O PENINHA E O JANTAR NA AJUDA DOS REIS DA HOLANDA
O Peninha distraiu-se e não se lembrou de amanteigar os meninos do Protocolo para cravar um convite para o jantar na Ajuda desta noite.
Ainda telefonou para Belém, atendeu-lhe a d. Ricardina, funcionária na reforma que dá uma ajuda fóra das horas de serviço, por amor à casa, e quando lhe pediu encarecidamente que passasse o telefone ao Senhor Presidente, ela respondeu-lhe:
- Sua Excelència está com o alfaiate a provar a casaca pois com o peso das condecorações já teve que subir os ombros umas duas vezes.
Peninha achou que pelo menos era uma conversa íntima que ela lhe estava a contar e ficou todo ufano. Falou-lhe da hipótese de arranjar um convite para a recepção e jantar mas a d. Ricardina foi inflexível.
Ficaram então os dois ali a cavaquear (ela era do tempo do Cavaco) e a d. Ricardina disse-lhe uma série de verdades com o bom senso de quem já viu muito na vida. Ela fora modista no protocolo de Estado.
- Olhe Sr. Peninha, tome bem nota disto que lhe vou dizer:
1. Estes e todos os Reis e Presidentes estão-se nas tintas para todos os convidados e a maioria dos casos para o próprio Anfitrião. Depende se é de um país importante, e o nosso não é.
2. Têm mais interesse nas fotografias e na imprensa.
3. Têm dentaduras postiças que mostram belas pianolas para aguentarem tanto tempo com tantos sorrisos.
4. Acham ridículo aqueles que vêm ajoujados de condecorações tipo Idi Amin Dada, porque a maior parte ou são falsas, desconhecidas ou não têm qualquer importância.
5. O Palácio da Ajuda tem umas mãos de Senhora e de Homem com luvas ou sem luvas, hoje em dia de gel e silicone para dar a sensação de humanas, para saudar os chatos que fazem questão de apertar as mãos.
6. Detestam fazer conversa de circunstância e já têm uma agenda prévia de temas que vão passando consoante os ajudantes de campo lhes vão dizendo.
7. Os comeres ou são pré-combinados e eles lá comem como se estivessem em casa, ou se lhes oferecem cabrito assado ou bacalhau espiritual é um sarilho por causa dos dentes. Felizmente que em cada lugar da mesa há palitos de prata que vão servindo, depois de utilizados e lavados, de banquete em banquete.
8. Não podem arrotar, nem dar ventos reais e se por acaso querem ir à casinha, o Palácio da Ajuda tem fraldas DODOT que se usam debaixo das saias ou casaca.
9. No fim uns discursos de merda e vai tudo para casa muito contente.
O que é verdade, Sr. Peninha, é que ninguém reparou em si e isso é vergonhoso, ofensivo e anti-democrático, digo-lho eu!
Peninha ouviu consolado todas estas verdades e decidiu que ia, então, pôr-se à porta do Palácio da Ajuda com uma bandeirinha para acenar quando os Reis passassem.
Chegou a casa e escolheu de uma vitrine cheia de bandeiras a apropriada, apanhou o autocarro e chegou ao portão do Palácio.
Nisto vê vir um carro, assim com gente bem apessoada, e desata a acenar com a bandeirinha. Diz-lhe um vizinho:
- Oh homem, ainda é cedo e este é o carro que traz os criados que já vêm fardados e olhe que a bandeira é a do Luxemburgo!
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