domingo, 30 de junho de 2013

Recomeça.... se puderes, sem angústia e sem pressa.

Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-los em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...

Miguel Torga

sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Papa Francisco outra vez no meu blogue


Extractos de de uma carta de resposta para a minha Amiga Isabel Jácome, via o seu blogue "Escrever por dentro":

Quando revejo no fim de cada dia, como correu e os resultados obtidos, a satisfação ou desencanto do desenrolar das horas, desde que o Papa Francisco foi eleito, aconteceram na minha vida, duas coisas:

- primeiro, há uma sensação de ter um amigo bondoso e sorridente que se eu for consultar por qualquer forma de meio de comunicação, me trará paz e desviará do meu pensamento sensações de desconforto, penosidade ou sofrimento. Tem sempre qualquer episódio diário em que interveio, que revela a normalidade da vida simples de um ser humano, igual à minha e à sua ( que encanto, ter voltado atrás para convidar o Henrique Cymerman e a sua equipe da SIC, para se juntarem ao jantar – simples e discreto – porque não se tinha apercebido que tinham trazido o Rabbi e que iriam esperar até terminar a conversa e refeição entre os dois).

Portanto, “sinto-me em casa”, só posso dizer que é uma sensação de relaxamento que me tira o stress! E isso é bom, muito bom!

- segundo, mais complicado porque mais sério, ajuda-me a ensaiar a rezar e dirigir-me a um Deus que o Papa Francisco “vende” tão fantásticamente bem que apetece voltar a intensificar o Seu conhecimento, através do Papa Francisco.

Esta é a grande novidade do Papa Francisco: o Deus que eu não vejo, oiço, nem sei se existe, passa de uma penada a estar representado num Papa em que eu acredito no que diz.

Por isto tudo, e digo-o com humildade e sem vergonha, têm sido tempos de perturbação, mas com progressos copiosos de riqueza interior, num momento da minha vida em que preciso disto mesmo, e a minha gratidão é imensa.

Eu sei o que diria o bom do meu amigo Papa Francisco, e era mesmo o que pensaria: é que ele é um mero instrumento de Deus e por isso a minha gratidão deve ser dirigida ao seu Patrão.

É tão bom termos uma espécie de cantinho feliz dentro de nós aonde, contra ventos e marés, nos possamos recolher quando aflitos?

Pois o Papa Francisco conseguiu criar-me esse “jardim que não é secreto” porque apregoou-o com todo o entusiasmo.



quinta-feira, 27 de junho de 2013

Ser Pai


Eu acho que há assuntos em que os Pais poderão arcar com a maior parte da “carga” pesada em relação aos filhos. Eu explico: a morte, a doença, a infelicidade conjugal, coisas de tipo “duraço” que lhes possam ocorrer!

Naturalmente que é preciso, por um lado que se seja um verdadeiro Pai, isto é, gostar-se dos filhos e pelo outro, que os filhos sintam aquela affectio que torna possível uma relação verdadeira e real, de parentesco.

Morre-se novo, de desastres, de desaires, inesperadamente.

Morre-se de doença súbita, prolongada, com sofrimento, com resignação ou revolta, às vezes até demora a acontecer.

"Morre-se" de infelicidade por solidão, por falhanço de projectos de vida conjugal seja ela a forma por que se possa revestir, ou por incompatibilidade de feitios, ou por cansaço e desencontro, ou pura e simplesmente por falta de vocação para amar, assim em sossego, em remanso, a dois.

Há quem ame globalmente: O Papa Francisco, as freiras e frades de clausura, os incontinentes sexuais, os servidores dos pobres e humildes de qualquer raça e religião ou credo, os puros de coração.

Voltando aos “duraços” dos Pais, eu acho que o nosso choro ou estoicismo em aguentar com boa cara o que no íntimo está em pedaços, o “tenir” (verbo francês aqui aplicável) tem a ver com o arcaboiço, com os ombros que os levaram ao colo, com os braços que os pescaram do mar no meio de uma onda rebelde, com a voz firme ainda que trémula que encoraja e com o ânimo com que se lhes fala de futuro, seja ele o que lhes vier a ser destinado e com a duração e o conhecimento que, a experiência, nos adivinhar.

É como o rugby…não me venham com tretas…há lá moche alguma vez, com Mães! Ficavam feitas em papa!

Este suor e sujidade da lama e da terra, esta força controlada de corpo contra corpo, é disto que eu falo aqui e não em exclusividade de maior merecimento dos Pais.

A dor mais contida, o pairar por cima da emoção quase incontrolável, parece-me, concede aos Pais um papel de uma responsabilidade majorada no consolo nas aflições e no refúgio de amparo, e também quando os filhos querem, a aceitação de algum conselho, com humildade, mas com interesse e experiência.

Afinal, este pequeno apontamento, para dizer como é gratificante, bom, e único ser-se Pai.


“Algo deve mudar para que tudo continue como está” de Tomasi di Lampedusa


“O Leopardo”, de Tomasi di Lampedusa, publicado postumamente e popularizado pelo gênio do cineasta italiano Luchino Visconti, narra a decadência da nobreza e a ascensão de uma nova classe na Itália do final do século 19, endinheirada, destituída de sangue azul, mas ávida para comprá-lo.

Nicolau Maquiavel é o que se pode chamar de unanimidade entre os estudiosos da ciência política. Na verdade, com a publicação de seu pequeno grande livro, “O Príncipe”, foi considerado o fundador da ciência política moderna. A obra constitui uma lição de sabedoria sobre como a natureza humana se comporta diante do poder; sobre como as pessoas se revelam em sua essência diante do poder. Os ensinamentos contidos nos escritos do sábio de Florença ilustram o caminho que devem seguir os governantes para manterem seus principados.

O mal deve ser feito de uma só vez, ao passo que o bem deve ser feito aos poucos; deve-se ver a realidade tal como é, não como se deseja que seja; quem governa deve ser temido pelos adversários e amado por quem é o responsável pela sua manutenção no poder — o povo.

São ensinamentos como esses que fizeram de “O Prín­cipe” uma leitura de cabeceira de vários poderosos pelo mun­do afora. Napoleão Bona­parte, ex-imperador da França; Chur­chill, ex-primeiro ministro da Inglaterra e Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da Re­pública do Brasil e tantos outros que surfaram nas ondas do poder sempre tiveram esse clássico da ciência política bem perto de si.

Assim, se, por um lado, ser maquiavélico se relaciona a esperteza, astúcia, a aleivosia e a maldade, por outro, de uma maneira mais ampla, os ensinados de Maquiavel constituem uma lição para políticos no que diz respeito à arte de se manter no poder.

Outro importante aspecto enfatizado pelo sábio florentino em seus escritos se refere a um momento em que uma velha ordem de valores é contestada e as sociedades entram em conflito para que surja uma nova ordem, diferente da antiga. Para ele, “devemos convir que não há coisa mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem por inimigos to­dos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem, e como tímidos defensores todos aqueles a quem as novas instituições beneficiariam”.

Momentos assim são difíceis, não só porque geram instabilidades, mas sobretudo porque, na maioria das vezes, são como um pontapé numa já podre porta. Na maioria das vezes, tais situações exigem derramamento de sangue. É daí que surgem as guerras e as revoluções. A história está aí para nos mostrar que isso é uma verdade. Que o digam os estudiosos da Revolução Francesa, que bem sabem o que ela significou: a nova ordem, alicerçada no poder da razão, veio contestar o poder absoluto e divino da monarquia. Que o digam os pesquisadores da Segunda Guerra Mundial, que mudou o centro do poder da Europa para um novo país: os Es­tados Unidos.

Vale ainda ressaltar uma última reflexão maquiavélica que nos servirá aos propósitos destes escritos: a de que os príncipes que não percebem os ventos da mudança e não mudam seu modo de proceder têm um destino certo: a ruína.

As reflexões de Nicolau Maquiavel certamente foram úteis para que um conterrâneo seu elaborasse, quase cinco séculos depois, um dos maiores clássicos da literatura universal. Falo de “O Leopardo” (“Gat­to­pardo”), de Tomasi di Lam­pedusa. O Gattopardo “bigodudo dançando na fachada do palácio, no frontão das igrejas, no alto dos chafarizes, nos azulejos das casas” se constituía no símbolo maior da opulência de uma nobreza que se via ameaçada pela mudança, pelos novos ventos da República. Posto isso, apresentemos primeiramente o autor, para, em seguida, abordarmos o conteúdo de seus seminais escritos.

Tomasi di Lampedusa pertenceu à nobreza italiana. Du­que de Parma, príncipe de Lampedusa, lutou na Primeira Guerra Mundial. Viveu a maior parte de sua vida entre Roma e Palermo. Homem de grande cultura, tinha em mente escrever um romance sobre a decadência da nobreza da Sicília, desde os anos 1930, coisa que veio a concretizar-se somente 25 anos depois.

Lampedusa faleceu em 1957 sem conseguir publicar sua obra-prima. Motivo: editoras recusaram sua publicação. Certamente, dessa miopia editorial foi vítima outro grande escritor: Marcel Proust, com seu seminal romance, que se tornou um patrimônio da literatura universal. Trata-se de “Em Busca do Tempo Perdido”. Proust, assim como Lampedusa, teve inicialmente seus escritos recusados por uma grande editora francesa.

Postumamente publicado, o romance de Lampedusa se tornou um imenso sucesso, popularizado pelo gênio do cineasta italiano Luchino Visconti, num filme que ganhou a Palma de Ouro, do festival de Cannes, em 1963: “O Leo­pardo”. Alain Delon, Burt Lan­caster e a bela Claudia Cardinale foram as estrelas desse grande sucesso que foi o romance de Lam­pedusa nas telas.

Tradição e decadência

Na transição do século 19 para o século 20, a Itália se constituía na época numa série de principados que se rivalizavam entre si, completamente desarticulados de uma unidade nacional. Nesse contexto, era evidente a decadência da nobreza, da mesma forma que se tornava visível a ascensão de uma nova classe, endinheirada, destituída de sangue azul, mas ávida por tê-lo — ou comprá-lo.

O ambiente em que se desenvolve a narrativa de Lampedusa revela um clima árido e ao mesmo tempo de pouca higiene, expresso em passagens como essas: “Don Fabrício encontrara 13 moscas no copo de granita”, “um pesado cheiro de fezes exalava tanto das ruas quanto do vizinho quarto dos cântaros”. Eis aí o retrato de uma classe em decadência, presa aos valores da tradição.

Do ponto de vista da história da Itália, estava em andamento no seio da sociedade uma revolução comandada pelo libertador Giuseppe Garibaldi, cujo objetivo, bastante claro, era unificar o Estado italiano. A nova ordem de valores trazia embutida em si práticas eminentemente iluministas, apregoados pela Revolução Francesa. Ou seja: liberdade, igualdade e fraternidade eram os valores que os comandados de Garibaldi defendiam, procurando com isso defender a igualdade de oportunidades para todos. Inten­cionava a nova ordem unificar da Sicília ao Reino da Sardenha, bem como nomear “alguns ilustres sicilianos como senadores do reino”.

Os novos ventos revolucionários expressavam no fundo uma luta entre a tradição e a modernidade. A tradição, representada por uma nobreza saudosista e arraigada aos seus valores; a modernidade, representada pelos valores liberais da revolução garibaldiana, que os novos ricos endinheirados logo entenderam e apoiaram.

É exatamente essa transição de uma velha ordem para uma nova que se desenrola no romance de Tomasi di Lampedusa. Um ambiente repleto de saudosismo, do velho, que se ia, mas, ao mesmo tempo, da astúcia daqueles que percebiam a necessidade de se adequar à nova ordem de valores, para assim sobreviver aos ventos da mudança. Viviam-se naquela época os tempos que ficaram conhecidos na história daquele país como “Rissor­gi­mento”, que unificou o país até então imerso em pequenos reinos dominados por potências estrangeiras.

O romance em si

Os ventos originados da nova realidade revolucionária chegaram à Sicília especificamente no seio do Palácio Donnafugata, onde habitava uma família símbolo da nobreza decadente e apegada às tradições: os Salinas. Estes, se viram obrigados a lidar com um ambiente de mudanças, em cujo contexto uma nova ordem de valores estava em gestação.

Chefiava o clã o príncipe Fa­brício de Salina, marido de Stella, uma mulher de moral quase vitoriana, muito arraigada às tradições. Tais características inerentes à personalidade da esposa de Don Fabrício diretamente refletiram, ao longo dos anos, no relacionamento do casal. Para o marido, a mulher era “prepotente demais, e velha demais também […] tive sete filhos com ela, sete; e nunca vi seu umbigo”.

Inteligente, dotado de espírito científico, Don Fabrício se constituía no símbolo maior daquela nobreza falida, impotente ante as mudanças trazidas pela revolução, com seus efeitos sobre a rígida estrutura social do reino da Sicília. Fabrício era consciente de que a monarquia trazia “os sinais da morte no rosto”. Igual clareza da decadência da nobreza e do surgimento de uma nova ordem em gestação tinha também o personagem mais astuto, no sentido maquiavélico, do romance de Lampedusa: Tancredi, sobrinho de Don Fabrício.
A astúcia de Tancredi o levou a perceber a necessidade de sobrevivência numa nova realidade. “Se nós não estivermos presentes [na revolução], eles aprontam a Re­pública. Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. Fui claro?” Cer­ta­mente, em torno dessa contradição, se centra o ponto alto da obra seminal de Tomasi de Lam­pedusa. Uma contradição percebida pelo astuto Tancredi e logo assimilada pela inteligência e racionalidade de Don Fabrício.

Para que tudo mudasse e permanecesse como estava, seria necessário cooptar integrantes da nova classe social. Esta, embora sem os títulos de nobreza dos Salina, detinha algo que eles já há muito não tinham: dinheiro. Dinheiro que possuía Don Calogero Sèdara, um plebeu rude, pai da bela Angélica, ávido por um título de nobreza. Refinada pelo dinheiro do pai, a filha de Don Calogero não deixava em certos momentos de evidenciar traços de sua origem.

A assimilação dessa nova ordem pela nobreza falida é ex­pressa com riqueza de detalhes no momento em que Don Fabrício comenta com a mulher Stella a necessidade do casamento do sobrinho Tancredi com Angélica: “Dinheiro, porém, ela vai ter; dinheiro nosso, em grande parte, mas administrado até bem demais por Don Calogero; e Tancredi precisa muito disso: é um fidalgo, é ambicioso, é gastador”.

Em outra passagem, o príncipe enfatiza sua admiração pela astúcia de seu dileto sobrinho. Manifesta essa admiração no momento em que repre­ende o filho, tonto e cego de ciúmes do brilhantismo do primo, “mas papai, o senhor na certa não pode aprovar: ele foi se juntar com aqueles canalhas que alimentam a desordem na Sicília; isso não se faz”, disse o Duque de Querceta ao pai que, furioso, prontamente lhe respondeu: “Melhor fazer bobagens do que passar o dia inteiro olhando o cocô dos cavalos! Gosto de Tancredi ainda mais do que antes. E, aliás, não são bobagens. Se você puder fazer seus cartões de visita com a inscrição ‘Duque de Querceta’ e se, quando eu me for, herdar algum dinheirinho, será graças a Tancredi e a outros como ele”.

A narrativa introspectiva de Lampedusa consegue extrair de seus personagens sentimentos secretos, tão comuns a nós seres humanos. Sentimentos que muitas vezes procuramos esconder nos subterrâneos de nossa alma.

Uma das filhas do príncipe, Concetta, simboliza no romance a mesma rigidez moral de sua mãe, Stella. Apaixonada por Tancredi, Concetta carrega ao longo da vida a incapacidade de flexibilizar emoções ante o amor não correspondido do primo, que opta por se casar com Angélica. Esta, além de despertar-lhe o desejo de eros, possuía o vil metal, que o falido sobrinho de Don Fabrício não tinha. Para que tudo continuasse como estava, foi preciso que tudo mudasse. Tudo mudar significa a velha or­dem aderir aos ditames da nova ordem, representada pela unificação da Itália em torno de um novo centro de poder: Vitor Emanuelle. Nessa nova ordem, a política viria a preponderar sobre a nobreza. Nessa nova ordem, Tancredi mudaria de papel: de nobre, se tornaria político. E assim tudo continuava igual ao que era antes.

Vale enfim ressaltar os temores da igreja com o surgimento de uma nova ordem de valores. Lampedusa o faz na figura do padre Pirrone, que “discursava sobre os futuros e inevitáveis sequestros dos bens eclesiásticos; o fim do suave domínio da abadia nos arredores; o fim das sopas distribuídas durante os duros invernos”.

Os ensinamentos

Um livro, para ser considerado um clássico, tem de necessariamente obedecer a uma condição: de tempos em tempos, tem de suscitar a revisitação, pois seus escritos nunca envelhecem. Os clássicos nos ajudam a entender a vida e suas encruzilhadas. Alçar essas encruzilhadas à luz da razão certamente nos ajuda a viver melhor com nós mesmos e com as outras pessoas — sejam elas iguais ou diferente de nós.

“O Leopardo” (ou “Gatto­pardo”) é considerado, por essa razão, um clássico da literatura política. Quem o lê e entende a mensagem embutida nos escritos de Lampedusa, termina a leitura maior do que quando iniciou. É nesse sentido que os clássicos, na condição de clássicos, nos levam à reflexão e àquilo que disso resulta: o auto entendimento e a compreensão dos segredos da vida. O que importa na vida, como bem diz Guimarães Rosa, não é o fim nem o começo, mas a travessia que se faz ao longo dela.

Don Fabrício de Salina e seu dileto sobrinho Tancredi viveram esse mundo de mudanças. Per­ceberam as mudanças e tiveram astúcia para se adequarem a elas. Não se pode dizer o mesmo de Concetta e sua mãe, Stella. A rigidez moral e o apego aos valores da tradição as mantiveram presas às amarras do passado. Os valores do mundo mudaram, e elas não conseguiram dentro delas mesmas, se adequar a uma nova realidade. Stella morreu traída pelo marido, que já não se sentia por ela atraído; Concetta, tal como suas duas irmãs, permaneceu solteira e, no recanto de sua solidão, na velhice, guardava consigo lembranças do passado e de um amor não correspondido.

A vida é assim. O mundo é assim. Basta cada um de nós transportar a sábia mensagem contida nos escritos de Lampedusa para o nosso dia-a-dia. No núcleo familiar, na vida social, nas organizações em que trabalhamos. Temos de conviver com todo tipo de gente: ambiciosos, ingênuos, astutos. Viver melhor passa por esse entendimento do comportamento do ser humano. Aqui, ou em qualquer parte do mundo, é fundamental sabermos como agir nos momentos em que as turbulências chegam. Viver melhor é compreender as mudanças do mundo e a elas se adequar. Nesse sentido, “O Leopardo” nos ajuda a entender os segredos da vida, em que o poder é a força motriz de tudo.
 
Soares Correia

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Redescobrir o Jesus «perdido», reencontrar o Cristo «desperdiçado»

1. A nossa história é o lugar do encontro de Deus com o homem. Mas a nossa vida acaba por ser, também, o local do desencontro do homem com Deus.
Nestes vinte séculos de peregrinação pelas estradas do tempo, os cristãos obtiveram importantes ganhos. Mas manda a honestidade reconhecer que também coleccionaram bastantes perdas.

2. Muitas vezes, nem reparamos no que podemos estar a perder. Talvez não nos apercebamos de que — como adverte D. António Couto — podemos estar a perder «Cristo e o Seu estilo de vida».
Acontece que este é o maior (a bem dizer, o único) desperdício. Perder Cristo e o Seu estilo de vida não é perder alguma coisa; é perder tudo.

3. Fará sentido um Cristianismo sem Cristo, um Cristianismo longe de Cristo?
Não é Cristo que nos perde. Somos nós que nos perdemos de Cristo. Que fazer para redescobrir o Jesus perdido e para reencontrar o Cristo desperdiçado?

4. É imperioso que o Evangelho perpasse, que nunca se desfaça e que sempre nos refaça.
É fundamental que as energias se gastem na missão e não se desgastem em tantas adiposidades que os séculos foram introduzindo.

5. A leveza do Evangelho reclama uma cura da obesidade burocrática que tão aprisionados nos retém.
Não raramente, parece que vivemos entalados entre uma bulimia funcionalista e uma anorexia vivencial.

6. É neste sentido que — como observa D. António Couto — todos, «bispos, padres, consagrados e fiéis leigos deverão ser muito mais evangelizadores e muito menos funcionários, administradores ou gestores».
A Igreja deve habituar-se a sair para que as pessoas possam entrar. No fundo, também estamos dentro quando evangelizamos fora. É que a Igreja não se faz só no edifício. Também se refaz no meio das pessoas, «com simplicidade, verdade, coragem». E sobretudo «com Cristo no coração».

7. O Evangelho não deve ser imposto de uma maneira pesada nem apressada.
Ele só pode ser anunciado de uma maneira leve e pausada: «sem ouro, prata, cobre ou alforge». E sem pressas.

8. Tenhamos presente que o mundo dispensa bem uma Cristandade fechada, ensimesmada, integrista.
Do que a humanidade está à espera é do Evangelho integral: em forma de palavra e em forma de testemunho de vida.

9. O Evangelho não é só para traduzir nas mais diversas línguas.

Acima de tudo e como nos lembra D. António Couto, o Evangelho é para ser «traduzido em gestos novos, porque convertidos, de oração, comunhão e missão».

João Teixeira


Vida de cão


terça-feira, 25 de junho de 2013

Beleza

Uma flor acaso tem beleza?

Tem beleza acaso um fruto?

Não: têm cor e forma.

E existência apenas.

A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe.

Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.

Não significa nada.

Então por que digo eu das coisas: são belas?


Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

Sou companhia, mas posso ser solidão

Sou companhia, mas posso ser solidão. Tranquilidade e inconstância, pedra e coração. Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono. Música alta e silêncio…

Clarice Lispector

segunda-feira, 24 de junho de 2013

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Resposta do meu primo Luis Bernardo


Meu Caríssimo Manuel,

Aqui tens a minha resposta à tua queixosa missiva.

Espero que desta vez, como tu me dizias, aches que te dou razão.

Vou passar uns dias a casa dos teus Pais - numa propriedade linda que eles acabaram de restaurar - com tudo quanto a vida bucólica do campo proporciona.

Depois te contarei, até porque pressinto que quando a tua Mãe me convidou e a mais uns quantos amigos e parentes, me deu a impressão que quer ter uma conversa comigo para eu te passar algum recado. Pode ser só impressão minha.

A correr me despeço e até muito breve.

Do teu primo muito amigo, recebe um grande abraço

Luis Bernardo

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Carta ao meu primo Luis Bernardo - pedras no caminho, de Drummond de Andrade


Meu Querido Luís Bernardo,

Hoje ao folhear um livro de poesias de Carlos Drummond de Andrade, que comprei no Brasil há já alguns anos, tropecei numa pedra:

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

E pensei no sentido da repetição de ter uma pedra no meio do caminho e liguei às retinas tão fatigadas

Quer dizer, já se está tão cansado de lutar pela vida com todas as suas luzes e sombras, de se ser criticado, que já não se enxerga a pedra no caminho, e a insistência é uma referência à desistência, um apelo forçado à tristeza e ao abandono de quem nos rodeia, uma sentença quase de morte no afecto, no perdão, no esquecimento e na punição sem misericórdia.

Sendo Drummond de Andrade um dos poetas de quem eu mais gosto e leio, e conhecendo esta poesia da “pedra”, nunca a tinha olhado desta maneira.

Luís Bernardo, é forçoso que tudo se aceite?

Eu sou dos que, ao admirar e cada vez mais este Papa Francisco, cheio de bom senso, caridade e doçura, reconheço-lhe vigor e até uma certa veemência verbal, adoptando um ar mais sério, quando se pronuncia sobre assuntos que para ele são indiscutíveis, não a nível pessoal, mas ao múnus da Igreja a que pastoreia: o respeito pelos que sofrem, a ajuda aos mais pobres, a condenação dos exploradores e opressores dos mais desfavorecidos, e repete-o, a alegria que deve encher a nossa vida.

Ora, as pedras, magoam e sobretudo se se lhe dão topadas, por não se vislumbrarem por cansaço de visão e de tristeza e causam o oposto da alegria.

Diz-me cá tu, Luís Bernardo, o que farias se tivesses pedras no caminho? Pegá-las e ainda que com esforço, arremessá-las de volta, desprezares quem tas põe no caminho, sofrer sem nada fazer, teres instintos de vingança?

Deixa-te de bons conselhos, hoje apetece-me que sejas um homem valente e tomes o meu partido, não me venhas com falinhas mansas de paz e de concórdia. Pedras não têm a ver com orgulho próprio, soberba, até falhas...são postas por outros.

As pedras são pedras, não há outra maneira de as definir. Não são como o ouro de El-Rei Dom Diniz que no regaço da Rainha se transformaram em rosas. Linda de morrer a lenda, mas isso foi em Estremoz e lá para os meus lados.

Enfim, escreve o que quiseres e eu logo verei se te sigo. Claro que não quero forçar-te a dizeres-me o que quero ouvir.

Mas sê compassivo e dá-me razão, por uma vez!

Teu primo muito afeiçoado

Manuel


Escrever é esquecer


Escrever é esquecer. 

A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. 

A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. 

Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Fernando Pessoa

Havia uma rapariga que era maior de um lado que do outro

Vou contar uma história. Havia uma rapariga que era maior de um lado que do outro. Cortaram-lhe um pedaço do lado maior: foi de mais. Ficou maior do lado que era dantes mais pequeno. Cortaram. Ficou de novo maior do lado que era primitivamente maior. Tornaram a cortar. Foram cortando e cortando. O objectivo era este: criar um ser normal. Não conseguiam. A rapariga acabou por desaparecer de tão cortada nos dois lados.

Herberto Helder

cortar os próprios defeitos pode ser perigoso

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro.

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

Clarice Lispector

segunda-feira, 17 de junho de 2013

"os amigos não morrem: andam por aí" por Lobo Antunes

Os amigos não morrem: andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda: desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido. É como, não: nunca partiram.

António Lobo Antunes

domingo, 16 de junho de 2013

mentirola que dói


Pessoas com vidas interessantes



Pessoas com vidas interessantes trocam de cidade. Investem em projectos sem garantia. Interessam-se por gente que é o seu oposto. Pedem a demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de côr preferida, de prato predilecto. Começam do zero, inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem ao palco, rapam o cabelo, fazem loucuras por amor, compram passagens só de ida…

In “Uma vida Interessante”
Martha Medeiros