domingo, 11 de dezembro de 2016

Cartuxa de Évora

Na Cartuxa de Évora, não falta, nem sobra tempo. Os horários estão definidos, mas a espiritualidade não se rege pelos ponteiros do relógio. O dia começa por volta das 6h30.

"Estamos em celebração até às 8h00 com missa cantada. Das 9h00 até às 17h00, trabalhamos. Depois cantamos novamente, seguindo-se oração até às 20h30. Dormimos até à meia-noite e a seguir voltamos a cantar até às 3h00 e a partir desta hora até às 6h30, voltamos a dormir", descreve à Renascença o padre Antão Lopez, prior da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli.

"Resumindo: dormimos sete horas em duas vezes".

É a rotina dos monges. O silêncio e a oração caracterizam o dia-a-dia dos cartuxos, recolhidos em celas. Cada uma composta por um oratório, um quarto para dormir, uma divisão para estudar e um quintal onde podem desfrutar da natureza.

Uma vida de simplicidade e rigor, onde é testada a capacidade de passar os dias, apenas na companhia de Deus, o que é cada vez mais raro. "Quando eu digo 'Deus basta' esta frase já não tem a força que tinha antigamente. Não entendem o que significa a palavra 'Deus'. Essa explicação de ser capaz de viver só com Deus é que justifica o estarmos aqui. O problema actual é que a sociedade não prepara para isto. Costumo dizer que há atractivo, mas não há preparação. Há fé, acreditar em Deus, mas a palavra Deus já não significa o que significava antes", sublinha o padre Antão Lopez.

Domingos de convívio


Uma vida de despojamento e rigor consentidos, num convento que aos domingos "veste-se" de convívio. "É dia de comermos juntos, cantamos mais tempo na Igreja e passamos a tarde conversando", conta.

Não é fácil entender a vocação destes homens que comem uma vez por dia e passam as sextas-feiras a pão e água. Há tarefas a executar diariamente, sempre entre o resguardo, o silêncio e a comunhão com Deus.

A própria comida chega às celas através de uma pequena porta que não permite o contacto visual. Apesar da aparente rigidez, os monges não estão alheados do mundo e recorrem à imprensa escrita para se actualizarem, depois de uma rigorosa selecção noticiosa.

"Os jornais, por exemplo, dedicam muitas páginas à economia. Nós seleccionamos apenas a temática que nos interessa e fazemo-las passar por todas as celas. Dedicamos parte da tarde de convívio (domingo) a comentá-las". Quanto à internet serve apenas para visionar o correio electrónico.

Os monges dispõem de uma imensa biblioteca, um espaço com obras de valor incalculável das mais antigas às mais actuais. A leitura é sempre feita nas celas.

Encontrar a felicidade? É como o parafuso e a porca
"Estou em paz e tranquilo dentro de mim. Não tenho, inquietações. Nada me perturba. O silêncio depende mais de nós próprios do que dos outros. E muitas vezes estamos tão recolhidos que passa um avião ou toca o relógio e não ouvimos", assegura o padre Antão.

Eremitas dentro de um convento e uma forma de vida que confunde muitos. Mas para os monges é como tocar o "Alto" já na terra.

"Ser feliz consiste em ser aquilo para que estamos preparados para ser. É como o parafuso e a porca. Podem ser muito diferentes, mas cada um encontra a sua. Então, a felicidade consiste nisso: encontrar o seu sítio, encontrar a sua vocação", conta-nos o prior.

Mas há mais: fidelidade a Deus, a si próprio e muita perseverança. "Eu digo que o infeliz não persevera. Nós, aqui, somos felizes e estamos cá por isso. Esta é a maior felicidade: ser capaz de ser eu próprio".

A fundação assegura a manutenção e conservação do mosteiro enquanto património espiritual, artístico, histórico e cultural único em Portugal.

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