Entro no restaurante, sento-me, consulto o cardápio. E então reparo
que alguns dos presentes, nas mesas em volta, não comem. Fotografam. O
prato está pronto e eles, antes de usarem os talheres, tiram fotos da
refeição com os celulares –de todos os ângulos, como se tivessem uma
Gisele Bündchen na frente.
Por momentos, penso que o problema é médico: pessoas com primeiros
sintomas de demência que gostam de registrar o que comeram ao almoço
para não repetirem ao jantar.
Depois sou informado que não: é moda fotografar os pratos e enviá-los
para as "redes sociais". Se os "amigos" sabem onde estamos e o que
fazemos 24 horas por dia, é inevitável saberem também o que comemos.
Desconfio até que existem competições gastronômicas em que os pratos são
usados como exibição de classe. Se as férias em família já servem para
isso –esqui na Suíça, praia em Bali– por que não o almoço ou o jantar?
Mas o pasmo não termina com os fotógrafos. Continua com os enólogos
amadores que tomaram conta do espaço público. Entendo pouco de vinhos.
Fiz umas provas aqui e ali –mas, honestamente, o meu principal talento é
saber se o vinho está estragado ou não.
Ninguém se fica por papéis tão modestos. No mesmo restaurante, os
clientes giram os copos, cheiram, conferem a cor. Depois provam, fecham
os olhos e invariavelmente convidam o empregado a servir. Quando foi que
o mundo distribuiu diplomas de enologia pelo pessoal? E por que motivo
eu não fui convidado?
Um colega meu é exímio nessas cenas. Saímos para almoçar, ele escolhe
o vinho e, quando o empregado verte as primeiras gotas, inicia um
ritual que dura minutos. Sempre com uma concentração digna de um monge
tibetano. E, antes do inevitável "pode servir", gera-se um "suspense" de
filme policial, como se a salvação do planeta dependesse da qualidade
do líquido.
Várias vezes bebi vinhos medonhos, escolhidos por ele em estado de
êxtase. "Está boa essa bosta?", deveria ser a pergunta. Não é. "A
colheita desse Malbec é muito apurada, não?" Digo que sim e depois penso
em vinganças mil.
Uma dessas vinganças foi preparada dias atrás. Convidei uns amigos
para jantar. O meu camarada enólogo incluso. E eu, antes dos convidados
chegarem, fui ao supermercado do bairro comprar o vinho mais barato em
exibição. Por menos de € 4, trouxe três garrafas de um tinto alentejano
cujo nome omito por razões judiciais.
Quando cheguei a casa, abri as garrafas e verti tudo em jarro de
cristal. Os convidados chegaram. Primeiras conversas, primeiros
coquetéis. E quando o jantar soou, eu anunciei aos presentes que tinha
ganho de presente de aniversário três garrafas de Château Lafite que
gostaria de partilhar com os comensais.
Ouviram-se aplausos. O jarro veio para a mesa e, quando enchi os
copos, um deles murmurou sem demoras: "Esse odor é inconfundível".
Fizeram-se brindes. E quando o líquido escorreu pela goelas, o meu
colega enólogo olhou para mim, rosto sério, e eu temi que a pegadinha
tinha chegado ao termo.
Ilusão. Ele sorriu, grato, e depois arrumou o assunto com uma frase solene: "É o melhor Bordeaux que bebi neste ano".
Todos concordaram. Um deles, mais humilde, ainda disse: "João, você
não deveria desperdiçar vinho desse com a gente". Fiz cara de desagrado e
concluí: "Se não partilhamos o melhor que temos com os amigos,
partilhamos com quem?".
Ora, com quem: com as redes sociais. No fim do jantar, quando havia
uma alegria leve sobre a mesa, propus um brinde de despedida –e uma foto
do vinho para partilhar no Facebook.
Fez-se o brinde e eu fui buscar uma garrafa do meu alentejano
vira-lata. Ninguém tirou fotos para mostrar. Só o especialista enólogo,
razoavelmente sóbrio, murmurou um "filho da puta" que despertou
gargalhadas gerais.
Eu, com cara séria, tranquilizei as manadas: "Calma, pessoal. Mas
vocês acham que eu faria uma sacanagem dessas?". E depois plantei na
mesma mesa uma garrafa vazia de Château Lafite, que o empregado de um
restaurante que frequento em Lisboa me emprestou só para impressionar os
incréus.
Os ânimos acalmaram-se. E as fotos vieram logo a seguir.