O PENINHA FOI AO ENTERRO DE STEPHEN HAWKING
O Peninha detesta enterros e missas de 7º dia. Evita ir porque acha que acaba por ser um convívio social aonde se encontram uns e outros, contam-se histórias, fala-se de tudo menos do morto. Não é que seja preciso falar do morto, mas exige-se um mínimo de decoro sobretudo em relação à família. Claro que se a morte do morto tiver sido ansiada e desejada, por ser um estupor, ou deixar uma fortuna em vez de carpideiras, haverá festa.
Mas o Peninha andava há anos a mandar sem sucesso telegramas, cartas, e-mails para o Stephen e o raio do homem não lhe respondia. Procurou na internet, nos CTT e em revistas alguma pista que lhe pudesse dar acesso ao génio, mas em vão.
Os textos eram pequenos pois não só Peninha tinha um escassíssimo conhecimento de inglês como as traduções no Google translator acabavam por transcrever ideias e frases incompreensíveis.
O assunto era simples: Peninha queria perguntar ao mago da Ciência, se quando morresse iria para um sítio aonde encontrasse a Adélinha.
Por um lado regressara dos esquimós farto do cheiro a peixe que as mulheres locais tinham, parecendo umas idiotas quando fazia amor com elas, sempre aos gritinhos fracos! Caraças, nada como a Adélinha que bufava que nem um touro e gritava, esbracejava, e por outro não lhe saía da cabeça ter atraído a Adélinha para uma cilada, em que com o seu peso, abrira um buraco no gelo, e como não sabia nadar, afundara-se nas profundezas do Ártico.
Começara a ler coisas sobre os oceanos e a cogitar sobre o possível destino que ela tivera: ou um animal marinho a tinha roído e comido até aos ossos – ali rareavam as carnes abundantes e ela era rechonchuda – ou Neptuno a raptara e a levara para o seu palácio no fundo mar. Sentira até uns certos ciúmes, não fosse o estupor aproveitar-se dela e fazê-la sua escrava sexual. Está na moda o assédio!
Mas, por outro lado, temendo a vingança um dia no paraíso, queria saber se o Hawking lhe poderia dar algum sossego e tranquilidade em como tudo se passava e se com tanta gente que morria haveria a mais remota hipótese de se encontrarem.
O carteiro bateu à porta da casa do Peninha e gritou para dentro: - telegrama!
Peninha lá assinou o que tinha que assinar e o carteiro partiu. Olhou desconfiado para o papel e viu que a origem era do estrangeiro e que tinha no remetente um S e um H juntos – Stephen Hawking!
Num excitamento muito próprio dos abandonados pela sociedade que chegam até a escrever-se a si próprios, rasgou com frenesim o telegrama e leu uma pequena frase:
- COME QUICKLY. SH.
Foi copiar a frase no Google translator e o resultado foi bem claro: “VEM DEPRESSA. SH”!
- Então agora que finalmente fui atendido pelo génio, não é que o homem me morre!
Ficou inconsolável e perdido mas rapidamente retomou com serenidade o seu raciocínio, e só havia uma clara e indiscutível solução: assistir ao enterro e talvez mostrar o telegrama à família, quiçá ele tivesse deixado alguma mensagem para ele.
Foi ao Anahory alugar um smoking – pensou que poderia até estar a Rainha e gente muito importante – e que apesar de ser de manhã, o traje era o adequado.
Comprou um bilhete de avião para Londres aonde depois tomaria um táxi para Cambridge pois achava uma confusão os comboios e ainda poderia ir parar a outro sítio. Vestir-se-a em qualquer pensão perto do cemitério pois não queria perder tempo.
Estava toda a comunidade científica de Cambridge e de outras Universidades de togas, bem como alunos e representantes de autoridades diversas e o Peninha de smoking.
Chamava tremendamente a atenção, isolado junto a um cipreste e ainda por cima cheio de frio, pois a temperatura estava abaixo de zero e com a pressa não trouxera nenhum abrigo.
No fim da cerimónia, viu que havia uma mulher e rapazes novos que choravam muito e eram cumprimentados por toda a gente e dirigiu-se para aonde estavam.
Muito a custo foi furando por entre a multidão e quando finalmente chegou em frente da viúva e dos filhos, tirou o telegrama do bolso e disse em mau inglês – it was a thunder of bad luck! – queria ele dizer que tinha sido “um raio de um azar!!
Ficou tudo pasmado e sem perceberem bem o que poderia vir daquele estranho, vestido bizarramente para a cerimónia, fizeram questão de agradecer em voz baixa: - Thank you!
Peninha perdeu o controlo e começou a gritar: - message, message! alguma mensagem que o esposo tenha deixado? – e dois bobbies de serviço, pegaram nele pelos braços e levaram-no para a esquadra.
No interrogatório a que foi sujeito tiveram que usar da ajuda da empregada de limpeza da esquadra, uma emigrante portuguesa, a Felismina, que a custo tentou explicar tudo.
Perceberam que Peninha o que queria era estar presente no enterro, meteram-no numa carrinha que o levou até Gatwick e embarcou no primeiro voo que partia para Lisboa.
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