O PENINHA NA POSSE DO GOVERNO
O Peninha aprimorara-se para ir à
posse à Ajuda do Governo do PS. Disseram-lhe que o traje era mais
formal e como não percebia patavina de protocolo, pôs uns sapatos de
camurça clara com sola grossa de borracha de Ceilão, umas meias brancas
limpas de feltro, umas calças castanhas de riscas compradas nos Armazéns
do Minho em saldo, uma camisa roxa com colarinhos de botões
(disseram-lhe que era a côr da moda), uma gravata fininha azul escura,
com o laço abaixo do botão do colarinho, entreaberto, e finalmente um
casaco de bombazina grená a dar com o tom da camisa.
Olhou-se ao espelho do quarto antes de sair e ficou convencido que ia bem.
Chamou
um carro da UBER, pois achou que dava mais sainete apear-se na Ajuda,
como se viesse no seu próprio carro com motorista. Lembrou-se que os
finórios vinham sempre atrás e assim fez. Disse com um ar ufano :
leve-me à Ajuda, sff.
Quando chegou à porta principal, o motorista
perguntou-lhe: - quer sair aqui ou que o leve até aonde estão os
senhores do protocolo a receber os convidados?
Sem hesitação, respondeu que saía ao pé das escadas da entrada.
Mal
o motorista lhe abriu a porta, deu-lhe uma generosa gorjeta, mas depois
lembrou-se que isto indiciava que era carro alugado, ora bolas…os
proprietários pagam o ordenado no fim do mês aos seus motoristas e não
estão cá a dar gorjas.
Subiu impante as escadas atapetadas com uma
passadeira encarnada e chegando ao patamar que dava para as salas,
declinou ao funcionário do protocolo, que lhe barrava a passagem:
familiar do governo! Este afastou-se e com dignidade inclinou a cabeça
até meio.
Peninha pensou, contente, que não havia nada como ser importante ou pelo menos ter parentes importantes no governo.
Foi
avançando pelas diversas salas que via pela primeira vez, carregadinhas
de quadros de reis e rainhas, príncipes e princesas e lembrou-se da sua
avó Deolinda que sempre lhe contara que eles descendiam de um criado
grave do Conde de Povonide, que se montara na bisavó, uma vez que Sua
Excelência, passara uma noite nas propriedades aonde a família vinha
todos os anos fazer a vindima.
Era uma nobreza oblíqua e
longínqua, mas o facto de lhe correr sangue nas veias de alguém que
convivia com um Conde, fê-lo empertigar-se ainda mais, apertar o botão
do casaco e dar entrada no salão dos Actos Solenes aonde se desenrolaria
a posse.
Olhou à volta a ver se encontrava a secretária do futuro
Secretário de Estado da Reunificação Agrária. Era primo em segundo grau
da Ernestina, que desde há muitos anos servia como amanuense na
Cooperativa agrícola, de onde o Engº Agrário Lomelino, era Vogal da
Direcção e agora passaria a futuro membro do Governo.
No meio da
confusão, se por acaso lhe perguntassem sobre o convite, não hesitaria
em confirmar que estava ali pelo primo, o Engº Lomelino.
A
cerimónia começou, os Ministros todos sentados e alinhados em cadeiras
de veludo felpudo, todos de fato inteiro e gravatas encarnadas, e o
Presidente numa cadeira de espaldar alto.
Estava impressionado com
a solenidade do momento. No fundo devia ter perguntado se era de fato
inteiro, pois achava-se deslocado com o seu traje de furta-cores.
O
Presidente avança para uma mesa aonde estava um livro grande e assina
solenemente e com muita vagareza. Peninha reparou que tinha um anel de
ouro com três brilhantes grandes no dedo anelar. Terão sido os filhos e o
genro – que se dizia ter muito dinheiro com o negócio dos concertos –
que lhe terão oferecido ou talvez mesmo a esposa que sempre o
acompanhou, lá isso diga-se a verdade, excepto na viagem de visita às
cagarras, porque enjoava , segundo Peninha ouvira dizer.
Discursos
sem interesse nenhum, na opinião de Peninha, e nisto começam a chamar
Ministro a Ministro e depois os Secretários de Estado.
Peninha
avistou o Engº Lomelino, e quando ele veio assinar o livro de posse, no
final, quando todos aplaudiram discretamente, não resistiu e pondo-se de
pé, gritou a plenos pulmões: - Ó Engº Lomelino, viva, viva, sou o
Peninha de Aldeia Galega! E batia palmas sem parar.
Alguém ao lado
puxou-o para baixo e disse-lhe: - sente-se homem, não vê que o
embaraça! Isto é só para políticos. O Engº Lomelino, fingiu que o não
viu.
À saída depois da posse, ainda passou por ele o novo
Primeiro-Ministro e o Peninha disse-lhe: - parabéns, parabéns, mas ele
já caíra nos braços de um correligionário e nem lhe ligou.
Estava
contente, ainda havia de contar a posse e inventaria outras histórias
mais excitantes e que lhe dessem um pouco mais de importância.
Mesmo
no alto das escadas, ao começar a descê-las vê aproximar-se o dr. Mário
Soares a quem se dirige para o cumprimentar. Seguranças afastam-no com
brutalidade e ainda ouve o ex-Presidente dizer em voz alta: cheira-me
que vai dar merda!
Peninha saiu e foi a pé para casa, cogitando no
que quereria dizer o dr. Mário Soares com aquelas palavras, sobretudo
porque lhe viu a boca assim como que torcida em ar de dúvida.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário