quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O PENINHA NA POSSE DO GOVERNO

O PENINHA NA POSSE DO GOVERNO

O Peninha aprimorara-se para ir à posse à Ajuda do Governo do PS. Disseram-lhe que o traje era mais formal e como não percebia patavina de protocolo, pôs uns sapatos de camurça clara com sola grossa de borracha de Ceilão, umas meias brancas limpas de feltro, umas calças castanhas de riscas compradas nos Armazéns do Minho em saldo, uma camisa roxa com colarinhos de botões (disseram-lhe que era a côr da moda), uma gravata fininha azul escura, com o laço abaixo do botão do colarinho, entreaberto, e finalmente um casaco de bombazina grená a dar com o tom da camisa.
Olhou-se ao espelho do quarto antes de sair e ficou convencido que ia bem.
Chamou um carro da UBER, pois achou que dava mais sainete apear-se na Ajuda, como se viesse no seu próprio carro com motorista. Lembrou-se que os finórios vinham sempre atrás e assim fez. Disse com um ar ufano : leve-me à Ajuda, sff.
Quando chegou à porta principal, o motorista perguntou-lhe: - quer sair aqui ou que o leve até aonde estão os senhores do protocolo a receber os convidados?
Sem hesitação, respondeu que saía ao pé das escadas da entrada.
Mal o motorista lhe abriu a porta, deu-lhe uma generosa gorjeta, mas depois lembrou-se que isto indiciava que era carro alugado, ora bolas…os proprietários pagam o ordenado no fim do mês aos seus motoristas e não estão cá a dar gorjas.
Subiu impante as escadas atapetadas com uma passadeira encarnada e chegando ao patamar que dava para as salas, declinou ao funcionário do protocolo, que lhe barrava a passagem: familiar do governo! Este afastou-se e com dignidade inclinou a cabeça até meio.
Peninha pensou, contente, que não havia nada como ser importante ou pelo menos ter parentes importantes no governo.
Foi avançando pelas diversas salas que via pela primeira vez, carregadinhas de quadros de reis e rainhas, príncipes e princesas e lembrou-se da sua avó Deolinda que sempre lhe contara que eles descendiam de um criado grave do Conde de Povonide, que se montara na bisavó, uma vez que Sua Excelência, passara uma noite nas propriedades aonde a família vinha todos os anos fazer a vindima.
Era uma nobreza oblíqua e longínqua, mas o facto de lhe correr sangue nas veias de alguém que convivia com um Conde, fê-lo empertigar-se ainda mais, apertar o botão do casaco e dar entrada no salão dos Actos Solenes aonde se desenrolaria a posse.
Olhou à volta a ver se encontrava a secretária do futuro Secretário de Estado da Reunificação Agrária. Era primo em segundo grau da Ernestina, que desde há muitos anos servia como amanuense na Cooperativa agrícola, de onde o Engº Agrário Lomelino, era Vogal da Direcção e agora passaria a futuro membro do Governo.
No meio da confusão, se por acaso lhe perguntassem sobre o convite, não hesitaria em confirmar que estava ali pelo primo, o Engº Lomelino.
A cerimónia começou, os Ministros todos sentados e alinhados em cadeiras de veludo felpudo, todos de fato inteiro e gravatas encarnadas, e o Presidente numa cadeira de espaldar alto.
Estava impressionado com a solenidade do momento. No fundo devia ter perguntado se era de fato inteiro, pois achava-se deslocado com o seu traje de furta-cores.
O Presidente avança para uma mesa aonde estava um livro grande e assina solenemente e com muita vagareza. Peninha reparou que tinha um anel de ouro com três brilhantes grandes no dedo anelar. Terão sido os filhos e o genro – que se dizia ter muito dinheiro com o negócio dos concertos – que lhe terão oferecido ou talvez mesmo a esposa que sempre o acompanhou, lá isso diga-se a verdade, excepto na viagem de visita às cagarras, porque enjoava , segundo Peninha ouvira dizer.
Discursos sem interesse nenhum, na opinião de Peninha, e nisto começam a chamar Ministro a Ministro e depois os Secretários de Estado.
Peninha avistou o Engº Lomelino, e quando ele veio assinar o livro de posse, no final, quando todos aplaudiram discretamente, não resistiu e pondo-se de pé, gritou a plenos pulmões: - Ó Engº Lomelino, viva, viva, sou o Peninha de Aldeia Galega! E batia palmas sem parar.
Alguém ao lado puxou-o para baixo e disse-lhe: - sente-se homem, não vê que o embaraça! Isto é só para políticos. O Engº Lomelino, fingiu que o não viu.
À saída depois da posse, ainda passou por ele o novo Primeiro-Ministro e o Peninha disse-lhe: - parabéns, parabéns, mas ele já caíra nos braços de um correligionário e nem lhe ligou.
Estava contente, ainda havia de contar a posse e inventaria outras histórias mais excitantes e que lhe dessem um pouco mais de importância.
Mesmo no alto das escadas, ao começar a descê-las vê aproximar-se o dr. Mário Soares a quem se dirige para o cumprimentar. Seguranças afastam-no com brutalidade e ainda ouve o ex-Presidente dizer em voz alta: cheira-me que vai dar merda!
Peninha saiu e foi a pé para casa, cogitando no que quereria dizer o dr. Mário Soares com aquelas palavras, sobretudo porque lhe viu a boca assim como que torcida em ar de dúvida.

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