O PENINHA E O COVIDUS
O Peninha tem andado desaparecido porque tem passado entre
os pingos da chuva, ou seja do COVID.
Esteve confinado no Senhor Roubado, numa casa que o Regedor
lhe pôs à disposição, casa essa que tomara muita gente ter: dois quartos sendo
um deles a sala, tudo em pequenino, coitado, mas era de borla. A casa-de-banho
era no jardim, numa cabine de alumínio com uma pia, um lavatório, um bidé, e um
chuveiro de água fria.
No entanto a Junta fornecia-lhe refeições completas desde o
pequeno-almoço ao jantar. Tinha para se distrair uma televisão a preto e branco
com os 4 canais, um longínquo sinal de wi-fi para poder ligar o computador.
Mas apesar do confinamento a que esteve sujeito, tinha uma
vantagem extraordinária: é que tinha pela frente um terreno de 50ha, com
animais selvagens à solta desde, leões, leopildos, gatos selvagens, serpentes,
elefantes, tigres, papa-formigas, chimpanzés, saguís, hipopótamos numa ribeira
meia cheia e um jacaré.
O Peninha tinha-se substituído ao Rei Leão e era ele quem
dominava o espaço vasto aonde estavam estes animais em alegre convivência.
No fundo, o Presidente da Junta propôs ao Município a
construção de um novo jardim zoológico, mas devido a corrupção ao nível da
Câmara, nunca o projecto andou para a frente.
O Peninha tinha especial predilecção por um chimpanzé a que
chamara Sócrates, pois conversava com o Peninha sobre pensamentos elevados de
como conduzir os destinos do zoológico.
O Peninha detestava a serpente, pois lembrava-se da história
da Eva e estava sempre a culpá-la pelo estado do mundo. A serpente que se chamava
EVA, já encolhia os ombros pois não estava para o ouvir sempre com a mesma
história.
O papa-formigas era a empregada de limpeza do Peninha pois linguaruda
limpava-lhe os cantos do quarto e da sala das formigas e do pó que se ia
acumulando.
O jacaré era porreiro, pois deixava o Peninha afiar as facas
nos dentes pontiagudos. Um dia quis fazer uma gracinha para assustar o Peninha
e fechar a boca devagarinho mas o Peninha, lesto, tirou uma das facas e
espetou-lha na carcaça. Está visto que partiu a lâmina mas não deixou de
mostrar quem é que mandava. Com aquela bocarra grande quando a abria toda,
tinha um sorriso divertido.
O hipopótamo estava gordo e mexia-se com dificuldade mas o
Peninha fazia umas sestas deitado ao lado dele…quando abria a boca dava-lhe
sono.
Havia um elefante, que começou por ser chamado Jumbo mas
despois da venda a outra cadeia de supermercados, o Peninha pôs-lhe o nome de
Lidél: era-lhe muito útil pois era o chuveiro do Peninha e com a tromba
apanhava-lhe bananas de uma bananeira que por ali havia.
Com os tigres é que tinha mais problemas pois com a pele
deles eram vaidosos e passeavam-se pela quinta como se fossem as piquenas das
ruas de Odivelas de casacos falsos de leopildo. Nem olhavam para os outros
animais.
Finalmente os saguís falavam lá uma língua aos guinchos
entre eles que muito divertiam o Peninha que começara já a aprender e conseguia
fazer-se entender.
Apesar desta vida variada ao ar livre o Peninha tinha que se
confinar na sala ou no quarto, com áreas muito pequenas.
Estranhava nunca ser visitado por nenhuma autoridade de
saúde quando via na tv a preto e branco uns relatórios de arrepiar de gente que
era infectado e ia para os hospitais.
Tinham-lhe dado uns livros do porco do Vilhena, mas o
Peninha mostrava os desenhos pornográficos ao chimpanzé que dava gargalhadas.
Aos saguís nem pensar porque em tamanho ainda eram miúdos.
Um dia apareceu lá o Regedor que lhe disse que já podia sair
livremente pois tinha-se passado à fase de desconfinamento.
Os animais ficaram muito tristes mas ele foi peremptório:
- Ó filhos ( eram como se fossem filhos do Peninha) deixem
lá, que estou aqui estou a voltar pra aqui com vocês.
E o Peninha tinha toda a razão pois o Senhor Roubado foi uma
das freguesias da Grande Lisboa que teve novo recrudescimento da pandemia.