quarta-feira, 29 de março de 2017

A solidão é boa


A SOLIDÃO É BOA

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o inicio deste milénio. As relações afectivas também estão a passar por profundas transformações e a revolucionar o conceito do amor. O que se procura hoje em dia é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar juntos, e não uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A ideia de que uma pessoa é o remédio para a nossa felicidade (e que nasceu com o romantismo), está fadada a desaparecer neste século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fracção e que precisamos de encontrar a nossa outra metade para nos sentirmos completos e realizados. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela perde as suas características para se amalgamar no projecto masculino. A teoria do bom relacionamento entre sexos opostos tem também origem neste raciocínio: o outro tem que saber fazer o que eu não sei. Se sou calmo, deve ser agressivo e assim por diante. Uma ideia prática de sobrevivência e pouco romântica, por sinal.

A palavra de ordem é “parceria”. Está-se a trocar o amor de necessidade pelo amor do desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo para cada indivíduo, as pessoas estão a perder o medo de ficarem sozinhas e a aprender a conviver melhor consigo mesmas. Estão a começar a perceber que apesar de se poderem sentir como uma fracção, são. Ao invés, inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente como uma fracção. Não é salvador de nada! É apenas um companheiro de viagem.

O ser humano é um animal racional que vai transformando o mundo, mas tem de se ir reciclando aos poucos para se adaptar ao mundo que fabricou. Entrámos na era da individualidade, o que não tem nada a ver com o egoísmo. O egoísta não tem energia própria; alimenta-se da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.

A nova forma de amor, ou de mais amor, tem uma nova expressão e significado. Visa a aproximação de duas pessoas inteiras e não a união de duas metades. E só é possível para aqueles que conseguirem aperfeiçoar a sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for capaz de viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, confere dignidade à pessoa. As boas relações afectivas são óptimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. A nossa maneira de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é a nossa alma gémea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando para estabelecer um diálogo interno consigo mesmos e descobrir a sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo e não a partir do outro. Ao perceber isso, torna-se menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.

O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Neste tipo de relação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.

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