sábado, 27 de agosto de 2011
era o menino da sua mãe
Hélio era um rapaz inseguro de 15 anos e tinha uma mãe muito absorvente e possessiva que lhe indicava o caminho a seguir, controlando tudo e todos com quem se dava, uma estrita tabela de valores morais pautados pela religião católica e a conformidade do seu pensamento com uma rigidez de comportamentos indiscutíveis, implicando uma escassa liberdade de acção.
Começara a sentir os primeiros sinais da puberdade há já alguns anos e encontrava-se confuso pelas reacções instintivas que pensava serem aquelas a que lhe apetecia dar resposta e por outro lado, um código apertado de rejeições, a que a mãe chamava de pecado.
Achava uma estopada acompanhar a mãe com frequência nas suas idas à igreja do padre Francisco, que era pouco cuidado e cheirava mal, e com palmadinhas nas costas, o apertava junto à batina e lhe dizia em sussurro:
- Estás a tornar-te um belo rapaz, Hélio! Fazes bem em vires com a tua mãe à igreja, havemos de te ouvir em confissão para saber como cuidas da alma – e sentia um hálito de boca não lavada para cima dele, um misto de cebolada com vinho sacro.
Nas confissões, vinha sempre como primeira pergunta, se andava a portar-se bem, que sim Sr. padre Francisco, e se sentia o seu corpo a dar sinais e a pedir pensamentos impuros, pecados mortais que Deus não queria, que não Sr. padre Francisco e muito no fim vinha a lista dos veniais, dos quais, esses sim, se deveria arrepender, pois roubara fruta na mercearia a caminho da escola ao Bento zarolho, não fizera os deveres pois tinha ficado a olhar para uns livros do Berto, que era um calaça, com desenhos a preto e branco de jogadores de futebol.
A mãe tivera azar, ouvira dizer que o pai fugira de casa com a Alzira da farmácia, mulher de olhos azuis e carnes nutridas, e sempre lhe repetia que o pai tinha pecado gravemente em a deixar e que tinha que o esquecer.
Era seca, vestida de cores escuras, de cara rija e a pele com estrias do ar frio da aldeia, e diziam-lhe que a Srª Engrácia era mulher às direitas, e que ele devia estar muito orgulhoso de ser filho dela.
Hélio gostava muito da mãe, sentia-se dependente dela quando o tratava com miminhos, lhe fazia petiscos, o sentava ao pé dela no banco da cozinha e o apertava nos braços e a ouvia dizer: “ o meu filho é o meu tesouro, e ninguém o levará para o mal, pois tem aqui quem o defenda e proteja, com a vida, se necessário for! “
Era uma sensação confortável e dizia para si mesmo, que nunca a iria decepcionar e sempre faria o que ela lhe dissesse.
O Berto, era filho do feitor da Casa Grande, e o Hélio gostava de ir passear no pátio largo, correr e jogar com uma bola, copiando os desenhos que vira no livro de futebol.
Levava uma sacola de pano limpo com um pão de centeio com marmelada saborosa feita pela mãe, de uns marmelos que tinham no quintal. A casa da Srª Engrácia era modesta e rasteira junto à rua, e tinha um pequeno terreiro atrás aonde cresciam batatas, couves, e umas quantas árvores de fruto.
O Berto gostava de ir lanchar com ele para o pé do poço grande, de onde tirava com a corda e o balde de madeira, a água fresca que vinha do fundo e bebiam os dois até se fartarem.
Ficavam à conversa e um dia o Hélio disse:
- Ouve lá ó Berto, sabes de quem eu gosto mais na vida, mesmo?
- Eu não.
- Pois olha que é da minha mãe e ela de mim.
- Pois eu é da filha do Bento zarolho, que quando lá vou por algum recado da minha mãe, me faz cá uns olhinhos – disse o Berto, com uma entoação sabida.
- E tu o que sentes Berto, por esses olhares dela? – perguntou Hélio, um pouco surpreendido e curioso.
- O que havia de sentir? Sobem-me cá uns calores, e fico a pensar nela o resto do dia.
- Mas isso deve ser o que o padre Francisco chama do corpo a dar sinais e a pedir pensamentos impuros, pecados mortais que Deus não quer – conclui Hélio.
- Tolice, estremeço todo por dentro!
A caminho de casa, Hélio disse para si mesmo que havia de falar com a mãe sobre a conversa com o Berto.
Todos os dias depois do jantar, no verão cá fora na portada da casa e no inverno junto ao fogão, a Srª Engrácia rezava o rosário, com Hélio a responder aos mistérios e a ver quando passavam as inumeráveis contas do terço multiplicado por três.
O seu espírito esvoaçava até à escola, aos amigos e nessa noite ficou a cismar porque seria que o pai fugira com a Alzira da farmácia, bem mais nova do que ele e o largara e à mãe, de quem tanto gostava, sozinhos, no mundo.
No fim, contou à mãe da conversa com o Berto e da dúvida que o assaltava se o pecado de que o Sr. Padre Francisco lhe falava sempre nas confissões eram os calores que o Berto sentia quando olhava para a filha do Bento zarolho.
- Disparate de conversa! – ralhou a mãe. Tens é que sentir como a tua mãezinha gosta de ti, anda cá Hélio, meu filho, agarra-te a mim e deixa-me abraçar-te bem.
E Hélio sentia-se bem, era o menino da sua mãe.
MNA
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outro conto?
ResponderEliminarSe sim... promete. E está bem escrito que dá gosto!
beijinho
Isabel