quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Hoje foi um dia daqueles em que nem sei bem descrever o que me apetecia fazer


Hoje foi um dia daqueles em que nem sei bem descrever o que me apetecia fazer como reacção a chatices.

Não é fantástico estar no meu quarto de hotel e através do iPad ouvir o noticiário da TSF das 2h da manhã ( não que sejam boas notícias as que ouvi de Portugal, mas já não sabia nada de nada há uns 5 dias). Não é totalmente assim, pois fiz o download do Expresso, mas confesso que o que li foi sem atenção nem interesse.

Mas tive saudades de ouvir música de Portugal, ou melhor a rádio marginal e mais uma vez foi o iPad a minha companhia.

Mas voltando ao cinzentismo, será que é assim tão difícil as coisas deste mundo correrem bem, mas mesmo bem! Não conta haver résteas de chatice!

I mean well, porra!

Fazemos o que pensamos ser o mais correcto, o melhor para toda a gente, o mais transparente, límpido, crystal clear e zumba…vem uma pedra, um pedregulho ou uma montanha rochosa que impede que eu veja vales com bambis a pastar…será que os bambis pastam? Estou cansado para caramba e por isso não me lembro se é a expressão correcta! Que se lixe!

Fui comer uma sopa, apeteceu-me sopa esta noite. Longe da "terrinha", de vez em quando pareço um parolo, mas tive falta de sopa, de uma mão, de um abraço, de umas palavras de encorajamento.

Ando a sentir-me muito sozinho e isso não é bom, como diz a bíblia, "e Deus criou a Mulher". Mas não é bem isso a que me refiro.

Nunca sentiram que sabe bem que aqueles de quem gostamos, atenção ao que eu digo, não são os de fora (os parceiros de negócios, os novos contactos, os potenciais trazedores de dinheiro) nos digam "from time to time" algumas coisas doces, carinhosas, se disponham a acolher no regaço a cabeça cansada?

Eu gosto, eu preciso, eu acho que andam todos distraídos e a pensar só nas vidas de cada um e marimbam-se para dar, mesmo avaramente, um pouco de calor.

Mas não se pode por anúncios nos jornais, ou pode-se? No facebook? Os anúncios são caros para burro e confusos. Andei à disputa com o "FB anúncios" e a única coisa que pedi foi ás tantas, um rosto “HUMANO” não links, uma voz ou um e-mail que me respondesse.

Sabem como finalmente apareceu uma criatura terráquea a responder, depois de ter gasto Euros 200,00 que prometiam continuar a exaurir-me indefenidamente para dar uma mão a um familiar?

Pois simplesmente porque cortei o raio de uma conta PayPal, também enganosa e longínqua.

E sabem o que disse a "valquíria" do facebook? Que pediam desculpa de eu estar a ter problemas com o anúncio por ter sido descontinuado….e que deveria investigar a razão pela qual a conta não continuava a ser debitada.

Acham isto normal? Eu não.

Mas já nem sei a que propósito vem isto de eu precisar de miminhos, de afagamento do ego, de numa palavra…que se lembrem que existo!

Termino como comecei: que o raio parta e rache quem me provoca chatices profissionais na minha terra!

Entretanto, são horas de ir dormir pois o dia de amanhã avizinha-se trabalhoso.

Espero acordar de manhã com boas notícias. Espero mesmo e não é brincadeira.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

it happens to everybody Ma'am



" Oh, Norman" said the Queen , " the Prime Minister doesn't seem to have read Thomas Hardy. Perhaps you could find him one of our old paperbacks on his way out"

do livro a todos os títulos recomendável de leitura (muito pequeno e maneirinho) "The Uncommon Reader" por Alan Bennett.

NOTA: já está à venda em português

Excerto na badana:

" Had the dogs not taken exception to the strange van parked in the royal grounds, the Queen might never have learnt of the Westminster travelling library's weekly visits to the palace. But finding herself at its steps, she goes up to apologise for all the yapping and ends up taking out a novel by Ivy Compton-Burnett, last borrowed in 1989. Duff read though it proves to be, upbringing demands she finish it and, so as not to appear rude, she withdraws another. This second, more fortunate choice of book awakens in Her Majesty a passion for reading so great that her public duties begin to suffer. And, so as she devours work by everyone from Hardy to Brookner to Proust to Samuel Beckett, her equerries conspire to bring the Queen's literary odyssey to a close."

Subversive and hugely enjoyable!

sábado, 27 de agosto de 2011

era o menino da sua mãe



Hélio era um rapaz inseguro de 15 anos e tinha uma mãe muito absorvente e possessiva que lhe indicava o caminho a seguir, controlando tudo e todos com quem se dava, uma estrita tabela de valores morais pautados pela religião católica e a conformidade do seu pensamento com uma rigidez de comportamentos indiscutíveis, implicando uma escassa liberdade de acção.

Começara a sentir os primeiros sinais da puberdade há já alguns anos e encontrava-se confuso pelas reacções instintivas que pensava serem aquelas a que lhe apetecia dar resposta e por outro lado, um código apertado de rejeições, a que a mãe chamava de pecado.

Achava uma estopada acompanhar a mãe com frequência nas suas idas à igreja do padre Francisco, que era pouco cuidado e cheirava mal, e com palmadinhas nas costas, o apertava junto à batina e lhe dizia em sussurro:

- Estás a tornar-te um belo rapaz, Hélio! Fazes bem em vires com a tua mãe à igreja, havemos de te ouvir em confissão para saber como cuidas da alma – e sentia um hálito de boca não lavada para cima dele, um misto de cebolada com vinho sacro.

Nas confissões, vinha sempre como primeira pergunta, se andava a portar-se bem, que sim Sr. padre Francisco, e se sentia o seu corpo a dar sinais e a pedir pensamentos impuros, pecados mortais que Deus não queria, que não Sr. padre Francisco e muito no fim vinha a lista dos veniais, dos quais, esses sim, se deveria arrepender, pois roubara fruta na mercearia a caminho da escola ao Bento zarolho, não fizera os deveres pois tinha ficado a olhar para uns livros do Berto, que era um calaça, com desenhos a preto e branco de jogadores de futebol.

A mãe tivera azar, ouvira dizer que o pai fugira de casa com a Alzira da farmácia, mulher de olhos azuis e carnes nutridas, e sempre lhe repetia que o pai tinha pecado gravemente em a deixar e que tinha que o esquecer.

Era seca, vestida de cores escuras, de cara rija e a pele com estrias do ar frio da aldeia, e diziam-lhe que a Srª Engrácia era mulher às direitas, e que ele devia estar muito orgulhoso de ser filho dela.

Hélio gostava muito da mãe, sentia-se dependente dela quando o tratava com miminhos, lhe fazia petiscos, o sentava ao pé dela no banco da cozinha e o apertava nos braços e a ouvia dizer: “ o meu filho é o meu tesouro, e ninguém o levará para o mal, pois tem aqui quem o defenda e proteja, com a vida, se necessário for! “

Era uma sensação confortável e dizia para si mesmo, que nunca a iria decepcionar e sempre faria o que ela lhe dissesse.

O Berto, era filho do feitor da Casa Grande, e o Hélio gostava de ir passear no pátio largo, correr e jogar com uma bola, copiando os desenhos que vira no livro de futebol.

Levava uma sacola de pano limpo com um pão de centeio com marmelada saborosa feita pela mãe, de uns marmelos que tinham no quintal. A casa da Srª Engrácia era modesta e rasteira junto à rua, e tinha um pequeno terreiro atrás aonde cresciam batatas, couves, e umas quantas árvores de fruto.

O Berto gostava de ir lanchar com ele para o pé do poço grande, de onde tirava com a corda e o balde de madeira, a água fresca que vinha do fundo e bebiam os dois até se fartarem.

Ficavam à conversa e um dia o Hélio disse:

- Ouve lá ó Berto, sabes de quem eu gosto mais na vida, mesmo?

- Eu não.

- Pois olha que é da minha mãe e ela de mim.

- Pois eu é da filha do Bento zarolho, que quando lá vou por algum recado da minha mãe, me faz cá uns olhinhos – disse o Berto, com uma entoação sabida.

- E tu o que sentes Berto, por esses olhares dela? – perguntou Hélio, um pouco surpreendido e curioso.

- O que havia de sentir? Sobem-me cá uns calores, e fico a pensar nela o resto do dia.

- Mas isso deve ser o que o padre Francisco chama do corpo a dar sinais e a pedir pensamentos impuros, pecados mortais que Deus não quer – conclui Hélio.

- Tolice, estremeço todo por dentro!

A caminho de casa, Hélio disse para si mesmo que havia de falar com a mãe sobre a conversa com o Berto.

Todos os dias depois do jantar, no verão cá fora na portada da casa e no inverno junto ao fogão, a Srª Engrácia rezava o rosário, com Hélio a responder aos mistérios e a ver quando passavam as inumeráveis contas do terço multiplicado por três.

O seu espírito esvoaçava até à escola, aos amigos e nessa noite ficou a cismar porque seria que o pai fugira com a Alzira da farmácia, bem mais nova do que ele e o largara e à mãe, de quem tanto gostava, sozinhos, no mundo.

No fim, contou à mãe da conversa com o Berto e da dúvida que o assaltava se o pecado de que o Sr. Padre Francisco lhe falava sempre nas confissões eram os calores que o Berto sentia quando olhava para a filha do Bento zarolho.

- Disparate de conversa! – ralhou a mãe. Tens é que sentir como a tua mãezinha gosta de ti, anda cá Hélio, meu filho, agarra-te a mim e deixa-me abraçar-te bem.

E Hélio sentia-se bem, era o menino da sua mãe.

MNA

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Branca de Neve


Era uma vez uma menina chamada Branca de Neve que vivia nos subúrbios de Lisboa.

O pai, Adolfo, desde há muito estava desempregado e dedicava-se a roubar automóveis, nomeadamente à noite e em ruas mais desertas identificava as viaturas alvo dos seus furtos e desmontava tudo quanto fossem rádios, leitores de cds e outros apetrechos de valor. Chegava sempre tarde a casa, pousava o fruto dos seus roubos em cima da mesa da cozinha, comia qualquer coisa e deitava-se.

No dia seguinte acordava pela hora do almoço, ia até à tasca aonde jogava manilha ou à bisca lambida com os compinchas do bairro, chegava até a gabar-se das aventuras da véspera e normalmente voltava a casa à tardinha já bêbado. Dormia uma sesta antes de sair novamente para a noite e uma vez por semana, contactava os diversos receptadores a quem vendia os produtos roubados e recebia o dinheiro.

No meio disto tudo, existia a mãe da Branca de Neve, de nome Serenela, que era prostituta e que tinha um horário semelhante ao do Adolfo, coincidindo na cama com ele às horas da sesta aonde umas vezes levava umas sovas de morte quando ele vinha mais entornado ou praticavam cenas de sexo tórridas, que nas palavras de Serenela, se lhe entregava pois apesar de tudo o Adolfo era o seu homem e com os clientes não tinha prazer.

Cada um contribuía com dinheiro dos seus ganhos para a educação de Branca de Neve, a quem ambos queriam que fosse, um dia, uma princesa.

Desde sempre a puseram em escolas longe do bairro para que a sua morada não pudesse ser identificada, compravam-lhe roupas caras, pagavam-lhe explicações e até lhe deram uma scooter vistosa para que pudesse cirandar pela cidade.

Como o nome indicava, Branca de Neve, tinha umas cores claras, muito bem feita de formas, atractiva, com uns bonitos olhos e nada diria no seu aspecto exterior ser filha dos seus progenitores que eram, de facto, do mais vulgar e rasca que havia.

Começara a dar-se com os rapazes do liceu que a achavam bonita, tinha conversa, aparentava dinheiro e como se vestia e calçava à moda, atraiu as atenções de Pedro, um colega de turma, filho de um engenheiro da Galp, segundo ele lhe dissera.

Um dia vira que o pai de Pedro o trouxera ao liceu num grande BMW e achou-o simpático e com bom aspecto, com um fato impecável e de gravata e pensou consigo mesma – gente da alta!

A relação ia-se estreitando cada vez mais e era já quase em exclusividade que passavam os dois os tempos livres juntos e o namoro assumiu-se perante a escola e os amigos de ambos.

Pedro dissera em casa que tinha uma namorada gira e ao descrevê-la todos acharam que deveria ser divertido conhecê-la, sobretudo porque o nome de Branca de Neve suscitara a maior curiosidade. Foi assim sugerido a Pedro que a convidasse um dia a ir lá a casa almoçar ou jantar.

Branca de Neve estremeceu quando Pedro lhe transmitiu o convite mas não deixou transparecer a sua reacção e disse-lhe com um ar natural que talvez sim, mas que seria melhor deixar passar ainda algum tempo, pois ela era envergonhada e ainda não tinha muito à vontade e o namoro ainda ia no princípio.

Pedro aceitou o argumento e disse-lhe que só o fariam quando a ela lhe apetecesse, mas não resistiu a contar-lhe os comentários e perguntas da família sobre o porquê do seu nome tão invulgar de Branca de Neve, confessando-lhe aliás que desde que a conhecera e das poucas vezes que tinha abordado o tema, ela sempre fugira à questão.

Nessa noite, Branca de Neve, convocou os pais para uma conversa tendo eles adiado o horário das suas saídas habituais e abordou pela primeira vez o namoro com Pedro, o convite para ir a casa da família dele, a curiosidade quanto ao nome, etc..

Serenela, demonstrando algum pânico, disse-lhe que tinha que acabar de imediato com o namoro dando uma desculpa qualquer e mudar de liceu pois tornava-se impossível que alguma vez viessem a descobrir quem os pais eram, o que faziam e aonde moravam.

Com a maior perplexidade, Branca de Neve, pediu explicações e disse que gostava do Pedro e que compreendia que tivesse que ser discreta, mas que não ia desistir da sua vida por causa dos pais.

Adolfo, que estava estranhamente calado, disse-lhe que tinham que conversar com tempo e com calma os dois e que a mãe fosse para o quarto ou que fosse à vida dela.

Contou-lhe que o nome lhe fora dado por uma visitadora da maternidade que ao vê-la recém-nascida a achara tão pura e tão clara que se oferecera como madrinha e propusera que se chamasse Branca de Neve.

Na altura deixara algum dinheiro que os ajudou nos primeiros tempos mas que desaparecera, tendo eles vindo a saber pelo hospital, que morrera num desastre de automóvel.

Quanto ao Pedro aconselhou-a a que antes de se envolver com ele e a sua família, procurasse no bairro outros rapazes que eram mais da sua criação, pois pelo que ela lhe contara, a diferença social era inconciliável e ela seria sempre infeliz.

Dias mais tarde, num apartamento de um amigo do Pedro que lhes emprestara para uma primeira experiência sexual completa entre ambos, Branca de Neve sentiu como ele se lhe entregara sem limites e sem perguntas, não lhe passando pela cabeça que ela não tivesse tomado todas a precauções.

Branca de Neve sentia-se feliz com Pedro e não tornara a abordar o tema com os pais e até lhes fora dizendo que a relação esfriara e que não havia necessidade de mudar de escola. Quanto a namorados, a seu tempo, veria ali no bairro com quem começaria a sair.

Umas semanas depois do encontro estavam uma tarde no parque, na relva, de mãos dadas, gozando a luz soberba e soalheira da Primavera e de repente Branca de Neve teve um desmaio momentâneo, quando Pedro aproximava a boca para lhe dar um beijo.

Ao recobrar os sentidos, abre os olhos e diz docemente:

- O meu príncipe acordou-me dando um beijo à Branca de Neve!

Sete meses depois, nascia o Ruben na mesma maternidade em que Branca de Neve tinha nascido, nos subúrbios da cidade de Lisboa.

No registo de nascimento (que agora já se pode fazer nos hospitais civis), constava que era filho de Branca de Neve e de pai incógnito.

MNA

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

insónia




Dizem-me que alguém morreu depois de intenso e prolongado sofrimento, que outro está a dieta líquida durante semanas e poderia estar aqui a desafiar inúmeras situações de perca da independência, da liberdade e da autonomia de se ser gente!

Isto causa-me insónias!

A morte não tem, cada vez mais, idades!

Dá para pensar, para já não falar no desconhecido do depois, como poderá ser difícil, angustiante e de sofrimento a pré-morte!

Isto causa-me insónias!

Vou tomar uma pastilha para dormir!

Deve ser bom, quando chegar a hora, não voltar a acordar depois de uma insónia pastilhada!

Tens razão, pintainho! Grita por socorro e não abras os olhos !

Um cão perfeito


UMA PERFEIÇÃO DE CÃO

Conheci um cão
Que falava
Que escutava
Que cantava
Que brincava
Que ladrava
Que fazia o pino
E que era um grande dançarino.

Que jogava à bola
Que perdia
Que ganhava.
Que estudava
E que andava
Comigo na escola.

E que tal?
Era ou não
Uma perfeição de cão?

Não acreditam?
Fazem mal.
Era um cão
De imaginação...

Maria Cândida Mendonça, O Livro do Faz-de-Conta

Femme noir


Femme nue, femme noire
Vêtue de ta couleur qui est vie, de ta forme qui est beauté !
J'ai grandi à ton ombre ; la douceur de tes mains bandait
mes yeux.
Et voilà qu'au coeur de l'Eté et de Midi, je te découvre,
Terre promise, du haut d'un haut col calciné
Et ta beauté me foudroie en plein coeur, comme l'éclair
d'un aigle.

Femme nue, femme obscure
Fruit mûr à la chair ferme, sombres extases du vin noir,
bouche qui fais lyrique ma bouche
Savane aux horizons purs, savane qui frémis aux caresses
ferventes du Vent d'Est
Tamtam sculpté, tamtam tendu qui grondes sous les doigts
du vainqueur
Ta voix grave de contralto est le chant spirituel de l'Aimée.

Femme nue, femme obscure
Huile que ne ride nul souffle, huile calme aux flancs de
l'athlète, aux flancs des princes du Mali
Gazelle aux attaches célestes, les perles sont étoiles sur
la nuit de ta peau
Délices des jeux de l'esprit, les reflets de l'or rouge sur ta
peau qui se moire
A l'ombre de ta chevelure, s'éclaire mon angoisse aux
soleils prochains de tes yeux.

Femme nue, femme noire
Je chante ta beauté qui passe, forme que je fixe dans l'Eternel
Avant que le Destin jaloux ne te réduise en cendres pour
nourrir les racines de la vie


Léopold Sédar SENGHOR, Chants d'ombre

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O homem do tempo


O homem do tempo ou o tempo do homem.

Duas coisas bem distintas

Uma inevitável, o tempo que temos

Outra como um aguadeiro de antigamente ou um pregoeiro de figos de capa rôta das ruas de Lisboa: “Quem quer figos quem quer almoçar?”

Há quem queira comprar tempo, dias, às vezes horas que se podem tornar em anos: por exemplo, se tiver umas horas a mais talvez me salve do enfarte e chegue a tempo ao hospital.

Há quem queira comprar tempo ainda mais refinado: anos de beleza, anos de saúde e a maioria, anos de felicidade. “Quem quer anos quem quer ser feliz? “ não me consta que houvesse em Lisboa de outros tempos pregoeiros de sonhos. Seria um sucesso, estariam ricos em pouco tempo.

O homem do tempo ou o tempo do homem.

Eu prefiro o tempo do homem, posso-o administrar, tanto quanto possível dentro de uma certa segurança, uma espécie de período de garantia.

Porém, quando for o homem do tempo que se aproxima,
já será o prenúncio do fim do meu tempo de homem.


MNA

domingo, 21 de agosto de 2011

Diário de um desmemoriado (9)



Domingo, 21 de Agosto

Hoje, desmemoriado que sou, esqueci-me do passado presente e reflecti sobre a felicidade.

Apreciar a alegria e a dor constitui a base da felicidade.

A felicidade é uma forma de viver, é uma conduta, uma maneira de estar agradecido ao sol, à lua, a quem nos estende a mão e também a quem nos abandona, pois certamente nesse abandono está a possibilidade de descobrirmos a força que existe dentro de nós.

A diferença entre o sábio e o ignorante é que o primeiro sabe aproveitar as suas dificuldades para evoluir, enquanto o segundo sente-se vítima dos seus problemas.

Se passarmos a vida a evitar o sofrimento, acabaremos por evitar o prazer que a vida oferece. Há milhares de tesouros guardados em sítios aonde precisamos de ir para os descobrir. Há tesouros guardados numa praia deserta, numa noite com estrelas, numa viagem inesperada... O importante é irmos ao seu encontro, ainda que isso exija uma boa dose de coragem e desprendimento.

As mudanças nunca ocorrem amanhã, mas sempre hoje, no presente.

Todos carregamos dentro de nós uma boa dose de loucura, que passamos a vida inteira a procurar esconder. Porém, um dia explodirá como um vulcão.

Viver sempre certinho, é como sentar-nos sobre um vulcão, que permanece inactivo por muito tempo, mas que, de repente, pode entrar em erupção. Negar as próprias aspirações é um desperdício de energia que faz falta para as nossas realizações.

Que não seja só mascarados no Carnaval ou num estádio de futebol que nos “soltamos”.

Devemos permitir-nos fazer loucuras todos os dias, até que façam parte do nosso dia-a-dia.

A infelicidade é uma forma de olharmos o mundo pelo lado contrário. Em vez de aproveitarmos o momento actual, lamentamo-nos do que poderia ter acontecido.

Infelicidade também é viver para impressionar os outros. Nascemos com um potencial infinito de realização. À medida que vamos sendo educados, durante a infância e a adolescência, perdemos a “rota original” da nossa própria existência. Deixamos de fazer aquilo que nos realiza e passamos a agir em função dos outros: pais, professores, e depois, toda a sociedade.

Nós somos mais importantes do que qualquer julgamento de terceiros.

No fundo, para se ser feliz, devemos viver para nos surpreender a nós próprios, e não aos outros. A maioria das pessoas passa pelas oportunidades sem lhes dar atenção.

Precisamos compreender que as oportunidades são poucas e que não podemos desperdiçá-las, por isso, não podemos perder muito tempo com as nossas escolhas.

Muitas vezes, a questão resume-se em pegar ou largar, e para isso devemos estar preparados.

A velocidade para descobrir a importância das coisas pelas quais devemos lutar é fundamental. Há quem sacrifique a vida para conseguir “status” e poder. No desejo de conquistar títulos e riquezas, sufocam-se os sonhos do coração. É uma grande ilusão.

Outros habituam-se a coleccionar virtudes para conquistar as simpatias alheias. Em vez de serem eles próprios, passam a ser como Jesus Cristo, Moisés ou Buda, sem perceberem que nenhum recomendou que fossemos iguais a eles, mas que simplesmente fossemos inteiramente nós próprios.

A felicidade é feita de pequenas “pérolas” que cultivamos a cada dia, a cada hora.

Devemos aprender a estar com nós próprios. Isso significa tratarmos das nossas emoções, dos nossos sonhos. Estarmos sempre atentos ao que se passa dentro de nós. Criarmos o hábito de nos observar. Não sermos como os cães que correm atrás da bola que o dono atira.

Aprendermos a ser afáveis, generosos, tratar das feridas, dos sonhos, sermos compreensivos com os erros, com as fraquezas, com os tropeções.

O medo pode tornar-se no nosso companheiro diário até aprendermos a olhá-lo com objectividade e descobrir que não passa da criação das nossas fantasias. É o que os orientais chamam de “tigre de papel”: quando se olha na escuridão parece um monstro, mas, à luz do dia, percebe-se que é feito de papel, sem nenhum poder de destruição.

É importante tirarmos o medo das nossas vidas. Muitos adultos infelizes foram crianças castigadas sem explicações, o que as tornou extremamente confusas.

Devemos assumir que o sucesso sem luta é impossível. O sucesso é a consequência de esforço, dedicação, planeamento. As magias são simplesmente ilusões.

Não existe magia na caminhada para o sucesso.

Também é importante temos um carinho especial pela criança que existe dentro de cada um de nós.

Costumamos esquecer-nos dessa criança durante os anos em que vivemos a lutar para conquistar os nossos objectivos. Mas, para estarmos em paz, é importante fazer as “pazes” com essa criança e cultivá-la todos os dias, para que ela se sinta amada, protegida e bem tratada.

O futuro é uma ilusão que será sempre diferente do que imaginamos.

O melhor momento para ser feliz é agora!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Diário de um desmemoriado (8)



5ºf, 18 de Agosto

“Cuando nadie me ve” de Alejandre Sanz é a música que escolhi à sorte do meu ipod.

"Quando ninguém me vê", neste sentido de perscrutar,não adivinhar o que me vai na alma. E mesmo que quisessem, “as veces es vento”!

Estou nessa, não me apetece pensar na crise, nas chatices, nem tampouco nas hipotéticas alegrias ou belos futuros.

Devia haver umas baixas médicas para se ficar em casa sem nada fazer. Não mexer-nos. Não falarmos. Não pensarmos.

A maçada do barulho de vizinhos, das contas que vêm no correio para pagar, das notícias de que alguém morreu, ou adoeceu gravemente ou ficou desempregado ou teve filhos, netos…eu sei cá!

Esta vida será assim tão boa como alguns a têm apregoado? Em prosa ou em poesia são todos uns grandes aldrabões!

Mesmo com muito dinheiro, são os problemas das bolsas que sobem e descem, o arrais do yacht que rouba, bebe, fornica na ausência do patrão na cabine principal, a mulher fútil que só pensa em vestidos, festas, em gastar dinheiro.

Já pensaram que ter dinheiro, muito dinheiro pode ser uma grande maçada, bocejo! O poder de ter tudo ao alcance do olhar, da mão que assina, da voz que ordena que pague, de no fundo ter tudo e não ter nada!

“As veces es vento” o que temos na cabeça! O que é bom pois refresca, passa, vai e vem, traz odores de pradaria, de mar, de flores, de céu azul e de tempestade, de chuva…..eventualmente NÃO traz notícias dos Homens, o que por vezes é descansativo.

Como será o caminho para o infinito…? o vento deve ajudar a chegar depressa!

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Carta do meu primo Luis Bernardo....finalmente chegou!


Resumo: Imaginem vocês que recebi uma carta de um primo que já morreu há vários anos e que me chegou à caixa do correio. No meu blogue está tudo explicado e as cartas trocadas foram abundantes, até há uns meses largos, tendo parado entretanto.

Creio ser o primeiro ser humano a ter verdadeiramente notícias reais, de além-túmulo. Deixei passar algum tempo para cair bem em mim, mas finalmente aparece alguém a explicar como tudo se passa. Aliás, nunca percebi porquê tantos mistérios!

Hoje tive nova missiva:

Meu Caro Manuel,

Interrompi esta nossa correspondência pois tenho andado, como te tinha anunciado, a visitar familiares e amigos.

Voltei ontem a estar com os teus Pais com quem tive uma conversa prolongada. O teu Pai continua a tratar do jardim em frente da casa, que está um primor: um relvado a perder de vista, rodeado de canteiros com as mais bonitas flores que possas imaginar. Um colorido que contrasta com o verde do gazon.

O terraço à frente, grande e espaçoso com guarda-sóis protegendo do sol, com mesas e cadeiras de jardim muito confortáveis, convidam à conversa.

Disse-me a tua Mãe, ao servir-me um refresco apetecível resultando, seguramente, da mistura entre groselhas e amoras, que lhe tinhas sempre perguntado que bebida seria a que no filme da “Música no Coração” estava num jarro de cristal em cima de uma mesa quando o Barão von Trapp conversou com a preceptora dos filhos!

Lembras-te?

Achei-os muito tranquilos e gozando da paz que aqui se vive. Estão sempre muito ocupados: ou visitam os teus Avós de ambos os lados e parentela ou, imagina tu, frequentam um curso de línguas que teriam sido as praticadas na Torre de Babel, pois querem ter acesso ao espólio colossal da biblioteca de Alexandria que foi a depositária de livros em miríades de idiomas antigos.

Falámos de ti e eu disse-lhe que te iria escrever a dar-te notícias.

A conversa versou sobre as várias peripécias que eles passaram como Pais e de que tu, a maior parte das vezes nem tomaste conhecimento, foste também protagonista pois os filhos são sempre os principais agentes, como em todas as famílias.

Amor – bem às vezes os filhos estão cheios de si e da sua nova importância e esquecem-se de pequenos detalhes de respeito, de consideração, de cumplicidade.

Têm menos sensibilidade e até gratidão, essa palavra que só quando sentimos a picada, nos lembramos de como é importante e que eventualmente também a não praticámos tanto quanto seria justo e desejável.

Mas dizia a tua Mãe: o grande remédio é escancarar as portas do coração e não fazer contabilidade!

Saber ser-se grande e não se queixar.

Não julgar – os teus Pais com tantas noras e genros, pensaram quando o ciclo de novas aquisições começou, que era preciso fazer uma de duas coisas: ou passar o tempo a embirrar, discordar e impor, com sucesso ou não, pouco importa…ou aceitar e não julgar demasiado, pela exclusiva razão de darem um forte contributo para a felicidade dos descendentes e seus cônjuges…sim, porque isto de se ser honesto até ao fim no gostar, não é para puxar só as brasas à sua sardinha.

É, como em tudo na vida, ser-se íntegro e integral, completo.

Netos – que grande fonte de alegria foram os 28 netos e uns quantos bisnetos enquanto foram vivos.

Dizem-me eles que também aqui é preciso, como no Direito, ser-se supletivo.

Estar ….este é diferente do .

É importante poder contar-se com, mas para os filhos e in laws, os Avós devem ser para além de SOS, uma fonte de estabilidade para todos.

Job – não sei porque se lembraram do Job, mas creio que até aqui já lhes chegaram os ecos da troika, imagina tu!

Tempos difíceis, sem dúvida! Cara alegre e aproveitar a crise para crescer em disciplina corporal, controle emocional e investir no amor pela família e ao calcorrear-se os passeios da “Avenida da Liberdade”, seja ela em que sítio do mundo for, respirar fundo até ao âmago.

Mentira esta do Job que os teus Pais e eu confirmámos aqui, quando chegámos , mas dá um jeitão para aí:

“Tu o deste, tu me tiraste! Bendito sejas! “.

Difícil hein? E injusto, tantas vezes!

E, por hoje já vai longa a missiva, mas vi na despedida, nos olhos dos teus Pais aquela ternura e amor que sempre sentiste neles por ti e que eles tão generosamente e sem limites te e vos deram.

Um abraço do teu primo muito dedicado.

Luis Bernardo

domingo, 14 de agosto de 2011

to be or not to be


Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta
Se é mentira, escreve leve
Se é verdade, não tem tinta.

(atribuída a FP)