A minha irmã Teresa é a
pessoa mais feliz que conheço.
Tem um número grande de
incapacidades desde ter cada vez menos grau de visão, ter tido uma doença
oncológica de que se curou, não ter a noção do tempo nem do espaço, mas sabe
ler, escrever, conversa bem sobre um certo número de temas limitado que são o
seu dia-a-dia e é sobretudo, desde que os meus Pais morreram, possuidora de uma
dose de imaginação criadora inesgotável. Perigosa até, pois inventa
histórias singelas familiares, convencendo-se a ela própria de que a realidade é como sonha e transmite.
Vive na enorme e antiga casa
dos meus Pais em Lisboa ao pé do Rato, somente acompanhada por uma empregada ucraniana que trata dela e
com ela passeia todos os dias.
Nós, os irmãos e irmãs, fizémos
um plano de escalas em que um dia por semana ela vai jantar às nossas casas e
nos fins-de-semana e feriados também cabe a cada um, ficar com ela.
Desde sempre a Teresa foi
por nós todos protegida e amada na sua fragilidade e é como se estivesse numa
citadela guardada por muros fortes e altos que somos nós, inexpugnável à maldade,
à troça e ao seu sofrimento.
Vem tudo isto a propósito
de ontem ter sido mais um dos dias em que fiquei responsável por ela.
Depois de almoçar, passar
algum tempo enfiada em casa, vem a pergunta sagrada: - aonde vamos hoje?
Nada de cinema, televisão
ou leituras pois não vê, não se interessa nem segue os temas, por isso é
preciso uma grande dose de imaginação para ocuparmos o tempo.
O meu recurso é ou uma
ida ao shopping do Colombo, por ser grande e ter espaço para passear quando
está frio ou chuva e ela ver gente, ou ao Chiado à Fnac, pois em ambos os sítios
aproveito para olhar para as novidades, fazer, eventualmente, alguma compra.
Acabamos sempre a tomar
um chá e comer uma torrada, ou um bolo “jesuíta” que ela adora!
Ao subir na escada
rolante e agarrada ao corrimão, de repente caiu e bateu com os joelhos no chão,
com a cara no lado, saltando uma lente dos óculos e ferindo uma mão.
Amparei-a e ao apanhar a
lente do chão, e rapidamente ver que sangrava dos joelhos mas por ter raspado
com força, ouvi um choro baixinho e uma frase dita com tanta tristeza – cada vez
vejo menos – : não pude deixar de a agarrar ainda com mais força e apertá-la
nos meus braços, consolando-a. Fiquei eu, sem palavras, pois não há nada a
fazer!
O resto passou-se bem:
estas grandes superfícies têm sistemas de primeiros-socorros, têm também lojas
ópticas aonde facilmente fixaram a lente, e passada a primeira aflição, voltou
ao seu bom espírito, confiando em mim e concordando em irmos a outro sítio
lanchar.
Não deixei de pensar
nisto e à noite quando me deitei, reflecti como é a vida, para uns as
limitações físicas, quando sólidamente ancoradas, acabam por ser portadoras de
felicidade para os próprios e exemplo para terceiros e nós os outros com tantas capacidades,
nada nos basta de exigências e de queixas.