O PENINHA VAI DE FÉRIAS PARA AS TERMAS
Finalmente o Peninha dispôs de tempo para ir de férias. Anda muito maçado, com mau feitio, embirra por tudo e por nada e Adélia, já não o atura mais.
O Peninha tem direito a beneficiar dos privilégios dos sócios do Inatel, pois um tio dele, irmão da mãe, o tio Ramón sendo cigano, acampou durante muitos anos junto aos muros de uma quinta de lazer do Inatel. Sendo boa pessoa e cordato, foi acarinhado desde miúdo pelo sr. Jacinto e a d.Pulcheria, vigilantes da propriedade. Educaram-no muito bem e tornou-se o Ramón num garboso mocetão que se engraçou da Maria Engrácia, filha do casal. Não tiveram filhos e deixaram tudo ao sobrinho, o Peninha, incluindo a inscrição perpétua no Inatel.
Assim sendo, todos os anos o Peninha e a Adélinha aproveitam de excursões baratas e passam uns dias de férias com outros sócios em grande confraternização.
Pois este ano escolheram um plano de férias duplo: uma cura de uma semana nas termas dos Cucos e a segunda semana na praia de Mira.
O Peninha, pela mãe, tinha sangue cigano e Dulce marcara nele as cores e o garbo de uma gitana salerosa que tendo vindo de Toledo para Portugal, tornou-se uma cantadeira de renome. Era conhecida como a Dulcineia, só não era de Toboso como a do don Quijote, pois a mãe era de carne e osso e muito bem provida.
Quando foi esta discussão toda sobre algum racismo étnico contra os ciganos por parte de um candidato autárquico, Peninha enervou-se e chegou a ameaçar partir-lhe os cornos, nas suas palavras. Mas tudo acalmou e ele bem merece descansar.
Ao preparar a mala pensou ao detalhe que roupa levaria para os dois tão diferentes sítios de vilegiatura e dividiu em dois o espaço, a saber.
Termas dos Cucos:
- roupa branca, calças e colete e um casaco de alpaca fina para pôr de manhã, depois dos tratamentos. No fundo era beber auguinha pura da nascente para as doenças venéreas de que ele não padecia, mas ficava bem dizer que tinha estado a águas. Um chapéu de palhinha clara com uma fita em seda azul escura dava o contraste. Procurou na sapataria Oliveira, ao Chiado, comprar uns sapatos adequados mas já não se fazem daqueles de duas cores: beijes como se fosse palhinha em cima e carneira à volta.
Levava lenços, um frasco de lavanda Ach.de Brito e comprara uma caixa de charutos da marca da Fábrica Micaelense para fumar a seguir ao jantar no terraço, ao fresco, sentado numa cadeira cómoda de palhinha.
Praia de Mira:
- vira umas tangas/sungas de Tarzan em saldo na loja de roupa dos chineses e comprou umas quatro de várias cores aleopardadas e achou que seria um sucesso. Levava umas camisas de manga curta, de marca Tony Carreiro, e nos pés umas xanatas brasileiras.
Para se entreter em leituras, pensou em várias alternativas que adquiriu na livraria local, aconselhado pelo sr. Medeiros que mandava vir livros ao desbarato sem fazer escolha e tinha-os para ali, sem esperança nenhuma de ter compradores. Fazia descontos ao Peninha para se ver livre deles.
Ora então, para a Adélínha não maçar e estar calada absorvida na leitura:
- série completa de 2016 da revista Maria;
- As Pupilas do Senhor Reitor;
e para um género religioso, a Vida e Obra de São Vicente de Paula, um calhamaço volumoso que daria ainda para as férias dos dois anos a seguir.
Para o Peninha:
- de carácter sexual: encontrou num alfarrabista uns 6 números da Gaiola Dourada do Vilhena. Histórias sórdidas, picantes, muito bem desenhadas…rijo a valer. Pensara fazer esta leitura ao fim do dia.
- alguém lhe tinha sugerido como leitura de informação económica, os Pensamentos de Adam Smith. Parece que era nele que o Governo se inspirava, nomeadamente o Ministro das Finanças. Sempre daria sainete nas termas a seguir ao almoço, adormecer com este livro nos joelhos e os passantes lerem de soslaio o nome do autor. Chic a valer…
- Finalmente assim para mais divertido na praia debaixo do toldo do Inatel, o Tio Patinhas em vários números.
Tudo arrumado, pronto para a partida de autocarro com os companheiros de férias, pensou consoladinho para si mesmo:
- Isto de férias divertidas, só no INATEL. E talvez em Mira, na praia ainda encontre algum político. Deixa-me mas é levar mais um livro de política, assim um que dê nas vistas. Hesitou entre o Mein Kampf e o Das Kapital e acabou por levar as memórias de Christine Garnier “ As minhas férias com Salazar”! Sempre seria mais equilibrado no Norte!
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