domingo, 30 de junho de 2019

Ainda não chegou


AINDA NÃO CHEGOU

Hoje estive à tarde numa esplanada com um meu grande amigo e falámos um pouco sobre tudo desde política nacional, internacional a negócios aqui em Portugal e no estrangeiro. Já não estava há algum tempo com ele (uns 2 meses) e gosto sempre de pôr a conversa em dia.

No fim quando vínhamos para o carro, citámos fulano, amigo dos dois, que estando velho (mais de 75 anos) se sentia muito abandonado pelos filhos. De óptima saúde e energia, mantendo a lucidez total, ainda viajando cá em Portugal e no estrangeiro, tem o epíteto de velho.

E seguimos falando da velhice em Portugal que é aonde moramos e vivemos.

Não há dúvida que os tempos mudaram mesmo e a geração mais nova tem outros hábitos em relação aos mais velhos. Têm a sua vida acelerada e não têm pachorra para vir estar com os Pais ou Avós que estão sempre desejosos de os ouvir e encontrar e expressar o seu amor e ternura.

Compete a ambas as partes tornar cada encontro um momento de “novidade” e de refrescamento para não se cair na rotina das mesmas conversas sobre doenças, queixumes, dinheiro, atitudes radicais em relação à nova geração que é quem segue e se responsabilizará pelo futuro.

A grande regra é de se saber escutar, eventualmente até nem dar muitas opiniões, sobretudo contrárias e categóricas sobre assuntos de que se não sabe porque se não viveu ou vive.

Os filhos gostam de ouvir dos Pais apoio, conforto nas vidas duras que vão tendo ( a dureza nem sempre significa sequer o dinheiro) até porque há casais novos com muitos problemas, morais, de convivência, de escolha de vida profissional, de separações e divórcios e de netos mais abandonados a viverem novas situações emocionais bem como a encontrarem uma sugestão doce e serena que se adivinha ser fruto da experiência, observação, do tal decurso da idade.

Outra vertente importante é a demonstração de afecto físico, beijos gordos e abraços fortes, que tanto sabem bem: são fruto de amor, de cumplicidade e da expressão do reconhecimento que sentem quando se encontram.

Hoje em dia são os Pais ou Avós que VISITAM os filhos e netos, com quase uma audiência pedida para verem os mais novos pois podem estar no treino de futebol, na aula de inglês ou no rugby (tudo coisas salutares) ou ainda a terem que fazer os trabalhos de casa. Entretanto, nem sempre os filhos têm os Pais em casa ou porque trabalham ou têm outras actividades. São substituídos por empregadas fiéis (normalmente estrangeiras…) e um aparecimento depois das ditas actividades ou mesmo durante pelos Avós não é benvinda. Depois vão jantar e deitarem-se e na realidade passam-se semanas sem se poder conviver nem marcar a presença dos Avós na vida dos netos.

Fenómeno que foi praticado na geração acima e que deixou numa percentagem muito alta raízes bem fortes e um prazer mútuo que se perpetuou através dos tempos. Gostava-se dos Avós pois mesmo que a maioria fosse considerada como “velhos” para além de não ser verdade era a oportunidade de encontrar pessoas da família com menos regras rígidas, facilitadores de pequenas fugas ao estatuído e de um verdadeiro amor que é diferente daquele que se tem pelos Pais.

E a conversa terminou com um grande vazio e sem certezas do que acontecerá a todos quantos se vão aproximando da dita velhice pujante e lúcida, válida.

Como convocarmos o amor e ternura dos nossos filhos que são carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. Aqueles que suscitaram no dia do seu nascimento, orgulho, emoção e comoção, e a promessa interior de darmos a vida por aquele ser se preciso for. Este amor…palavra e sentimento que se vai abandonando progressivamente por ser piegas ou inexistente, tem tantas vezes “untold stories” que os filhos não conhecem pois fazem parte da construção da vida deles feita por nós com defeitos e às vezes sem razão, mas com AMOR, tantas vezes preocupação, medos, incertezas e tristezas mas também alegria, orgulho e satisfação pelo resultado do nosso trabalho.

Vitórias nas escolas, boas notas, adaptação aos outros, naturalidade, observar-se com atenção carinhosa o crescimento dos filhos e como fazem as mães vitelas, dando umas marradinhas de amor, quando querem sair do rebanho, doenças duras e difíceis, limitações, e tantas outras coisas que lhes não contamos mas que ficam a contabilizar no nosso coração até ao dia da nossa morte, sem cobrança de juros. Esses são pagos em presença, amor e interesse pelas sucessivas fragilidades que a idade vai trazendo.

Para aonde se ficar? Em lares aonde espetam pela boca abaixo de manhã pastilhas para se ficar aniquilado e sem dar trabalho o dia inteiro, ou instituições mais sofisticadas em que as pessoas são acompanhadas por enfermeiras/os e outros que lá estão.

Mas toda esta gente não substitui os filhos e netos e por isso se diz que há um número crescente de Pais abandonados, numa crescente situação séria e preocupante.

Ora deixo-vos esta transcrição da minha conversa com o meu amigo e talvez possamos reflectir em conjunto, pois dos Governos, sejam eles quais forem nada há a esperar.

Como dizia um autor de que me não lembro o nome “ temos que começar por tratar de nós e bem”. Não era no sentido egoísta evitando a doacção aos outros mas para não chegarmos à situação de abandono.

A velhice e a reforma têm que se preparar com tempo e inteligência.

Outro tema que é o corolário deste é o da morte. Fica para outra conversa.

sábado, 8 de junho de 2019

EQUILÍBRIO


EQUILÍBRIO

Chega-se ao Verão e apodera-se de nós um certo desequilíbrio. Uns por terem férias a mais os outros por não terem de todo em todo, ou só umas idas à praia de Algés para molhar os pés.

É o Sol a mais, são as expectativas frustradas de bom tempo pela mudança do clima, é um certo vazio de dias longos sem nada para fazer, sobretudo para quem não lê ou toma banhos de mar, é a traquinice das crianças pequenas – um cansaço – as inevitáveis discussões em casal pois uns querem facilitar ou empurrar para os outros e alguns estão fartos da família no dia a dia na modéstia dos apartamentos do Senhor Roubado, sem glamour e rotineiros.

Tantas poderiam ser as razões para que umas férias que por definição são para desfrutar e descansar se tornem infernais e se contem os dias para regressar.

Mas voltemos ao desequilíbrio que é o contrário do título: que vida a nossa em permanente contrariedade, com raríssimas excepções, sobre tudo quanto nos apetecia, se sonha, se deseja, se luta para conseguir, se consideraria como a definição de vida!

E se o destino é cinza, pó e nada ainda mais estranho nos parece este percurso terrestre. Quantas vidas cinzentas escuras sem interesse, com sofrimento, sacrifício e uma espécie de desorientação sem saber para aonde nos virarmos.

Havia na primária, nos recreios, um menino gordinho, o Sálvio, que era boa criatura mas parecia uma bolinha de futebol. Os meninos maus e trocistas, nos quais eu não me incluía, mas não tinha ainda a idade nem o sizo para saber como me opor com eficácia…talvez até alguma cobardia, punham-se à volta dele e vinha uma estaladona de um lado; quando virava a cabeça para ver quem tinha feito levava outra estaladona do outro e assim sucessivamente sem se defender até que os bullyonistas ( nessa altura eram malvados) se cansassem.

Ele chorava e um dia atreveu-se a contar à professora. Sei que o Sálvio nunca mais foi visto na escola.

Ora às vezes somos um pouco de Sálvios, pois a nossa vida não tem EQULÍBRIO com que titulei esta pequena nota.