umbelina:

- Tenho que ir dar a extrema-unção à Felismina, mãe da tua vizinha Tomásia e devo voltar tarde.
Se estiveres acordada conversamos, senão amanhã de manhã.

E saiu apressado para despachar a função.

Umbelina ficou triste mas como mulher de fé, não criticou o sr.Abade, ficou só com pena de não aproveitar o balanço em que já ia…. Sentou-se a folhear umas revistas antigas e o tempo foi passando e o sr.Abade não havia meio de chegar.

Lá pelo meio da noite Umbelina que só se deixara passar pelas brasas, sentiu o andar pesado do Abade a aproximar-se da casa e a porta abriu-se e ele entrou. Devia estar cansado, a sua figura de obeso e depois de um jantar bem regado, pedia-lhe cama e por isso nem tentou saber se Umbelina estava acordada.

Despiu-se e pôs-se em camisa de noite, enfiou um barrete de borla na cabeça e ficou de barriga para cima sem conseguir adormecer. Umbelina não lhe saía da cabeça.

Umbelina sentindo-o acordado, resolveu começar a despir-se lentamente e começou por tirar a saia de seda que tombou no chão pesadamente por ser rija.

O Abade estremeceu e prestou atenção ficando alerta.

De seguida tirou as calças de linho a meia perna que de novo roçaram o chão leve do quarto, e ficou só de calcinhas.

O Abade movia-se na cama e excitado dava mostras dessa agitação.

Umbelina tirou a parte de cima e ficou nua com os seios à mostra. Mexia-se com ligeiros gemidos que sabia terem eco no andar de baixo. O som da roupa a cair no chão causava ao Abade ideias pecaminosas, que o levavam a invocar alguns santos em seu auxílio, mas sem grande convicção!

O Abade transpirava e hesitava em subir, mas o peso, o sono e as escadas íngremes impediam-no de ser ágil e de ir ao seu encontro.

Umbelina, um pouco desapontada, cobriu-se e deitou-se também toda em efervescência nos sentidos, mas não se atreveu a descer. Ainda estava tudo no princípio.

Adormeceram os dois a sonhar com os corpos de cada um.

De manhã, na alvorada, a sra. Tomásia veio avisar o Abade que a mãe tinha morrido e que se esperava que o Abade presidisse ao funeral.

Assim que ele saiu acompanhado da sra. Tomásia, Umbelina vestiu-se e enroscada no xaile quente, tapando-lhe a vestimenta desusada para aquela hora da manhã, dirigiu-se a sua casa.

Lá chegada, foi para o quarto, tomou um banho de água quente na banheira e depois de se vestir de luto para acompanhar o velório da mãe da vizinha, ao passar pelo quarto do Peninha, sentiu-os a dormir e raciocinou – fizeram toda a noite aquilo que eu queria ter feito!

Tenho tempo, pensou e lá abalou para a igreja.

Yrina e o Peninha quando se despediram da Tia Umbelina, agradeceram-lhe muito a hospitalidade e prometeram voltar.

Peninha perguntou que tal tinha sido a ida a casa do sr. Abade com os cónegos.

A Tia Umbelina, respondeu-lhe: de muita devoção e orações, bem como conversas pias e no fim do jantar o sr.Abade foi chamado pela vizinha para vir dar os sacramentos à mãe morrente e ela tinha regressado a casa.

Grandes beijos e abraços e Yrina, ao ouvido disse-lhe: - agora que já sabe o caminho é ir sem hesitações, e piscou-lhe o olho.

E voltaram para Lisboa, não sem que no caminho, parassem no pinhal de Leiria e no meio do arvoredo, com o carro escondido entre a folhagem, se tenha ouvido gritos em ucraniano….presume-se que de guerra! Peninha cumprira o seu papel de portuguesinho valente.

Nota: apresentado este conto ao Arcebispado para a obtenção do NIHIL OBSTAT para publicação foi-lhe negado, por calúnias contra um ministro da Igreja.

As edições do jornal o Roubacense publicaram em fascículos com grande sucesso!