segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Vender Poesia para sobreviver

Fui ao Chiado e ao descer a Rua Garrett, aproximou-se de mim uma moçoila gentil, com um ar doce e quando eu já ia, com o meu melhor sorriso, dizer-lhe que não queria, fosse o que fosse e sem saber, perguntou-me:
- Gosta de poesia?
Fiquei perplexo com a pergunta e respondi:
- Sim, gosto muito. Porquê?
Retirou de uma pequena pasta de plástico que segurava numa mão, uma folha dactilografada, e propôs-me:
- Se quiser ler...eu faço poesia para sobreviver.
Li com atenção, gostei muito e disse-lho. Perguntei-lhe quanto era e ela respondeu-me: o que eu quisesse. Tinha mais para me mostrar, mas assim que procurei a minha carteira, retorquiu-me:
- Obrigado, vou assinar e datar.
Assim fez, e eu trouxe os versos que abaixo transcrevo. Conversei um bocadinho com ela sobre publicar, dar a conhecer, etc..
Fui a pensar até ao carro que apesar de já ter visto de tudo e de todos os tipos de pedidos para sobreviver, nunca me encontrei com alguém a vender poesia e achei uma maravilha...
Mas o povo de Camões e de Pessoa, entre outros notáveis, deixa morrer os poetas à fome...

As mãos vazias
De conter afectos
Que se negam.
Em perfume de
Orquídeas
Mortíferas.
O corpo
Pede à transparente pele
Mais um sonho,
Um pássaro, um dizer
Sobressaltado.
Talvez o mar
Entenda porque vogo,
E as gaivotas aceitem
As minhas inquietações,
Num voo que é despir
As asas.
Na queda ao sopro do sentir.

(Leonora Rosado)

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