Meu Querido Luís
Bernardo,
Já lá vão umas semanas
sem te escrever e hoje à noite, sem sono, ouvindo no iTunes a Maria Callas, em
dois álbuns excepcionais, resolvi pôr-te algumas perguntas e fazer-te uma
visita por carta.
O primeiro tema é o da
morte, sempre recorrente. Todos os dias vão morrendo nossos amigos de mais ou
menos idade, impiedosamente, com sofrimentos distintos, a maioria de forma
dolorosa prolongada ou em desastres violentos. Muito poucos de repente e sem
aparente dor.
Para não falar de catástrofes
aonde sucumbem milhares de pessoas.
Até há muito pouco tempo
era um assunto em que não pensava.
Mas o meu ponto é o de se
ter medo ou não de morrer e mais ainda, ser-se indiferente. É um pouco o meu
estado presente.
Para uns há o cumprimento
da promessa da sua fé em que anteveem o paraíso, seja lá o que for, e que
se consubstancia no privilégio da presença junto de Deus
para a eternidade.
Para outros, é o fim das
preocupações, a paz encontrada: não terem mais problemas de taxas sobre pensões
de reforma, o não terem que aturar a mulher ou o marido ou filhos
problemáticos, ou não terem a desilusão de viverem num país em que já não se revêm, bem como tantos outros motivos. Não há uma vertente espiritual: é afinal o descanso “eterno”
encontrado.
O meu é, de momento, um
bocejo, o spleen do Eça! I couldn’t care less!
Não me apetece ter que
pensar na morte. Tanta coisa ainda por organizar…deixar indicações práticas para se
encontrar títulos de jazigos, enterros pré-pagos, milhares de cartas por
catalogar, centenas de fotografias para pôr em álbuns, identificar quem são as
gentes, livros – 2.500 no Alentejo, na livraria do monte – para pôr por assuntos.
Mas no fundo, de viagem
nesse dia, para que serve preocupar-me? Alguém o fará por mim ou não, hipótese
mais provável.
O segundo tema é o da
surpresa. Explico.
Há boas e más. Há
agradáveis e doces e outras amargas e dolorosas.
Há ingratidões, agressividades,
traições, sacanices, patifarias e gestos inesperados de amizade, aproximação,
reconhecimento.
Aonde me situo? Sem
dúvida nenhuma, quanto às primeiras, abomino e sinto-me como filho de boa-gente que sou
e quanto às segundas, por raras que são, sabem-me a maná caído do Céu!
Já vês que os temas
escolhidos são muito prosaicos e até banais, mas nem sempre tratados com esta
simplicidade linear.
Diz-me tu alguma coisa de
mais excitante que se passe por aí.
Vê se encontras três personagens a quem te pedia
que ao estares com eles, me apures algumas dúvidas e me actualizes sobre quem
realmente foram. São eles:
- Rainha Senhora Dona
Carlota Joaquina, Avoenga dos meus filhos. A reputação é do pior e sem entrares
em detalhes, ouve-a com comiseração e diz-me a Sua versão. A dos outros, já se
vai conhecendo pelos livros e escritos.
- Madre Teresa de Calcutá.
Fiquei indignado pela coscuvilhice do seu confessor ao autorizar a publicação
da sua vasta e confidencial correspondência com ele próprio. Sobretudo, apura o
que ela sentiu quando diz que ao serviço dos mais necessitados, sem embargo de
procurar a Fé, não a conseguiu encontrar até à morte. Deve ser um testemunho
essencial para quem, como ela, a busca e não tem a virtude de praticar o BEM
mesmo sem Fé, como ela o fez.
- Finalmente, um
personagem intrigante para mim, o Imperador Napoleão Bonaparte. Muito se
escreveu, mas o seu testemunho será bem diferente. Foca-te na época em que tudo
perdeu e acabou por morrer só e no exílio. Os Grandes têm muito mais interesse
quando estão na mó de baixo, pois é aonde se vê de que têmpera são feitos.
E por hoje é tudo.
Um afectuoso abraço muito
amigo do teu primo
Manuel
Sem comentários:
Enviar um comentário