segunda-feira, 9 de julho de 2012

A boina de Leopoldo


A boina do Leopoldo era um grande motivo de orgulho para ele, pois tinha-a comprado na Patagónia, quando estivera na Terra do Fogo.

Fora com o seu melhor amigo, o Luís, guardando excelentes recordações das experiências vividas na viagem pela América Latina.

Estando um frio de rachar, decidiu, na altura, comprar uma boina.

Luís fizera um pouco de troça, ao princípio, mas Leopoldo não se importara pois a boina cumpria dois objectivos: ficava-lhe bem à cara e aquecia-o do frio da Patagónia.

Voltaram para Lisboa e Leopoldo continuou a usá-la, fizesse frio ou calor. Dava-lhe um certo ar de boémio e marcava, por ser clara, o contraste com as suas cores de moreno “escuraço” com uma barba preta cerrada.

Quando a punha, sentia-se muito divertido em observar os olhares dos passantes, uns de troça, outros de aprovação, mas ninguém deixava de o fitar.

Uma tarde, saindo do trabalho, encarara com um pedinte que o olhara sem mais. Tinha aspecto de um “necessitado” que infelizmente hoje em dia tanto se vai encontrando pela cidade, mas do tipo não activo – talvez cansado do insucesso de pedir e não ser retribuído – pouco asseado e andrajoso.

Leopoldo estava com fome pois tinha sido um dia trabalhoso e sem tempo para almoçar.

Pensou que talvez o pedinte pudesse estar ainda mais esfomeado do que ele e prontificou-se a levá-lo a uma pastelaria próxima para lhe comprar alguma coisa de comer e de beber. Ele recusou, agradecendo.

Ficou sem saber o que fazer mas notou que os olhares do pobre homem não despegavam da sua cabeça, fixando-se na sua boina, que estava posta.

Perguntou-lhe então, como o poderia ajudar e ele sem hesitação respondeu-lhe que gostaria muito de ter a sua boina.

Leopoldo, pasmado e antes de responder, lembrou-se do Luís, da Patagónia, da viagem cúmplice e divertida e, renitente, achou que não havia nenhuma razão para que, à primeira vista, trocasse o acto de lhe saciar a fome, pela sua boina.

Sem dar muitas explicações, disse-lhe que não, mas foi acrescentando que era uma boina de estimação ligada a memórias de que muito gostava e que estava fóra de questão.

Achou mesmo uma bizarria!

No entanto, resolveu, por pura curiosidade, indagar sobre aquela fixação.

O pedinte explicou-lhe que uma boina para ele significava a lembrança de outros tempos em que vivera com a família, sem dificuldades e numa época em que havia prosperidade mas especificamente, fazia-o recordar-se de estar à conversa, em miúdo, com um avô basco que participara na guerra civil de Espanha e que usava sempre uma boina descaída.

Nem era tanto pelo valor material pois a guardaria sem vender, mas mais por fazê-lo revisitar um passado feliz da sua meninice.

Leopoldo prometeu-lhe então que no dia seguinte iria procurar uma boina para lhe dar.

Aquela não! Definitivamente.

Levou uma semana até encontrar uma boina nova, mas notara que o pedinte não estava mais no seu lugar habitual. Perguntara até, no café mais próximo se o teriam avistado.

Guardou a boina numa gaveta da secretária do seu trabalho, não fosse encontrá-lo de novo e, nesse caso, seria só subir para ir buscá-la e entregar-lhe.

Passados uns meses soube que tinha morrido de doença e de fraqueza, mas deixara um papel que tinha sido entregue na pastelaria para ser dado ao rapaz da boina.

Leopoldo, curioso e ao mesmo tempo entristecido por não ter conseguido dar-lhe a boina que lhe comprara com tanto empenho para lhe dar prazer, leu estupefacto o conteúdo da nota:

- Eu sou um duende disfarçado de pedinte e estava a testar a tua generosidade.

Dali em diante, Leopoldo passou a olhar com atenção para cada pessoa que lhe fitava a boina na esperança de encontrar o duende desaparecido.




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