quarta-feira, 22 de maio de 2013

A arte de se ser pobre


Quase todos os dias vou tomar o pequeno-almoço a uma cafeteria não longe do meu escritório e havendo perto um Pingo-Doce de dimensão significativa, ao passar nas imediações dirige-se a mim, a mesma mulher.

Deverá ter uns 40 anos, mas parece mais 10, magra, mal enjorcada, com uns olhos azuis claros cravados numa cara cavada, sem uma boa parte dos dentes e exprimindo-se em poucas palavras.

Outra personagem da zona é uma paralítica, sentada o dia todo em frente da porta do dito Pingo-Doce numa cadeira de rodas, com uma das mãos permanentemente estendida a pedir e na outra, cigarros, que fuma, um após outro. Suja, com a imagem da inutilidade estampada no seu infortúnio. Incomoda e não apetece!

Ambas se odeiam: uma porque está imóvel e mais maneirinha para recolher óbulos directos de quem sai, mas sem “jogo de cintura” para tentar pedir a quem chega dos carros ou lhe recusou. A outra porque tem que rondar longe e é mais cansativo.

Esta última, quando se aproxima de mim, “grunhe” com uma cara entre o abandono, o frio ou o calor, a fome ou o desalento: “uma moedinha”!

Todos os dias lhe digo que tem que fazer “marketing”, ou seja no caso dela, começar por dar bom dia, depois tentar sorrir um pouco e só depois olhar, basta isso, pois sabemos ao que vem.

Coitada, pede-me logo imensas desculpas e diz que se esqueceu! Também fala mal da outra e eu replico-lhe que ninguém está interessado em saber das tricas.

Há uma arte de se ser pobre! 

Que o diga o Governo que acho, modestamente, que também precisa de saber negociar com o esmoler…

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