Na
Cartuxa de Évora, não falta, nem sobra tempo. Os horários estão
definidos, mas a espiritualidade não se rege pelos ponteiros do relógio.
O dia começa por volta das 6h30.
"Estamos em celebração até às
8h00 com missa cantada. Das 9h00 até às 17h00, trabalhamos. Depois
cantamos novamente, seguindo-se oração até às 20h30. Dormimos até à
meia-noite e a seguir voltamos a cantar até às 3h00 e a partir
desta hora até às 6h30, voltamos a dormir", descreve à Renascença o
padre Antão Lopez, prior da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli.
"Resumindo: dormimos sete horas em duas vezes".
É a rotina dos monges. O silêncio e a oração caracterizam o dia-a-dia
dos cartuxos, recolhidos em celas. Cada uma composta por um oratório, um
quarto para dormir, uma divisão para estudar e um quintal onde podem
desfrutar da natureza.
Uma vida de simplicidade e rigor, onde é
testada a capacidade de passar os dias, apenas na companhia de Deus, o
que é cada vez mais raro. "Quando eu digo 'Deus basta' esta frase já não
tem a força que tinha antigamente. Não entendem o que significa a
palavra 'Deus'. Essa explicação de ser capaz de viver só com Deus é que
justifica o estarmos aqui. O problema actual é que a sociedade não
prepara para isto. Costumo dizer que há atractivo, mas não há
preparação. Há fé, acreditar em Deus, mas a palavra Deus já não
significa o que significava antes", sublinha o padre Antão Lopez.
Domingos de convívio
Uma vida de despojamento e rigor consentidos, num convento que aos
domingos "veste-se" de convívio. "É dia de comermos juntos, cantamos
mais tempo na Igreja e passamos a tarde conversando", conta.
Não é fácil entender a vocação destes homens que comem uma vez por dia e
passam as sextas-feiras a pão e água. Há tarefas a executar
diariamente, sempre entre o resguardo, o silêncio e a comunhão com Deus.
A própria comida chega às celas através de uma pequena porta que não
permite o contacto visual. Apesar da aparente rigidez, os monges não
estão alheados do mundo e recorrem à imprensa escrita para se
actualizarem, depois de uma rigorosa selecção noticiosa.
"Os
jornais, por exemplo, dedicam muitas páginas à economia. Nós
seleccionamos apenas a temática que nos interessa e fazemo-las passar
por todas as celas. Dedicamos parte da tarde de convívio (domingo) a
comentá-las". Quanto à internet serve apenas para visionar o correio
electrónico.
Os monges dispõem de uma imensa biblioteca, um
espaço com obras de valor incalculável das mais antigas às mais actuais.
A leitura é sempre feita nas celas.
Encontrar a felicidade? É como o parafuso e a porca
"Estou em paz e tranquilo dentro de mim. Não tenho, inquietações. Nada
me perturba. O silêncio depende mais de nós próprios do que dos outros. E
muitas vezes estamos tão recolhidos que passa um avião ou toca o
relógio e não ouvimos", assegura o padre Antão.
Eremitas dentro de um convento e uma forma de vida que confunde muitos. Mas para os monges é como tocar o "Alto" já na terra.
"Ser feliz consiste em ser aquilo para que estamos preparados para ser.
É como o parafuso e a porca. Podem ser muito diferentes, mas cada um
encontra a sua. Então, a felicidade consiste nisso: encontrar o seu
sítio, encontrar a sua vocação", conta-nos o prior.
Mas há
mais: fidelidade a Deus, a si próprio e muita perseverança. "Eu digo que
o infeliz não persevera. Nós, aqui, somos felizes e estamos cá por
isso. Esta é a maior felicidade: ser capaz de ser eu próprio".
A fundação assegura a manutenção e conservação do mosteiro enquanto
património espiritual, artístico, histórico e cultural único em
Portugal.
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