sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

o voo da melga


Estou no meu último dia de Pequim, e amanhã regresso a Portugal.

Há uma tempestade danada em toda a China e os aviões não levantam, por nevoeiro, tempestades de neve, gelo e intempéries.

Tenho uma conversa marcada com o meu Presidente que está na província dele, bem longe de Pequim e não sei se vai poder vir esta tarde, como combinado.

Entretanto, apareceu no meu gabinete um quadro da empresa que tem 34 anos, é do departamento financeiro e é economista. Começámos a falar sobre o negócio que me trouxe a Pequim durante uma boa meia-hora, com interesse e boas opiniões técnicas trocados de ambos os lados, numa conversa construtiva e produtiva.

Esgotado o tema, veio à baila a diferença de culturas entre os nossos dois países, entre o Império do Meio e a Velha Europa.

Ouvi-o com interesse pois é culto, muito interessante e cativante.

Tem uns olhos grandes azuis, mãos compridas e bem cuidadas e veste-se muito correctamente. Podia ser um executivo português.

- Você ontem - disse-me com um ar divertido e provocador - deixou passar à frente a minha colega Chi Leng Tai, que é secretária, à saída do elevador. Ela só tem 22 anos e ficou encantada e não pára de contar a toda a gente. Porque fez isso?

- Faço-o naturalmente e se quer que lhe diga com franqueza, foi ela como seria com outra qualquer. É uma questão de cultura ocidental quando se é educado nesses princípios. Mas não merece tanta publicidade, disse eu, um pouco atrapalhado.

- E se fosse eu? – perguntou ele com um ar de quem já sabia a resposta.

- Se calhar deixava-o passar só para lhe mostrar que você é distraído – disse, sorrindo-lhe.

- Agora sou eu a perguntar: o que acha de um português que chega aqui à China, não fala a língua nativa, e que quer fazer negócios com a sua empresa?

Deu-me uma resposta tão cândida que fiquei embaraçado:

1. Gostamos muito de estrangeiros;

2. Adoramos aprender o que nos têm para ensinar;

3. Conseguimos distinguir quem é sedutor de quem é um calhau rolado com dois olhos (referia-se seguramente a alguma destas pedrinhas do tal Rio Yang Tsé);

4. Somos infantis com as mulheres e com os homens. Somos tímidos na expressão dos nossos sentimentos e vocês são quentes, intensos e descomplexados.

5. Aqui os sentimentos são controlados, quase que por decreto imperial do Governo. Os beijos e as carícias em público são forçados, rotineiros e rapidamente levam ao cansaço e à hipocrisia.

6. Se apetece agarrar alguém bem junto, dar um beijo ou um abraço e permanecer sentindo por dentro um calor bom, é-se mal visto.

7. Tudo é estereotipado e isso farta.

8. Eu simpatizo consigo, se à despedida me apetecer dar-lhe um abraço, deixa-me?

- Não precisa de ser à despedida, você mereceu-o desde a primeira frase e pode agora ficar abraçado o tempo que quiser, pois estando frio sempre encontro algum aquecimento no seu sobretudo quentinho! – disse-lhe com um grande sorriso.

- A minha noiva diz que os namorados têm que estar sempre de mãos dadas e aos beijos e eu acho que tudo o que é demais, farta!

- A sua namorada é uma chata e “melga” e expliquei-lhe que melga era uma incómoda criatura da classe dos insectos que está sempre a girar à nossa volta até morder. E disse-lhe que devia fazer à namorada o que fazemos às melgas: ou as afastamos com palmas ou as matamos, mas neste caso, em sentido figurado.

- Posso fazer uma pergunta pessoal? – inquiriu um pouco tímido.

O gajo está a pedi-las, pensei eu. Mas vamos a isso:

- Os ingleses dizem assim “ never ask or make personal remarks”…por isso se te confinares a estes parâmetros, chuta!

- Se eu lhe pedisse para ser meu Amigo aceitava?

E foi tão genuíno ao posar a pergunta que não resisti a estender-lhe a mão.

- Claro que sim. Com muito gosto.

- De hoje para a frente posso dizer aos meus Amigos que tenho um amigo português - afirmou com um ar orgulhoso.

- Com uma condição, é que vais acrescentar que esse teu amigo português tem um novo amigo chinês.

Abriu a boca num enorme sorriso, aproximou-se e deu-me um abraço e foi buscar a namorada a quem me apresentou. Tinha cara de melga, daquelas deslavadas e parece que não vibrou da mesma maneira com as explicações que ele lhe deu sobre este nosso pacto.

Grandes adeus e no fim disse-me baixinho: primeiro batem palmas com as mãos para ver se afugentam a melga, e se não conseguem…pimba, matam, não é?

Isso – disse-lhe eu!

Vou ficar atento ao obituário da empresa, nos próximos meses.

Na próxima viagem vou armar em Pedro Almodôvar e vou saber de tudo e vender o guião a um famoso film maker!

Já estou a visionar o nome do filme: “ o voo da melga” (inspirado no do moscardo…)

Uma vez em Hong Kong em conversa amena com umas putas chinesas da rua ( quando reentrava tarde para o apartamento da empresa na Queen’s Road) , que não acreditavam que eu só estava numa de research e de pura conversa sem cama, lá acabaram por me confessar que tinham na cabeceira das camas aonde exerciam a sua profissão, o escapulário da Nossa Senhora do Carmo, para as proteger! Notável!

Enfim, o rapaz à partida piscou-me o olho e disse : Obrigado por ser meu amigo!

E eu acabei por fazer um fair deal nesta minha vinda a Pequim, em duas penadas: ganhei um amigo e progredi nos negócios.

Sem comentários:

Enviar um comentário