segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Resposta do meu primo Luis Bernardo - Rainha Dona Carlota Joaquina



Meu Caro Manuel,

Como me pediste na tua anterior carta, o primeiro dos encontros que tive foi com a Rainha Dona Carlota Joaquina que comigo esteve a conversar e cujos pormenores te repasso.

Algumas das observações são fruto da consulta de documentos aqui na Biblioteca do Mundo que contém um manancial digno de informação completo sobre a vida de cada pessoa.

Assim, D. Carlota Joaquina era a filha primogénita do Rei Dom Carlos IV de Espanha e de D. Maria Luísa de Parma, Rainha de Espanha e sua Mulher. No dia em que partiria para Portugal, D. Carlota Joaquina pediu à Mãe para que lhe fizessem uma pintura sua com um vestido encarnado para ser pendurado na parede, em substituição do quadro da infanta D. Margarida, sua irmã (à qual D. Carlota dizia superar em beleza). (Ver fontes: Wilkipédia)

Teve o seu casamento arranjado, em 8 de Maio de 1785 (com apenas dez anos de idade), com o Infante Português, D. João Maria de Bragança (futuro Dom João VI), naquele momento, Senhor do Infantado e Duque de Beja, sendo o segundo filho de D. Maria I, Rainha de Portugal (que mais tarde enlouqueceria).

Para realizar o projeto chamado de “Florida blanca” pelo qual se conseguiria uma aliança duradoura entre a Espanha e Portugal foi assinado um tratado no qual se estabelecia dois casamentos entre Infantes Espanhóis e Portugueses: a Espanha daria ao Príncipe Dom João a princesa D.Carlota Joaquina; e Portugal daria ao Príncipe Dom Gabriel, filho do Rei Carlos III, Dona Mariana Vitória irmã de Dom João; na época destes acordos Dona Carlota tinha apenas 8 anos de idade e Dona Mariana tinha 15; estes casamentos levaram dois anos para se consumarem e só ocorreram após a assinatura do "tratado" entre a Rainha D.Mariana Vitória de Portugal e o Rei Carlos III de Espanha. 

Em 17 de Março de 1785, o Conde de Louriçal que era o Ministro Português na corte de Madrid pediu a mão de Dona Carlota em casamento em nome do Infante Dom João; e o Conde de Fernán Nuñes, Embaixador Espanhol em Lisboa, pediu a mão da Infanta Portuguesa, Dona Mariana Vitória em nome do Príncipe Dom Gabriel. 

D.Carlota teve que submeter-se aos chamados "exames públicos" para o acordo matrimonial, quando respondeu durante 4 dias, cerca de uma hora por dia, a perguntas sobre religião, geografia, história, gramática, língua portuguesa, espanhol e francês e as apresentações dos dois casais aconteceram no dia 8 de Maio de 1785 em Vila Viçosa, na fronteira com a Espanha. 

No dia seguinte, o casamento foi aceite pela Igreja através da benção dada por um Cardeal. Os festejos duraram quatro dias: durante o dia realizavam-se torneios e touradas, e à noite havia saraus musicais que na época se chamavam "serenins", bailes e representações líricas. 

Durante estes festejos, numa das noites de núpcias, a Princesa D.Carlota agrediu o marido, mordendo-lhe fortemente a orelha e atirou um castiçal à sua cara. Depois deste episódio, foi feito uma acta adicional ao contrato de casamento, permitindo que Dona Carlota pudesse ter a sua primeira relação sexual com o marido aos 14 anos, podendo antecipar caso assim ela quisesse ou seja: se ela desejasse fazer sexo antes dos 14 anos, poderia. 

O Padre José Agostinho de Macedo, imprimiu uns folhetos contando este caso da noite de núpcias de forma brincalhona e sarcástica com o titulo "O gato que cheirou e não comeu" (…); a Princesa, indignada com o escrito mandou dar uma tareia de chicote nas nádegas do padre, despi-lo na praça pública e aplicar uma "seringada" de pimenta do Reino no seu clérigo traseiro e depois soltá-lo nu no Bairro das Marafonas.

O Padre José Agostinho foi socorrido por uma actriz cómica do Teatro da Rua dos Condes, Maria da Luz que depois veio a ser amante do vigário humilhado. 

O matrimónio, é claro, foi um fracasso. A vida sexual do casal só começou realmente cinco anos depois, quando D.Carlota teve a menstruação pela primeira vez.

Em 1788, com a morte do herdeiro da Coroa portuguesa, o primogénito D. José, Príncipe da Beira, D. João tornou-se o Príncipe herdeiro. Por loucura da sua Mãe, tornou-se Regente de Portugal de facto em 1792, e de jure em 1798, e, por conseguinte, D.Carlota tornou-se Princesa-Regente consorte de Portugal.

Esta mudança de acontecimentos conveio perfeitamente ao carácter ambicioso e até violento de D.Carlota. Desde cedo procurou intrometer-se nos assuntos de Estado, procurando influenciar as decisões do marido, muitas das vezes não se lhes submetendo; começou a desprezá-lo, recorrendo até à chantagem, à intriga e à pressão conjugal sempre que não conseguia os seus intentos.

“A mulher era quase horrenda, ossuda, com uma espádua acentuadamente mais alta do que a outra, uns olhos miúdos, a pele grossa que as marcas de bexiga ainda faziam mais áspera, o nariz avermelhado. E pequena quase anã, claudicante (…) uma alma ardente, ambiciosa, inquieta, sulcada de paixões, sem escrúpulos, com os impulsos do sexo alvoroçados.” Como refere, Octávio Tarquínio de Sousa, na sua História dos Fundadores do Império do Brasil.

Por ser afastada das decisões muitas vezes, D.Carlota Joaquina organizou à sua volta um partido com o objectivo de tirar as rédeas do poder ao Príncipe Regente, prendendo-o e declarando-o incapaz de cuidar dos assuntos do Estado, tal como a sua Mãe.

Contudo, em 1805 esse partido foi descoberto: o Conde de Vila Verde propôs a abertura de um inquérito e a prisão dos implicados, e a Princesa só não pagou mais caro porque D. João, desejando evitar um escândalo público, opôs-se à sua prisão, preferindo confinar os movimentos da Mulher ao Palácio de Queluz, enquanto ele ia morar para o Palácio de Mafra, separando-se dela. Os seus inimigos afirmavam que somente cinco dos seus nove filhos (incluindo D. Miguel I) eram filhos de Dom João VI, já que Carlota Joaquina era uma notória ninfomaníaca.

Descrevendo a sua fealdade, os seus cabelos sujos e revoltos, os seus beiços muito finos e arroxeados adornados por um buço espesso, os seus dentes desiguais, a mulher do Embaixador Francês, a Duquesa de Abrantes, Laura Junot, afirma: "Não podia convencer-me de que ela era uma mulher e, entretanto, sabia de factos, que provavam fartamente o contrário".

Diz outro historiador que "passava por ser de ânimo perspicaz e de dotes elevados de espírito, porém, as suas qualidades morais não mereceram igual apreço. Ambiciosa, violenta, pretendeu logo dominar a vontade de seu marido, e dirigi-lo nos negócios internos e nos do Estado". 

Não se submetendo o Regente, começou a olhá-lo com desprezo e desdém, convertendo o lar doméstico em contínua luta, cujos menores incidentes eram discutidos e comentados na praça pública. A desgraçada situação a que chegou Portugal, em 1807, fez com que o casal se reunisse por algum tempo, e a esquadra, que em Novembro conduziu o Príncipe Regente e D. Maria I ao Brasil, levava também a bordo a astuciosa Princesa. 

No Rio continuaram a viver separados, cada um no seu palácio, reunindo-se apenas quando eram obrigados a comparecer nalguma solenidade pública. Numa carta, Dom João escreve à sua irmã contando que D. Carlota Joaquina teria rapado os cabelos devido a uma infestação de piolhos.

D. Carlota Joaquina não se resignava à inação política a que se via condenada, decidida, como estava, a dominar como Soberana; e começando a lavrar no Rio da Prata os primeiros sintomas de independência, concebeu o projecto de erigir para si própria um trono nas províncias espanholas da América, ou pelo menos, de governar como Regente em nome do seu irmão Fernando VII. 

Auxiliada pelo vice-almirante inglês Sydney Smith, e não encontrando oposição do marido, foram enviados agentes ao Rio da Prata, onde se formou um grande partido. As intrigas principiaram então a desenvolver-se mais cruéis e perturbadoras. O ministro inglês, Lord Stanford, insinuou a D. João que o Vice-Almirante lhe desonrava o leito conjugal.

D. João pediu a Londres a transferência do vice-almirante. Satisfeito o pedido, Sydney Smith retirou-se, vindo a substitui-lo o almirante de Courcy. No entretanto, as divergências eram enormes. No próprio governo havia correntes muito opostas. D. João, cada vez mais abatido e com medo da mulher, pedia que não a contrariassem sempre que suas exigências não fossem impossíveis de satisfazer. 

Anulados afinal os planos da Rainha, nem assim ela esmoreceu. Procurou ser agradável aos castelhanos, e conseguir, na falta de seu pai Carlos IV e de seu irmão, prisioneiros em França, ser nomeada regente de Espanha, e vir talvez a ser a herdeira de Carlos IV, abolindo-se a lei sálica. Para realizar o projeto, teve de sustentar acesa luta com o Embaixador inglês, tendo tido a astúcia de conseguir que o governo da regência lhe permitisse enviar secretamente ao General Elio, que estava em Montevidéu, víveres e dinheiro, para o que não hesitou em vender as jóias. No final, o sonho dissipou-se.

Dona Leopoldina, uma das suas noras, que casou com Dom Pedro I, Imperador do Brasil, quando a viu pela primeira vez, achou-a tão feia que "baixou os olhos como não querendo voltar a vê-la; as marcas da varíola, o corte de cabelo, cordões e mais cordões de pérolas e pedras preciosas enroladas nos seus cabelos, pendendo de cachos gordurosos, como cobras".

Foi durante a estadia no Rio de Janeiro, entre os anos de 1808 e 1821, em que D. João VI pôde realmente governar, pessoalmente, o Império Português, que D.Carlota Joaquina demonstrou muitas das facetas da sua personalidade.

É um facto sabido que tinha um fetichismo confessado em relação a sapatos: Assim como alguns contam carneirinhos para dormir, há quem diga que D.Carlota contava sapatos. 

D.Carlota tinha, sem exagero, dezenas de pares de sapatos! A sua Mãe, como presente de casamento, dera-lhe um par de sapatos para cada dia do ano. O noivo Real não deixou por menos, presenteou-a com uma quantidade inesquecível de sapatos, onde se destacavam os encarnados e os de salto alto. Homem sábio o Rei, porque, os estudiosos do assunto juram que a côr encarnada é a côr da sedução. 

Mas, certamente não levou isto tão a sério, já que os mesmos estudiosos ainda nos lembram que o encarnado é também a côr do poder e da dominação. D.Carlota com o seu instinto aguçado aprendeu desde menina que os sapatos de salto alto e ainda por cima encarnados, eram muito poderosos. Como a côr possui uma intensa força de comunicação, a vaidosa D.Carlota usava-os - altos - impedindo que alguém esquecesse quem ela era. Como se fosse possível. 

Viajantes, surpreendiam-se com a quantidade de sapatarias existentes no Rio de Janeiro, cheias de trabalhadores aonde, em cada seis habitantes, cinco andavam descalços. Mais ainda se espantavam, ao observarem que as senhoras brasileiras, usavam sapatos de seda para andar nas calçadas de pedras desniveladas e mal cuidadas, esgarçando em pouco tempo o tecido dos sapatos. 

D. Carlota viveu alguns anos afastada da política, sempre separada do seu marido, que então já havia sido aclamado Rei, por ter morrido D. Maria I em 1816, até que a revolução do Porto em 1820, que trouxe para a Europa a Família Real, pôs novamente em evidência a Rainha, reunindo por algum tempo o casal.

Aliada aos frades, aos nobres, aos que se mostravam pouco simpáticos para com o novo regime, D. Carlota urdiu uma conspiração chamada “da rua Formosa”, destinada a obrigar o Rei a abdicar e a extinguir a Constituição. Tendo este plano falhado, as Cortes de 15 de Maio de 1822 decidiram deportar a Rainha para o palácio do Ramalhão, por ela se recusar a jurar a Constituição, alvitre que ela aceitou com júbilo, pois lhe permitia continuar a sua obra perturbadora. 

Opondo-se abertamente à Revolução liberal do Porto, de 24 de Agosto de 1820, foi a figura mais notável do País a recusar-se a jurar a Constituição de 1822, juntamente com o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Carlos da Cunha e Menezes.

Neste retiro do Ramalhão tramou ainda a queda da Constituição e servindo-se de D. Miguel, que ela educara, e com quem vivia com grande cumplicidade, conseguiu realizar o movimento conhecido por Vila-Francada em 26 de Maio. Extinta a Constituição e dissolvidas as Cortes, foi levantado o desterro da Rainha, e D. João VI foi buscá-la ao Ramalhão, conduzindo-a ao Paço da Bemposta.

Pouco tempo, porém, durou a harmonia entre o casal, porque a Rainha mudou a sua residência para Queluz, e tornou-se a cabeça visível do partido absolutista que promoveu a Abrilada em 30 de Abril de 1824. 

Tendo a Rainha tomado parte manifesta no movimento, quando D. João VI, apoiado pelos Embaixadores Francês e Inglês, se decidiu a exilar D. Miguel, ordenou que a sua Mulher se recolhesse ao paço de Queluz, e nunca mais aparecesse na Corte.

Sentindo a morte próxima (talvez porque fosse lentamente envenenado), D. João VI nomeou um Conselho de Regência para lhe suceder depois da sua morte, o qual deveria escolher o herdeiro do trono português e ao qual presidia a sua filha D.Isabel Maria de Bragança — retirando desta forma à sua Mulher uma prerrogativa que desde sempre na história portuguesa tinha cabido à Rainha-viúva: o exercício da Regência do Reino durante a menoridade ou ausência de herdeiro, no país. 

O documento que constituiu o Conselho de Regência tem sua autenticidade posta em causa, pois o Rei — segundo afirmam os médicos e estudiosos que analisaram as suas vísceras, enterradas num jarro de porcelana chinesa debaixo de uma lage, na capela dos Meninos da Palhavã, no Mosteiro de São Vicente de Fora, e a grafologia da sua assinatura — já se encontrava, alegam, morto nessa data.

A 10 de março de 1826 morreu D. João VI, tendo o Conselho de Regência sido presidido pela sua filha, a Infanta D. Isabel Maria, e composto pelos seguintes Membros: o Cardeal Patriarca, o Duque de Cadaval, o Marquês de Valada, o Conde dos Arcos e os seus Ministros de Estado.

D. Carlota Joaquina, instituiu uma Ordem exclusivamente destinada às Damas, com a autorização do Príncipe Regente, seu marido, por decreto de 4 de novembro de 1801, com a designação de Ordem das Damas Nobres de Santa Isabel, cujos estatutos foram confirmados pelo Alvará de 25 de abril de 1804.

Durante o governo de D. Miguel, que ascendeu ao trono em 1828, não viria a ter papel relevante na governação daquele que fora, para muitos, o seu filho predilecto, pois morreu (ou suicidou-se) em 1830, em Queluz. 

De resto, o próprio Príncipe não a mandou chamar do desterro logo que subiu ao trono, pelo que morreu sózinha, esquecida, triste e amargurada. Segundo alguns historiadores, este facto é um dos vários indicadores de que teria existido um afastamento gradual entre a Mãe e filho nos últimos anos da sua vida.

E aqui tens, meu Caro Manuel, uma vida triste de uma Rainha que poderia ter tido tudo e gozado da excelência de dois grandes países, à época: Portugal e o Brasil.

Um afectuoso abraço muito amigo do teu primo

Luis Bernardo

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