sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O psiquiatra - Um breve conto (continuação)


O paciente começou a debitar diante de Luís o que o tinha feito recorrer a uma consulta. Contava as amarguras, coisas íntimas, como num desejo de encontrar um porto de abrigo, uma alma gémea que o consolasse das mazelas que se causara e a outros.

Fazia-o com valentia, sem temor porque confiava na confidencialidade das quatro paredes do gabinete.

Luís, talvez sem muita paciência, ouvia distraído e tomava umas vagas notas.

Quando o paciente acabou, meio atordoado pelo esforço de fazer vir ao de cima a sua história, ouviu de Luís uma frase assassina e impiedosa:

- Você é especial!

O paciente surpreendido com esta afirmação, não fez comentários e cismou dorido, porque raio é que tinha sido este o único comentário.

Luís ainda fez perguntas, daquelas que os padres costumam fazer com um ar severo nos confessionários a adolescentes imberbes que confessam faltas à castidade: quantas vezes, diga lá, foram muitas? E os meninos córados, respondem que não. Aí começa a mentira, jurando que nunca mais confessam ao sr.padre pecados desta natureza!

Pois o paciente respondeu que estava a contar tudo isto para que Luís melhor o conhecesse e pudesse estimar mais acertadamente a terapia.

No final, Luís perguntou-lhe:

- Nas funções no Governo, também foi especial? 

O paciente respondeu que estava ali para falar da vida pessoal e que no Governo desempenhara as suas funções com garbo, excepto num particular: aldrabara na formação académica e omitira ao País que tinha feito uma disciplina ao Domingo!

Luís, reconhecendo-o, levanta-se pressuroso e com um ar humilde e servil, curva-se despedindo-se:

- Oh Senhor ex-Primeiro-Ministro, olhe que não o reconheci! Desculpará a minha distracção.

O paciente com benevolência e já com um sorriso, respondeu:

- Ce n’est pas important! 

E acrescentou: - Quando regressei de França, habituei-me a falar francês!

E saiu com um ar especial.

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