segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A linguagem



Gostava de começar por apresentar duas conhecidas e controversas perspectivas sobre a linguagem, mas nada contraditórias na minha opinião.

A primeira é uma queixa tantas vezes ouvida de que a linguagem é de alguma maneira inadequada para captar, ou reconhecer, a nossa vida interior, as nossas experiências privadas.

Como podemos percepcionar em palavras os nossos sentimentos? As descrições parecem tão inexpressivas, tão longínquas, tão frias em relação à vivacidade de uma sensação ou emoção.

Os seres humanos, porém, precisam da linguagem, apesar de estarem reféns dela.

Para descrever o que se avista de uma janela, ou mesmo uma flor num vaso pousado numa mesa (escura no centro, com as folhas murchas nas pontas, iluminada pelo sol da manhã, reflectida num espelho) podem-se enumerar mil situações e mesmo assim falhar…em conseguir pôr em linguagem tão completa quanto possível tudo quanto a flor possui nas suas propriedades.

E se a especificidade, “coisificação” daquilo a que chamamos “ objectos concretos” é tão inacessível á linguagem corrente, quanto mais inacessível não será a de transmitir a sensação de um momento no nosso pensamento, ou o humor, uma visão ou uma atitude.

A segunda perspectiva, também conhecida, é a de que só podemos compreender completamente as descrições da vida privada de terceiros, os seus sentimentos e experiências, se tivermos experimentado as mesmas sensações.

Isto leva-nos até à afirmação tantas vezes ouvida de que “ não podes compreender totalmente o que estou a tentar dizer-te, porque nunca o sentiste como eu”!

Determinadas descrições de certas espécies de experiências podem unicamente ser entendidas por uma pessoa que as tenha tido de uma forma semelhante.

O problema é o de que o âmago da verdade sai distorcido se associado muito de perto a uma determinada concepção do seu significado.

John Locke dá-nos uma perfeita definição ao dizer que as palavras, no seu sentido mais simples e primário, significam nada mais do que as ideias do pensamento de quem as usou. As palavras, segundo ele, são a exteriorização de ideias nas mentes das pessoas.

Por outro lado, não se pode compreender o significado da palavra “ vermelho” excepto se tivermos visto coisas encarnadas. De nada serve aprender línguas, ou consultar dicionários. Por isso também se pode aceitar que o sentido das palavras é precisamente o objecto que cada qual utiliza quando observa coisas encarnadas.

Que conclusões podemos tirar?

A poesia é a única que fala a linguagem das palavras.

A palavra, para além de ser a matéria-prima da criação da poesia, é o instrumento utilizado pelo poeta para expressar os seus estados de alma, extravasando, dessa forma, os seus mais íntimos sentimentos.

Assim sendo, o peso e o valor da palavra dependem, e muito, do modo como esta é articulada e, principalmente, dos acréscimos de significado que o poeta lhe dá.

Na poesia, a linguagem não é apenas um sistema orgânico do qual lançamos mão para nos expressarmos e comunicarmos com as outras pessoas. Nela, a linguagem apresenta-se como um "ser vivo" e, como tal, possui vida, personalidade e determinadas “nuances” que a tornam única quando comparada com as demais formas de manifestações linguísticas.

Na minha opinião a linguagem possui três funções fundamentais no esquema da comunicação: a representação, a expressão e o apelo.

A palavra, assim, transforma-se num instrumento utilizado pelo poeta para retratar a sua visão de e sobre o mundo; é o código por ele utilizado para traduzir os seus sentimentos e desnudar as suas emoções. Possui vida, é nervosa, auto-suficiente e criadora de outras palavras que, por sua vez, possuem um novo significado. No poema, a palavra é que faz nascer o "espaço."


Som da Linguagem

Por vezes reaprendo
o som inesquecível da linguagem

Há muito desligadas
formam frases instáveis as palavras

Aos excessos do céu cede o silêncio e
as constelações caem vitimadas
pelo eco da fala

Gastão Cruz, in "Campânula"

sábado, 29 de outubro de 2011

Há amor para sempre? Há saúde eterna? Há empregos definitivos? Há sol ou lua sempre iguais?


Hoje resolvi parar por uns momentos para pensar um pouco.

Tenho nos últimos meses trabalhado muito e com pouco recolhimento para grandes reflexões.

Actividade em demasia não é saudável sob nenhum ponto de vista: para o corpo, para o espírito e sobretudo para um certo desejo de felicidade.

Na verdade, nascem uns, para outros vão passando os anos, mas o que fica sempre é esta sensação de caducidade, de provisório em tudo o que fazemos ou sentimos.

Há amor para sempre? Há saúde eterna? Há empregos definitivos? Há sol ou lua sempre iguais?

Há sobretudo um humor permanente, sem desvios?

Pois as respostas a estas perguntas, que na minha opinião são de um rotundo não, fazem com que os nossos dias não sejam mais do que um passeio transitório por este mundo.

Quando chegar a solidão, a velhice e a morte nada nos deve surpreender pois se formos atentos, tudo é previsível.

Pareço negativo, sorumbático, deprimido…nada disso!

Talvez cansado mas realista.

Mesmo as boas alegrias que são picos de felicidade, uma vez os primeiros momentos passados, tornam-se rotineiras. Não se pode estar sempre esfusiante…seria tremendo!

Tenho ouvido dizer que há estimulantes sexuais que dão potência seguida durante 72 horas, passe a publicidade! Que grande maçada deve ser ter que se fazer sexo para aproveitar os efeitos erógenos!

Em conclusão, mais uma vez estou a ser desmancha-prazeres pois deveria incensar os nossos tempos presentes, ressaltando o positivo, ainda que pouco se vislumbre.

Mas se não sinto que haja motivos para ter esperança na Europa, em Portugal e até no Mundo tal como avança, então porque hei-de disfarçar o meu descontentamento, a minha desilusão, o meu desalento e a “preguiça” do futuro risonho?

Claro que desistir é morrer, mas uma coisa é continuar a lutar, outra é, de momento, sorrir imbecilmente e achar que tudo é delico-doce!

Há pequenos oásis de paz e felicidade e há espaço para desejar sorte e mudança para quem acaba de nascer.

Talvez daqui a umas generosas dezenas de anos, os neófitos possam almejar ter uma vida mais harmoniosa.

Eu estarei de certeza ao lado do meu primo Luis Bernardo, no Além, em alegre caturreira observando o planeta terráqueo!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Evadido


Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Para ser Grande, sê inteiro


Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis

Desafio




Olá,

Hoje escrevo para ti!

Sim, para ti que passas por aqui sem nunca dizer nada!

Já te apanhei uma vez ou duas a ler uns bocaditos, a ouvir uma musica e a olhar para uma das fotografias!

Por isso aceita o desafio… Escreve um texto sobre a foto.

Bem sei que nem nos comentários escreves, mas isto é diferente: podes ter um post que ninguém vai ler!

Será coisa para contares aos filhos e até aos netos!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A recuperação da culpa


A Cultura Europeia encontra-se, há pelo menos seis décadas, numa situação embaraçosa. Ao serem solucionados problemas da saúde e do trabalho; ao crescerem as hipóteses e as profecias do bem-estar, o espírito criador foi sofrendo na sua raiz uma lesão profunda. A solidão, tão cara ao homem de pensamento e necessária à sua originalidade, foi sendo condenada pelo apelo à aldeia global. As fronteiras, ao caírem, produziram um fenómeno de desorientação; os mass-media, ao servirem os grandes espaços geofísicos, contribuíram para uma desmobilização do génio.

Não é de estranhar que a Cultura se tornasse uma espécie de cruzada, sem objetivos exceto os de menos alcance e que competem aos programas locais, de divulgação mais excitante. Mas o pensamento ficou bloqueado, o cérebro humano não responde aos estímulos da paixão criadora. Os modelos heroicos foram surpreendidos por uma concorrência de robots, que desiludem os homens e deixam as sociedades perturbadas quanto aos seus direitos à imaginação própria. No entanto, é preciso enfrentar as condições oferecidas por uma nova era que se quer propensa à esperança genuína dos povos. Uma era de Cultura.

A Cultura é, em princípio, um sentimento de afeto pelo mundo que nos rodeia. Se o afeto das situações não for contemplado, a Cultura não passa do âmbito das instituições que a nomeiam e tentam proteger. Ao ampliar os seus horizontes físicos, o homem sente-se tentado a julgar-se preparado para o acontecimento da Cultura. Porém, conhecer mais nomes célebres e lugares estranhos não desperta o caráter primordial duma cultura, que é o ser livre de orgulho e dispensado da inteligência de grupo. Toda a diferenciação cria qualquer forma de fanatismo. A Cultura instalou-se sempre partindo duma diferenciação. É um direito, sem dúvida, mas em que medida um direito não é também uma culpa?

Para vivermos plenamente um direito, temos de nos mover dentro do afeto desse direito. Não na autoridade ou no espírito da lei que lhe assiste, mas no afeto do direito. E o afeto da culpa? Quando ele nos é negado, morremos no corpo e no espírito.

A um auditório de mulheres de cultura, faria sentido eu dirigir a seguinte pergunta: porque é que a culpa foi, através dos tempos, atribuída às mulheres? Ao atribuir-se à mulher um estado de culpa, não se estará a dignificar a culpa como motivadora duma civilização? É possível. Nesse caso, a mulher, como portadora duma culpa, é sempre iniciadora duma cultura. A culpa, nesse caso e aqui, não é um opróbrio, mas uma consequência da própria infalibilidade. Só da culpa a pessoa pode elevar-se. A cultura parte do pressuposto duma culpa. Só ela se interroga. Só ela desencadeia o conflito.

S. Boaventura, porque observa a ordem da justiça com particular atenção, considera o pecado original não só imputável à mulher, mas também ao varão por não a ter contido e reprimido. O homem teme, ao mover a mulher a seguir a razão, perder a sua parte de deleite sensual de que a sociedade fez um bem útil. É de prever que novas capacidades intelectuais e morais estejam em evolução no homem do futuro. A sua sensibilidade ganhará forma no sentido de o aproximar de uma linguagem mais universal do que tribal. A literatura e as artes serão cultivadas como uma religião de ascetas, provavelmente. A ascese é a escolha duma inovação. É uma prova da inovação.

Entretanto, um dos grandes impasses da Cultura reside nos conflitos entre o prazer que a sociedade adapta ao seu sistema, e a vinculação ao desprazer, ou seja, ao trabalho e a todas as propostas difíceis.

O mundo está constituído por etnias cujas contradições não são absorvidas tão rapidamente como se movem e se reproduzem. A Cultura, fenómeno de sedimentação de experiências, tornou-se num expediente, numa tática e num consentimento sem obra.

Todas as pessoas possuem um dom que protege há milhões de anos a sua vida na terra. É uma espécie de infalibilidade que previne o instinto de morte de se desenvolver e nos destruir. Não tem a ver com a opção, mas com um acordo comum entre todas as espécies. A vontade do homem apoia assim o interesse dos políticos que, como Ciro, fazem de cada lar um bordel, para deste modo governarem as metrópoles com menos despesa de guarnições.

A Europa enfrenta-se com o seu dom de infalibilidade. Decisão, partilha, amor e cultura têm de ser conduzidos pela mão da infalibilidade. Senão, tudo não passará de muito barulho para nada.

O afeto da cultura, mais do que o planeamento da Cultura, a infalibilidade, mais do que a certeza, serão auxiliares para nos podermos conhecer e libertar.

São estas as ideias para uma renovação da Cultura. São ideias que marcam o entendimento do tempo comum europeu, tanto atlântico como mediterrânico.

O tempo europeu, subsidiário da cultura helénica e romana, encontra hoje o vazio do pensamento que a serviu. As dicotomias bem e mal, justo e injusto, puro e impuro, sofrem grandes provações. A tendência é para recuperar do passado velhas fórmulas cuja sabedoria está confundida com preconceitos mutáveis.

Que nome daremos à atualidade da culpa, única forma de instaurar uma cultura? É com certeza nome de mulher. O nome do eterno feminino que o Dr. Fausto reconheceu não sem admiração. «A tua incerteza mata-me» - diz Fausto a Margarida. E ela está completamente nas últimas palavras que profere: «Causas-me horror!»

Freud deu o último abanão ao sentimento burguês de culpa. Depois disso a sociedade não parou de conferir ao prazer uma inteligência como forma de reprimir os ideais, mais perigosos do que o instinto do prazer.

É certo que a culpa pode submeter os homens a um simples treino da infelicidade. Hoje, o homem está capacitado de ser infeliz, apesar de as condições de vida serem melhores. Os seus padecimentos são demonstrados, são, por assim dizer, consumidos. Mas não correspondem a qualquer glória integrada no mistério humano.

Conheci uma mulher pobre e, além disso, atrasada mental. Ela passava os dias prestando serviços gratuitos numa pequena loja onde eu ia fazer as minhas compras do dia: o pão, o leite, a fruta. Ela vigiava-me para que eu não escolhesse a fruta e repreendia-me se eu o fazia. Até que, um dia, a dona da loja lhe fez ver que eu era uma pessoa importante e que não podia tratar-me dessa maneira. No fundo, eu achei que aquela mulher era idiota e que alguém devia pô-la na ordem.

Só que, alguns dias depois, a mulher apareceu morta em casa. Embora todos comentassem aquilo sem qualquer emoção duradoura, eu pensei que alguma coisa teria acontecido que lhe tivesse provocado a morte. Ela tinha sido atingida na sua infalibilidade. Há um ponto na razão que comandou a infalibilidade, o direito de julgar e de agir conforme o afeto da justiça. Eu tinha ferido de morte a infalibilidade dessa mulher. Ela viu-se como todos a viam: pobre e inútil, sobretudo, fora da inteligência da culpa. Eu e os outros não a culpávamos. Mas também não a amávamos.

A mulher-objeto, a mulher-demónio, não são senão interpretações da culpa. A mulher não representa maior perigosidade do que o homem, e isso tenta-se demonstrar ao situá-la numa escala inferior, ou numa situação submissa. Mas o que muito se demonstra sofre de falta de convicção.

A mulher conhece-se a si mesma; o homem não. Não é por acaso que o oráculo de Delfos, uma mulher, aconselhe o homem a conhecer-se a si mesmo, o que produziria o estado de culpa. A culpa que não se descreve por meio de qualquer linguagem, é unicamente uma via onde se cruzam a vida e a morte.



Texto inédito escrito entre 1990 e 1993, publicado no jornal “Público” a 15 de outubro de 2011, dia em que Agustina Bessa-Luís completou 89 anos.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Como é que se esquece alguém que se ama?


Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?

As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.

É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.

Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso

domingo, 9 de outubro de 2011

Conversa entre bonecas


O almoço

O restaurante era pequeno – poder-se-ia qualificá-lo de cosy. Isabel olhou à volta com o à vontade e prática de uma médica que tudo inspecciona. Gostou da sala: tinha sido Graça quem o escolhera mas Isabel achava o ambiente bem agradável, mesmo encantador.

Chegara dez minutos antes: detestava atrasos. Talvez essa fosse uma das razões porque gostava tanto de Lu Yang: era disciplinado e tinha maneiras. Tinha ascendido a um cargo importante no hospital apesar de estrangeiro naturalizado. Era uns anos mais novo do que ela e beneficiava logicamente da sua maturidade.

Além disso era fantástico na cama. Este último pensamento fê-la sorrir e corar. Estava confiante de que em breve desse o passo em frente. Adoraria casar-se com Lu Yang. Isabel achava que faziam o par ideal coincidindo em quase tudo. Os filhos dos dois seriam lindos. Esta ideia fê-la regressar de novo à realidade e a pensar em Graça.

Tinha acontecido já há sete meses e Isabel ficara deveras surpreendida quando Graça Simões, a convidara para almoçar. Nunca tinham sido particularmente próximas, apesar dos acontecimentos as terem colocado no mesmo palco. Graça conheceu José Simões, o director do hospital aonde Isabel trabalhava, com quem namorou e se casou.

Graça entrou no bistrot, topou-a de imediato e sorriu. Isabel retribui-lhe o sorriso e levantou-se quando ela se aproximou da mesa. Estendeu-lhe a mão para cortesmente a cumprimentar quando Graça a surpreendeu com um abraço. Ficou tão atrapalhada por um momento que nem reagiu. Constatou que Graça ficaria ofendida e se sentiria rejeitada, por isso rapidamente estreitou-a nos braços e apertou-a gentilmente. Sentaram-se as duas depois desta saudação tão efusiva.

- Acho que ficaste pasmada, não é verdade, Isabel? - Graça sorria docemente.

- De facto devo confessar que sim, pois não somos nada próximas…

- Deves estar a perguntar-te o que vem a ser tudo isto – acrescentou Graça.

Isabel acenou afirmativamente. Tinha considerado este convite para almoço como tendo um propósito definido, uma agenda.

- Como te sentes Graça? Estás boa?

- Sinto-me lindamente…agora!

- Ainda bem, fico muito contente de saber. – disse Isabel.

Antes de poder perguntar-lhe o que tinha em mente, chegou um empregado à mesa para que escolhessem. Isabel achou divertido ver que Graça escolhera ostras e salmão.

- Sabes Graça, é tudo um mito o que dizem sobre o efeito das ostras!

Graça riu abertamente e disse:

- Eu sei, simplesmente adoro mariscos.

Graça ficara encantada por Isabel ter comentado tão naturalmente esta brejeirice. Não tinha muitas amigas e esperava sinceramente poder contar com Isabel daí para a frente como uma delas.

- O meu marido, além disso não precisa de estimulantes – disse Graça com um ar maroto.

Isabel corou levemente. Graça notou-o.

- Oiça lá Drª Isabel, enfatizando o seu grau académico e o você de cortesia, de certeza que este meu comentário não lhe causa nenhum embaraço, pois não?

- Graça - disse Isabel com brusquidão pela inesperada intimidade – porque quis almoçar comigo?

- Muito bem, vou responder-te – disse Graça com prontidão – quero pedir-te um favor.

- Com certeza – Isabel ficou aliviada, pois esta resposta vinha ao encontro do que tinha expectado, e dando um gole na sua bebida, fez sinal com a cabeça para Graça continuar.

- Queria que me fizesses uma ecografia.

- O quê?

- Estou grávida, acrescentou Graça.

- A sério? Que bom, é fantástico. Parabéns!

Graça sorriu abertamente.

- Muito obrigado.

Isabel fez um esgar de hesitação e perguntou:

- Espera, porque queres que te faça uma ecografia? Não sou nem obstetra nem ginecologista! O teu marido é o director do hospital.

- Eu sei, Isabel. Tu és uma óptima médica e quero que me acompanhes durante a gravidez. E a voz de Graça baixou de tom e disse, tristemente – e tu estiveste lá, antes, quando…

- Perfeito, atalhou Isabel. Ela sabia o que custava a Graça mencionar a triste ocorrência do seu aborto espontâneo e queria poupar-lhe a dor de o recordar.

- Muito bem, disse amigavelmente, se é o que queres…e o teu marido?

- Não te preocupes, disse Graça sorrindo, ele faz o que eu quiser. Obrigado Isabel.

A ecografia

- Parece tudo muito bem e em ordem, Graça. Já vais com 11 semanas. Vou-te receitar umas vitaminas. Faz exercício moderadamente, dado que estás em óptima forma. Tens alguma pergunta a fazer-me?

- Não, acho que está tudo esclarecido…enfim…quais são as hipóteses?

- De teres novo aborto? Percebo a tua preocupação, mas parece-me tudo sem problemas nenhuns, por isso há uma margem muito pequena de risco.

- Também tudo estava bem da outra vez!

Isabel olhou para ela e a sua expressão adoçou-se:

- Graça, não volta a acontecer!

- Eu quero muito acreditar que sim, mas tenho medo!

- Eu sei, disse Isabel. Um aborto espontâneo acontece quando algo está drasticamente errado – o corpo é suficientemente esperto para percebê-lo e transmitir. Mas a maioria das mulheres têm gravidezes saudáveis que resultam em bebés felizes!

- Eu sei disso Drª Isabel – Graça estava a sentir-se taquinada pela conversa. Por isso o primeiro não foi tão duro de aceitar, mas quando perdi os gémeos…

Graça começara a sentir-se muito deprimida.

- Sim, os gémeos. Foi horrível. Isabel estava de turno na maternidade. Viu Graça na entrada da sala de operações à espera do começo do trabalho de parto, e vendo um rosto amigo, sentiu-se confortada e pediu-lhe para que a acompanhasse, mas Isabel não o fez pois o caso complicou-se e foram outros colegas da especialidade que seguiram o resto da intervenção cirúrgica.

Graça recompôs-se.

- Foi um problema bem sério, mas a explicação que me deram foi tão fria, tão medicamente correcta que chorei durante dias a fio.

Isabel disse com simpatia:

- Deve ter sido tão difícil, Graça! Talvez possas ser apoiada psicologicamente!

Catorze meses depois

- Fantástico! Este foi o melhor salmão que já comi.

- Nunca vi ninguém tão guloso por salmão como tu, Graça!

- Tenho que manter as minhas forças e energia. Graça voltou-se para o lado para olhar para o seu bebé. Isabel sorriu. O miúdo era lindo, claro de cores, olhos azuis.

- Que tal se porta durante a noite? – perguntou Isabel.

- Está com dentes e maça-nos um bocadinho, mas eu não me importo, vale todos os sacrifícios por que passei. Para além disso, isto tudo fez-me mudar!

- Porque? Como?

- Sabes, a vida continua… Tenho bons motivos para acordar, abrir os olhos, deixar que o sol me queime...entregar-me à vida...viver com intensidade... olhar o futuro com esperança, e o passado com satisfação...fazendo tudo com paixão, pois tenho a minha vida nas mãos...

MNA

A invenção do purgatório




Na Idade Média o desenvolvimento de uma série de factos e experiências históricas fizeram da Igreja uma das mais poderosas instituições da época. A difusão dos preceitos cristãos pela Europa e em outras partes do mundo fez com que os seus dirigentes interferissem profundamente nos hábitos, concepções e modos de agir de um grande número de pessoas.

Não podemos, porém, tirar a simplista conclusão de que os clérigos conseguiam que as pessoas fizessem aquilo que eles bem entendiam. A Igreja influiu na sociedade dessa época, mas houve situações em que a religião católica teve também que dialogar com os impasses gerados pelos seus próprios seguidores. Para melhor compreendermos tal aspecto, relevemos, como um interessante exemplo, a questão da vida depois da morte.

Até ao século XII, o cristão estava destinado às glórias e conforto dos céus ou ao tormento eterno das profundezas do inferno. A existência de destinos tão diferentes, fez com que vários fiéis levassem uma vida predominantemente voltada para a garantia da salvação. Mas nessa altura, muitos cristãos cometiam muitos pecados e, por isso, pairava uma enorme dúvida sobre qual seria o destino de alguém que não tivesse sido nem completamente bom nem mau.

Nesse período medieval, a organização social dos povos, legitimada pela Igreja, começou a escapar ao seu controle e estando dantes dividido entre o clero, a nobreza e o povo passou a contar com a acessão de pessoas que não se ajustavam completamente a esse modelo harmonioso preferido pelos clérigos medievais.

Passando a viver no efervescente ambiente urbano, muitos fiéis e clérigos deixaram de ter meios seguros para comprovar se alguém levara ou não uma vida louvável aos olhos de Deus.

De facto este tema era bastante antigo e já tinha sido tratado nos escritos de Santo Agostinho, no século IV. Segundo esse teólogo medieval, o indivíduo que tivesse tido uma vida mais inclinada para o pecado seria destinado ao Inferno, mas poderia sair dessa condição através das orações feitas pelos vivos em sua memória.

Já aqueles que não tivessem sido integralmente bons passariam por uma fase de purificação que poderia levá-los aos céus.

Até então, o purgatório era compreendido como um processo de salvação espiritual que se afastava do que era tradicionalmente convencionado pela Igreja.

Segundo alguns historiadores, a ideia de que o purgatório fosse um “lugar à parte” só tomou consistência entre os séculos XII e XIII. Contudo, engana-se quem acredita que esse terceiro destino no “post mortem” seja uma proposta originalmente concebida pela cristandade ocidental.

Os próprios judeus acreditavam que aqueles que não eram nem bons nem maus seriam conduzidos a um lugar aonde a pessoa humana sofreria castigos temporários até que estivesse apta para subir ao céu.

Entre os indianos, os “intermediários” poderiam viver uma série de reencarnações que os levariam até aos céus ou ao inferno.
Nos tempos que correm, eu diria que com o inferno que já temos na terra, qualquer coisa que seja o purgatório ou o céu é melhor com certeza!

Resta saber se lá encontraremos os políticos portugueses! Seria uma grande injustiça!

Lá está...corrupção!



Quem deixou pôr aquele pedregulho no meio de um bairro classificado?

Lá está, a corrupção não tem limites! Francamente!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

multidão aguarda ansiosamente a estátua de Sócrates



Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura.
Uma fronte sem rugas denota insensibilidade.
Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia que está para chegar.

Que tempos são estes, em que é quase um delito falar de coisas inocentes,
pois implica o silenciar de tantos horrores.

Tempos sombrios por Bertolt Brecht

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

insolência



Mi mente no está comprometida. Ella vuela libre, a veces con usted, otras tantas, con muchos otros.

Un día mi mente decidió huir, aunque mi cuerpo este aprisionando a mi cabeza confieso que no estoy enamorada.

En esta huida nadie pintará mi sombra con tiza* para recordar que ya me fui.

* giz

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O dr. Rodrigues e o centauro do Banif





O dr. Rodrigues era o criativo do Banif e tinha recebido a incumbência de remodelar completamente a imagem corporativa do banco.

Andava a cogitar desde há um mês em como poderia ser original e criar impacto na clientela e na opinião pública, fazendo a diferença com os seus concorrentes.

O dr. Rodrigues parava numa bomba de gasolina perto de casa para abastecer o seu carro de serviço e habituara-se a olhar para o Ricardo, o gasolineiro que amavelmente lhe enchia o depósito, como um ser um pouco especial, mas recebera dele sempre provas de grande respeito e deferência.

Nessa manhã a caminho do banco decidira que não podia mais demorar na identificação do novo produto publicitário do Banif, pois o Presidente tinha-lhe fixado um prazo que estava a expirar.

Ao chegar à bomba de gasolina pediu a Ricardo que atestasse o depósito e enquanto distraidamente o observava, de repente deu uma palmada na testa e exclamou:

- Raios, o homem parece um centauro! Que grande ideia de força e de pujança!

Ricardo ficou muito honrado quando o dr. Rodrigues lhe levou a primeira prova da nova imagem do Banif e ainda hoje, muitos quadros do banco, vão expressamente abastecer as suas viaturas de serviço para conhecerem a musa inspiradora do dr. Rodrigues.

MNA

precauções a ter com as imitações baratas chinesas...



Se quiserem comprar ténis de marca, usem de todas as precauções para não terem surpresas com as imitações baratas chinesas...

Serviço Nacional de Saúde poupa nos Hospitais públicos



No poupar é que está o ganho....

domingo, 2 de outubro de 2011

"A Mulher Mais Bonita do Mundo"


"A Mulher Mais Bonita do Mundo"

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Collette III



Nesse Domingo apeteceu-lhes ir almoçar a Rambouillet, a uns 50 km de Paris. O castelo é imponente e tem um parque e um lago lindos, bem como uma pelouse enorme e muito verde, sombreada por árvores seculares aonde se está muito bem e recatadamente.

Passaram pelo Fauchon aonde tinham encomendado na véspera um apetitoso pic-nic e que constava de uma entrada de foie-gras com tostas pequenas, umas carnes frias de faisão e perdiz com um molho de amoras num frasco elegante com a marca de origem e acompanhadas de baguettes de pão de centeio, 2 garrafas de Moët & Chandon num recipiente que conservava o frio bem como as respectivas flutes, e como sobremesa umas framboesas com creme fresco, à parte. Um cesto de vime muito leve e sofisticado, continha uma toalha imaculada de linho branco bem como os talheres necessários. Um lucho mas um deleite para os olhos e para a boca!

Collette tinha-se esmerado no traje e escolhera uma tee-shirt generosamente decotada deixando ver os seus bem desenhados e opulentos seios, e uns jeans estreitos, moldando o seu traseiro e pernas de uma elegância e sensualidade ímpar.

O cabelo solto e leve, um creme hidratante na cara e um perfume que sabia entontecer Yann, que estava nessa manhã excepcionalmente bem disposto e até já lhe sussurrara aos ouvidos, mordiscando o lóbulo, propostas que lhe agradavam sobremaneira.

Escolheram ir por estradas interiores, bordejando campos floridos e verdejantes, e devagar no seu Aston Martin descapotável, contornavam vilórias e auberges que no caminho, sugeriam tentadores petiscos e acomodação.

Trocavam olhares cúmplices e langorosos, entrelaçavam-se as mãos e o desejo ia crescendo para Yann, brutal e incontrolávelmente.

De repente pára o carro, nem olhou se estava no meio da estrada, e sofregamente as duas bocas unem-se em beijos gulosos, tresloucados e sem controlo e os corpos rolam um para cima do outro e as mãos de Yann, desapertam com força e sem pudor o que impedia que os seios de Collette ficassem nas suas mãos quentes e fortes, e gemem os dois loucos de desejo.

(to be continued)

MNA