domingo, 9 de outubro de 2011
Conversa entre bonecas
O almoço
O restaurante era pequeno – poder-se-ia qualificá-lo de cosy. Isabel olhou à volta com o à vontade e prática de uma médica que tudo inspecciona. Gostou da sala: tinha sido Graça quem o escolhera mas Isabel achava o ambiente bem agradável, mesmo encantador.
Chegara dez minutos antes: detestava atrasos. Talvez essa fosse uma das razões porque gostava tanto de Lu Yang: era disciplinado e tinha maneiras. Tinha ascendido a um cargo importante no hospital apesar de estrangeiro naturalizado. Era uns anos mais novo do que ela e beneficiava logicamente da sua maturidade.
Além disso era fantástico na cama. Este último pensamento fê-la sorrir e corar. Estava confiante de que em breve desse o passo em frente. Adoraria casar-se com Lu Yang. Isabel achava que faziam o par ideal coincidindo em quase tudo. Os filhos dos dois seriam lindos. Esta ideia fê-la regressar de novo à realidade e a pensar em Graça.
Tinha acontecido já há sete meses e Isabel ficara deveras surpreendida quando Graça Simões, a convidara para almoçar. Nunca tinham sido particularmente próximas, apesar dos acontecimentos as terem colocado no mesmo palco. Graça conheceu José Simões, o director do hospital aonde Isabel trabalhava, com quem namorou e se casou.
Graça entrou no bistrot, topou-a de imediato e sorriu. Isabel retribui-lhe o sorriso e levantou-se quando ela se aproximou da mesa. Estendeu-lhe a mão para cortesmente a cumprimentar quando Graça a surpreendeu com um abraço. Ficou tão atrapalhada por um momento que nem reagiu. Constatou que Graça ficaria ofendida e se sentiria rejeitada, por isso rapidamente estreitou-a nos braços e apertou-a gentilmente. Sentaram-se as duas depois desta saudação tão efusiva.
- Acho que ficaste pasmada, não é verdade, Isabel? - Graça sorria docemente.
- De facto devo confessar que sim, pois não somos nada próximas…
- Deves estar a perguntar-te o que vem a ser tudo isto – acrescentou Graça.
Isabel acenou afirmativamente. Tinha considerado este convite para almoço como tendo um propósito definido, uma agenda.
- Como te sentes Graça? Estás boa?
- Sinto-me lindamente…agora!
- Ainda bem, fico muito contente de saber. – disse Isabel.
Antes de poder perguntar-lhe o que tinha em mente, chegou um empregado à mesa para que escolhessem. Isabel achou divertido ver que Graça escolhera ostras e salmão.
- Sabes Graça, é tudo um mito o que dizem sobre o efeito das ostras!
Graça riu abertamente e disse:
- Eu sei, simplesmente adoro mariscos.
Graça ficara encantada por Isabel ter comentado tão naturalmente esta brejeirice. Não tinha muitas amigas e esperava sinceramente poder contar com Isabel daí para a frente como uma delas.
- O meu marido, além disso não precisa de estimulantes – disse Graça com um ar maroto.
Isabel corou levemente. Graça notou-o.
- Oiça lá Drª Isabel, enfatizando o seu grau académico e o você de cortesia, de certeza que este meu comentário não lhe causa nenhum embaraço, pois não?
- Graça - disse Isabel com brusquidão pela inesperada intimidade – porque quis almoçar comigo?
- Muito bem, vou responder-te – disse Graça com prontidão – quero pedir-te um favor.
- Com certeza – Isabel ficou aliviada, pois esta resposta vinha ao encontro do que tinha expectado, e dando um gole na sua bebida, fez sinal com a cabeça para Graça continuar.
- Queria que me fizesses uma ecografia.
- O quê?
- Estou grávida, acrescentou Graça.
- A sério? Que bom, é fantástico. Parabéns!
Graça sorriu abertamente.
- Muito obrigado.
Isabel fez um esgar de hesitação e perguntou:
- Espera, porque queres que te faça uma ecografia? Não sou nem obstetra nem ginecologista! O teu marido é o director do hospital.
- Eu sei, Isabel. Tu és uma óptima médica e quero que me acompanhes durante a gravidez. E a voz de Graça baixou de tom e disse, tristemente – e tu estiveste lá, antes, quando…
- Perfeito, atalhou Isabel. Ela sabia o que custava a Graça mencionar a triste ocorrência do seu aborto espontâneo e queria poupar-lhe a dor de o recordar.
- Muito bem, disse amigavelmente, se é o que queres…e o teu marido?
- Não te preocupes, disse Graça sorrindo, ele faz o que eu quiser. Obrigado Isabel.
A ecografia
- Parece tudo muito bem e em ordem, Graça. Já vais com 11 semanas. Vou-te receitar umas vitaminas. Faz exercício moderadamente, dado que estás em óptima forma. Tens alguma pergunta a fazer-me?
- Não, acho que está tudo esclarecido…enfim…quais são as hipóteses?
- De teres novo aborto? Percebo a tua preocupação, mas parece-me tudo sem problemas nenhuns, por isso há uma margem muito pequena de risco.
- Também tudo estava bem da outra vez!
Isabel olhou para ela e a sua expressão adoçou-se:
- Graça, não volta a acontecer!
- Eu quero muito acreditar que sim, mas tenho medo!
- Eu sei, disse Isabel. Um aborto espontâneo acontece quando algo está drasticamente errado – o corpo é suficientemente esperto para percebê-lo e transmitir. Mas a maioria das mulheres têm gravidezes saudáveis que resultam em bebés felizes!
- Eu sei disso Drª Isabel – Graça estava a sentir-se taquinada pela conversa. Por isso o primeiro não foi tão duro de aceitar, mas quando perdi os gémeos…
Graça começara a sentir-se muito deprimida.
- Sim, os gémeos. Foi horrível. Isabel estava de turno na maternidade. Viu Graça na entrada da sala de operações à espera do começo do trabalho de parto, e vendo um rosto amigo, sentiu-se confortada e pediu-lhe para que a acompanhasse, mas Isabel não o fez pois o caso complicou-se e foram outros colegas da especialidade que seguiram o resto da intervenção cirúrgica.
Graça recompôs-se.
- Foi um problema bem sério, mas a explicação que me deram foi tão fria, tão medicamente correcta que chorei durante dias a fio.
Isabel disse com simpatia:
- Deve ter sido tão difícil, Graça! Talvez possas ser apoiada psicologicamente!
Catorze meses depois
- Fantástico! Este foi o melhor salmão que já comi.
- Nunca vi ninguém tão guloso por salmão como tu, Graça!
- Tenho que manter as minhas forças e energia. Graça voltou-se para o lado para olhar para o seu bebé. Isabel sorriu. O miúdo era lindo, claro de cores, olhos azuis.
- Que tal se porta durante a noite? – perguntou Isabel.
- Está com dentes e maça-nos um bocadinho, mas eu não me importo, vale todos os sacrifícios por que passei. Para além disso, isto tudo fez-me mudar!
- Porque? Como?
- Sabes, a vida continua… Tenho bons motivos para acordar, abrir os olhos, deixar que o sol me queime...entregar-me à vida...viver com intensidade... olhar o futuro com esperança, e o passado com satisfação...fazendo tudo com paixão, pois tenho a minha vida nas mãos...
MNA
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