Não vamos fingir que isto é uma questão obsoleta na nossa sociedade.
Eu que assevere a sua frescura, que acabei de ficar com a face esquerda
especada no vazio, à espera da bochecha alheia para o segundo encosto, e
ela nunca, nunca chegou.
Lamentavelmente, tive de continuar o movimento e fingir que queria
pentear a franja. E claro que está sempre alguém a ver, que depois goza.
Já todos passámos por isso: aquela reação macacóide ao beijo no ar, o
que fazer meu Deus? Assumo, rio-me, assobio para o lado? Agarro-o pelos
colarinhos e obrigo-o?
Ora, não me cabe julgar se é certo dar um ou dois. Apenas acho que já
era tempo de nós, enquanto sociedade, chegarmos a uma espécie de
consenso. Se houvesse um estudo, tenho a certeza de que confirmaria que o
flagelo do penduranço vitimiza 1 em cada 10 saudações beijadas. E
note-se: isto só acontece em Portugal.
Neste país, o acto de beijar exige uma avaliação-relâmpago para se perceber se a pessoa dá um ou dois. Uma
espécie de ritual de reconhecimento da espécie, ao estilo National
Geographic. E é legítimo: em vez de cheirarmos os rabos, como os cães,
roçamos a bochecha um X número de vezes (e para alguns isso é suficiente
para saberem se querem copular ou não).
Há vários problemas nesta dubiedade. O primeiro problema é
a nossa probabilidade de acertar ser 50/50. Ou seja, é pior do que a
roleta (e chamam-lhe “jogo de azar” e não de “sorte” por alguma razão)
O segundo problema é acharmos que há pessoas que são mono ou duo-beijoqueiras por defeito. Quando na realidade elas não são de categoria nenhuma, simplesmente dependem do outro. Estão
naquele limbo meio cortês meio cobardolas. ”Eu cá dou aquilo que me
derem” dizem. E se ambas pensarem assim, é meio caminho andando para
alguém ficar a pentear a franja.
O terceiro problema é ter de lidar com aquela
estirpe que dá um à família da mãe, dois à família do pai, bacalhaus aos
amigos e beijos com língua ao cão. Apresentar um namorado/a sem um
briefing prévio é levá-lo a um campo minado de penduradores em série.
Do lado de quem é pendurado há sempre aquele que
vira a cara para o infinito e avista coisas ao longe. Outra abordagem é a
de fingir que se vai ganhar balanço para levantar a poupa do cabelo. Eu
prefiro aqueles que não se conformam, e puxam o pendurador para si,
firmemente mas não sem gentileza, impondo o segundo encosto sem ai nem
ui.
Do lado dos que penduram há os que marimbam na cena
por um lado, e os que pedem desculpa por outro. Às vezes estes últimos
tentam retomar, mas entretanto o outro já retirou, ups, desculpe, e de
repente são eles a deixar a bochecha suspensa no nada. Karma’s a bitch.
Para todos os efeitos, a linguagem corporal de um fail é
simplesmente hilariante. Imbecil na importância que se lhe dá e
socialmente mortal na forma como nos faz sentir, como se não fôssemos
“competentes” no pelouro da etiqueta.
O mesmo acontece em contexto de trabalho, quando não sabemos se
devemos beijar ou ficar pelo passou-bem. Eu invisto quase sempre nas
duas beijocas, mas às vezes apercebo-me de que levei com um uppercut no estômago – o passou-bem falhado - e já é tarde demais para afastar a bochecha. É dramático.
Estive a pensar a sério em como evitar embaraços e queria partilhar os conselhos do consultório sentimental Dra. Bumba:
1. Levar um batedor. Alguém conhecido que conheça os hábitos labiais das pessoas do meio. Nós, atrás, limitamo-nos a imitar
2. Adoptar a táctica do vai-não-vai a
seguir a dizer olá: simular em câmara lenta uma intenção – não se sabe
qual - mas empatar o suficiente para ser o outro a aproximar-se, e assim
passar para ele a batata-quente do número de beijos
3. Aguardar pela presa. Dá-se o primeiro beijo, após
o qual se pára o pescoço num ângulo imparcialmente vertical, durante os
milisegundos-chave em que a outra pessoa investe ou não para o segundo
encosto, revelando-se mono ou duo – NAILED’IT!
4. Perguntar pelo canto da boca, tipo máfia italiana: um ou dois? É preferível a vergonha de perguntar que a de pendurar.
Espero que ajude.
X número de beijos,
Dra. Bumba
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Uma prosa do melhor!!!
ResponderEliminarEsse gravíssimo e intricado problema que se põe a nós portugueses, ou melhor, a alguns imbecis, sem convivência, que do burgo nunca saíram, revela ser bem mais grave e importante para se avaliar do nível social e a educação de um individuo do que do que a sua postura e polidez na convivência social. Pode ser grosseiro e não conter a flatulência, mas não cometa a grave falta de dar dois beijos! Desconhecem, os pretensos elitistas, caricatos, ocos e bacocos que em todas as casas reais europeias, incluindo a outrora austera inglesa, se tem esse nefando hábito...
CFA
Pois é meu Amigo, como eu digo o hábito é que faz o monge, e de facto não tem muita importância, excepto para as pessoas que tem...e em Roma sê romano...mas não se apoquente, a mim pode dsr-me dois quando estivermos num meeting na Rússia ou em França ou na Sicília..ahaahah...para não destoar. No caso do don Corleone, é mesmo copiosos beijos nas mãos...conforme o bajulamento...
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