sexta-feira, 30 de março de 2012

Winston Churchill


As he approached his 90th birthday, Winston Churchill was asked the secret of longevity.

"Sport," he replied. "I never, ever got involved in sport."

Momentos


Há milhões deles. Biliões. Triliões mesmo.

Somem-se todos e serão o tempo de uma vida.

Chamamos-lhes Momentos.

Não têm nenhum tempo convencionado. Pode ser um minuto ou uma hora ou um segundo. Vão e vêm e assim se transformam em Memórias. E aí, permanecem. São nossos para sempre e ninguém nos pode tirar. Nem podemos ver-nos livres dos maus momentos que não queremos relembrar.

Após alguns anos de os coleccionarmos, constatamos que é tarde para fazer alguma coisa sobre os que já passaram. Mas podemos sempre fazer algo sobre os que estamos a viver e dos que estão para vir. E sobre os cem mais que acontecem a cada dia, e os milhares a cada semana, e por aí adiante, nomeadamente dos triliões de momentos que acontecerão antes da nossa morte.

Quanto a estes podemos fazer qualquer coisa. Enquanto reflectimos o que podemos e queremos fazer, constataremos que só uma coisa importa.

Por mais que passem, mais entesouraremos enquanto vivemos, até que um dia já teremos os suficientes. E depois morreremos. E quando isso acontecer, no momento da nossa morte, saberemos o que realmente vale a pena saber.

Saberemos nesse momento quem somos e em quem nos tornámos.

Constataremos que não houve mais nada do que devêssemos ser do que existir. Aqui. Agora.

Descobriremos que somos a única coisa que importa.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Einstein e Spinoza



Einstein, quando perguntado se acreditava em Deus, respondeu:

"Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas acções dos homens”.

E aqui vai o que lhe disse DEUS, ... segundo SPINOZA (1632-77)

“Pára de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti! Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa...

A minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias.

Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti! Pára de me culpar da tua vida miserável!
Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que a tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar o teu amor, o teu êxtase, a tua alegria.

Não me culpes, portanto, por tudo o que te fizeram acreditar.

Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não me podes ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar dos teus amigos ...não me encontrarás em nenhum livro!

Confia em mim e deixa de me pedir.

Tu vais-me dizer como fazer o meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim...

Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo.
Eu sou puro Amor!
Pára de me pedir perdão.
Não há nada a perdoar.
Se Eu te fiz... Eu enchi-te de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.
Como te posso culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como te posso castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
Que tipo de Deus pode fazer isso?

Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei.

Essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita o teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, que o teu estado de alerta seja o teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.

Esta vida é a única que há aqui e agora!

E a única que precisas.
Eu fiz-te absolutamente livre.
Não há prémios nem castigos.
Não há pecados nem virtudes.
Ninguém leva um letreiro, nem uma marca.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso-te dar um conselho: Vive como se não o houvesse!

Como se esta fosse a tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir!

Assim, se não há nada, terás aproveitado a oportunidade que te dei.

E se houver, tem certeza que Eu não te vou perguntar se foste bem comportado ou não...
Eu vou-te perguntar se tu gostaste, se te divertiste!...Do que mais gostaste? O que aprendeste?

Pára de crer em mim!
Crer é supor, adivinhar, imaginar...
Eu não quero que acredites em mim.
Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas a tua amada, quando agasalhas o teu filho, quando acaricias o teu cão, quando tomas banho no mar!
Pára de louvar-me!
Que tipo de Deus ególatra acreditas que Eu seja?
Maça-me que me louvem.
Cansa-me que agradeçam.
Sentes-te grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuas relações, do mundo!
Sentes-te observado, surpreendido?

Expressa a tua alegria! Esse é a forma de me louvar.

Pára de complicar as coisas e de repetir como o papagaio o que te ensinaram sobre mim.
A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas!

Para que precisas de mais milagres?
Para que tantas explicações?
Não me procures fora!
Não me acharás.
Procura-me dentro...
Aí é que estou, batendo em ti”.

(Baruch Spinoza)

Estas sábias palavras são de Baruch Espinoza - nascido em 1632 em Amsterdão, e falecido em Haia em 21 de Fevereiro de 1677. Foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz.
Era de família judaica portuguesa.

Estas palavras foram escritas em pleno Século XVII!

Spinoza foi 'excomungado' ('chérem', em 1656) pela Sinagoga portuguesa de Amsterdão.

domingo, 25 de março de 2012

os meus capacetes de moto



é assim que ando na minha moto, uns dias com mais cabelo outros dias com mais arejamento!

O mapa


É preciso dedicar o tempo necessário à análise dos problemas para poder aplicar soluções ponderadas e eficazes.

Existe muitas vezes uma deficiência na abordagem da resolução dos problemas, mais primitiva e destrutiva do que as tentativas precipitadas de encontrar soluções instantâneas:

- é a esperança de que os problemas desapareçam por sua própria iniciativa.


Os nossos problemas não desaparecem. Têm que ser resolvidos, caso contrário permanecerão, sendo uma barreira à evolução e desenvolvimento de um espírito solto e livre.

Esta tendência que é humana de tentar ignorar os problemas é, mais uma vez, uma simples manifestação de relutância no adiamento temporário da alegria e da paz.

A confrontação dos problemas é dolorosa.

A opção é escolher sofrer agora na esperança de uma compensação a médio prazo, em vez de escolher a continuação de uma calma aparente do presente na esperança de que o sofrimento futuro não venha a ser necessário.

A melhor forma de gerir o sofrimento na resolução dos problemas para que as nossas vidas sejam saudáveis, é a dedicação à verdade.

Superficialmente isto parece óbvio, porque a verdade é a realidade.

Aquilo que é falso é irreal.

Tenho esta imagem bem clara de que a nossa visão da realidade é como um mapa que utilizamos para nos guiar no terreno da vida.

Se o mapa for rigoroso e verdadeiro, sabemos em geral onde estamos e, se decidirmos para onde queremos ir, sabemos em geral como lá chegar.

Se o mapa for falso e pouco preciso, em geral perdemo-nos.

O nosso caminho para a realidade não é fácil.

Primeiro, não nascemos com mapas; temos que os fazer e fazê-los exige esforço: quanto mais esforço fizermos para compreender a realidade, tanto maiores e mais precisos serão os nossos mapas.

Ás vezes os nossos mapas são pequenos e mal desenhados e a nossa visão do mundo é estreita e enganadora.

A partir de certa altura, desistimos. Temos a "certeza" de que os nossos mapas estão completos e deixamos de nos interessar por novas informações. Como se estivéssemos cansados.

Mas o maior problema da feitura dos mapas não é ter de começar do zero, mas o ter de os rever constantemente, se queremos que sejam rigorosos.

Tenho reflectido no que significa a nossa vida ser de dedicação total à verdade.

Significa, antes de mais, uma vida de auto-exame contínuo e rigoroso. Temos que, para além de examinar a realidade também de examinar, por assim dizer, o examinador.

Isto quer dizer, na minha opinião, uma vida disposta a aceitar um desafio pessoal.

A única maneira de termos a certeza de que o nosso "mapa" da realidade é válido é, assim, expô-lo à crítica e ao desafio dos outros "fabricantes" de mapas.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Não se acostume com o que não o faz feliz (Fernando Pessoa)


Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!

Fernando Pessoa

terça-feira, 20 de março de 2012

Era uma vez...


Era uma vez…

Nem sei bem o que me apetece dizer.

Ando tão cansado de tudo. Nunca sentiram que quase nada vale a pena! E o pouco que ainda vale é efémero, não tem chama.

O que quero dizer é que te esforças por conseguires o quase impossível; esgotas-te no caminho árduo e cheio de escolhos; ultrapassas as dificuldades e chegas ao fim mas já não te apetece o êxito, a fruição do sucesso, a prática do objectivo que alcançaste. Já está gasto!

Juntas dinheiro para comprar a casa dos teus sonhos…ou compras logo porque te saiu a sorte grande, ou porque conseguiste um empréstimo ou finalmente porque te arrastaste anos a fio a poupar!

Vem uma doença, a tua mulher é um estupor, o teu marido, namorado, amante é tarado sexual, é impotente, é preguiçoso, batem-se, toleram-se, detestam-se, odeiam-se. Lá se vai a casinha numa partilha de divórcio ou fim de vida em comum.

Quantos momentos de amor, de paz, de tranquilidade tiveram? Faz lá bem as contas e vê lá se valeu a pena tantos anos de sacrifícios para depois já estares cansado do bom que seria, do cinzento que acabou por ser...

Será que é tudo real? O amor, o prazer, o gozo da inteligência, o desfrute dos bens?

Talvez os sonhos! Imaginem. Eu acho! Pelo menos sinto-me bem a sonhar a cores. Também há uns a preto e branco fabulosos.

Por outro lado será vantajosa a bondade, o altruísmo, a generosidade, a disponibilidade?

A quem realmente aproveita? A muito poucos.

É melhor do que a maldade, a brutalidade, o egoísmo, a opressão. Sim, é verdade em teoria e na prática, mas na substância deste algum passo em frente que valha a pena como seguro para uma nova vida?

Outra vez para um tempo efémero.

A pergunta é: apetece viver?

Eu acho que no fundo há uma data de frases feitas, consolos filosóficos ou teologais que pretendem tapar a verdade, verdadinha.

Só faz sentido tudo quanto se passa nesta vida se houver outra a seguir: senão é uma chatice.

Uma hipocrisia na prática de virtudes salobras, estáticas porque não se actualizam, têm grude, estão coladas à cadeira, queres-te levantar e não consegues e se o fazes as tuas acções têm pouco impacto em poucos! Claro que um Warren Buffet ou um Bill Gates marcam a diferença, na abrangência e extensão até aonde alcançam.

Escorregaste uma esmola parca a um pobre que servirá para o alimentar num almoço frugal, só porque outros lhe deram também, senão nem isso conseguia.

A nossa acção, é a velha caridadezinha, que pretende…mas não consegue calar a consciência de fazermos porque sim: fulano disse, um livro sagrado afirma, o tribuno apregoa, a imprensa aplaude e mais uma vez desejamos acreditar e ter uma visão do que nos espera, para francamente valer a pena tanta séca!

Quantas boas obras praticaste? Quantas más acções cometeste? Se o saldo é positivo estás safo…mas safo para quê? Se o saldo é negativo és um patife!

Que consequências têm uma ou outra situação? Digam lá mesmo no que gostariam que acontecesse: um céu aonde nem se sabe bem o que será o infinito…tão bom, tão bom que dá ideia que será uma neura, criará depressões infindáveis. Um inferno tão mau, tão mau que às tantas cansa de tanta maldade, castigo, punição!

Mas é nisto em que estamos: o resto são puras invenções!

Se não são, digam-me por favor como é, pois eu estou interessado! Palavra que estou!

segunda-feira, 19 de março de 2012

VAREIA MUITO!


Não sei se vos acontece o que comigo se passa com frequência!

Ora é da PT, da MEO, da ZON, da EDP e o rosário podia continuar por aí adiante, pois não escapa uma única empresa.

Têm uma obsessiva fixação na pergunta em saber como me chamo – como ando mais quebrado e tenho um nome de código que é o de Luís Paixão que nem sei se existe - soa melhor Sr. Luís do que Sr. Manuel! Já desisti de explicar que me tratem ou por Sr. Andrade ou na maioria dos casos por Sr. Paixão!

Mas enfim, lá vou sobrevivendo com mais berro menos descasca, ameaças de reclamações para a DECO ou respectivas Administrações, de que ou sou íntimo ou um accionista de referência…ahahaahah…suspeito que empalidecem do outro lado do telefone e nem se dão ao trabalho de ir ver se valho alguma coisa!

Mas o tema que queria glosar hoje é o preocupante avanço da ingratidão – e depois tratarei da falta de maneiras.

A ingratidão é mais rápida de exemplificar: recentemente um rapaz chinês bilingue que trabalhou no passado comigo, simpático, disponível e sorridente, ficou desempregado na China! Estava eu em Shanghai com ele a servir-me de intérprete numa reunião com uma empresa chinesa, quando de mansinho e num intervalo, me anuncia tal incómoda e aflitiva situação.

Lembrei-me logo de uma importante empresa portuguesa que está presente na China com uma pujante actividade e cujo Presidente é meu amigo. Por coincidência estava de partida para Shanghai e através do meu iPad mandei-lhe o CV do rapaz, com uma forte e amiga recomendação.

Passaram-se quase 10 meses sem eu ter tido contacto com o meu “protegido” e precisando de uma pequena tradução de português para mandarim, teclámos por skype e ao perguntar-lhe naturalmente como estava, disse-me com um ar tranquilo que tinha sido admitido no dito emprego, por meu intermédio!

Interpelei-o, sobretudo espantado, por nada me ter dito e a resposta foi a de que se tinha esquecido!

Outra circunstância frequente é a atitude de não agradecer…expressamente, com palavras escritas, ou com um telefonema no dia seguinte ou posteriores, qualquer gentileza de que tenhamos sido beneficiários!

Por exemplo, se eu vou jantar a casa de amigos e sou bem tratado tendo-me sido proporcionado o máximo de hospitalidade, e pouco importa se nos conhecemos desde o berço ou de há algumas semanas, o normal é agradecer, não será?

Têm-me dado ao longo da vida presentes variados de que gosto mais ou às vezes menos: livros, gravatas, cds, convidado para programas, almoços e jantares - tudo isto sempre com o “animus” de agradar, dar prazer e obsequiar-me.

O normal será corresponder com a mesma amizade, cortesia para além de ter inato em mim o gosto de retribuir com gratidão e a mesma consideração. Fui sempre educado neste sentido desde pequeno pela minha família a quem via fazer isto mesmo.

Pois, mesmo entre gente de que se esperaria outro comportamento, VAREIA MUITO!

domingo, 18 de março de 2012

Nova carta do meu primo Luis Bernardo


Meu Caro Manuel,

Não tenho tido notícias tuas. Nas últimas, dizias-me que viajas para a China e Brasil com uma frequência assustadora e por isso calculo que não encontres o tempo nem a tranquilidade necessária para me escreveres assisadamente.

Vou-te assim dar novas daqui, enquanto espero as tuas.

Dois temas para que te chamo a atenção: estão aqui muito na moda, pois quem daí chega fala recorrentemente neles.

O primeiro tem a ver com a doença: morre muita gente com sofrimento e sem preparação para o fim da vida.

Para além de uma exigente e indispensável atitude de respeito pelo corpo, só se ganha em equilibrar os prazeres próprios do seu gozo e fruição com a percepção de que se não for bem cuidado e atempadamente, traz consequências nefastas.

Imagina-te doente e cheio de medicações, coarctado em poderes viajar para lugares com que sempre sonhaste, trabalhar com interesse em projectos que acarinhas, usar o simples direito de passeares na rua, entrares nas lojas, ires ao cinema ou teatro, conviveres com os amigos, leres ou conversares e por aí adiante consoante o que a cada um melhor lhe aprouver!

O sofrimento não só físico mas sobretudo o moral, o que te corrói o interior, o sentimento de impotência perante a doença, são mais mortais do que os desastres naturais pois estes acontecem esporadicamente.

Por isso, cuida-te! Sê gentil com o teu corpo e a razão é porque só vale a pena tê-lo em plena pujança se o puderes usar! Tão simples quanto isso!

Para que serve um relógio que não trabalha?

O segundo tema é sobre o que tantas vezes conversámos: o “jardim de secreto” de cada um!

Convém que não seja assim tão secreto como isso, senão tornas-te egoísta, guardas para ti “pérolas” valiosas que não exibes! Se forem muito poucos aqueles a quem dás acesso, torna-se maçador: sempre as mesmas caras, os mesmos prazeres partilhados, bref, a rotina! E a rotina mata o amor, a novidade, a frescura, a beleza de “cousa começada”.

Por isso sê promíscuo na partilha do teu lugar de refúgio! Rigoroso na escolha, não queiras lá “grafitis” de desconhecidos penetras, mas alarga o teu leque de amizades, aprofunda e aprende com novos contactos, deixa que a porta entreaberta permita o visionamento a sangue novo e a ideias refrescantes.

Não te fixes nos conceitos que sempre “te” convenceram: importante este pronome “te”, pois tantas vezes achamos que somos os únicos detentores das nossas verdades, daquelas que nos convêm, das mais cómodas e que impedem a transição da nossa “instalação” serôdia e bolorenta, já vista e revista, para novos conceitos!

Quando te olhas ao espelho a cada manhã, já reparaste que para além dos olhos ramelados e a barba crescida, tens na tua testa:

- luzes de “néon” como as das discotecas, a apagar e a acender. O brilho depende de há quanto tempo as compraste e se as limpas com frequência. Às vezes há até letras que já nem acendem!

- as palavras que lá estão escritas são três: “ NÃO TE ENGANES”!

- repara bem, não é não enganes os outros, que naturalmente sabes que não o deves fazer. É a “ti” próprio!

Quantas vezes disfarças! Claro que lês TODAS as letras, já as sabes de cór e salteado, mas por mais que as queiras arrancar, não consegues! Dizem-me que há quem tenha querido fazer cirurgias plásticas para as tirar, mas mesmo os médicos mais célebres, acabam por desistir, pois não as vêem!

Pois claro! Só cada um vê as suas!

São uma presença incómoda, que te desperta para a verdade e para o que às vezes não passa mais do que puro bom senso!

Já nem sei a que propósito vem isto tudo do “jardim secreto”. Deixa que a luz, a paz e o ar puro que se respira transvasem para o teu mundo “conhecido” e assim terás filas de candidatos a “excursões” ao teu paraíso escondido!

Um abraço amigo do teu primo muito afeiçoado

Luis Bernardo

sexta-feira, 16 de março de 2012

Origem do conto do Vigário contado por Fernando Pessoa


Vivia há já não poucos anos, algures, num concelho do Ribatejo, um pequeno lavrador, e negociante de gado, chamado Manuel Peres Vigário.

Da sua qualidade, como diriam os psicólogos práticos, falará o bastante a circunstância que dá princípio a esta narrativa. Chegou uma vez ao pé dele certo fabricante ilegal de notas falsas, e disse-lhe: «Sr. Vigário, tenho aqui umas notazinhas de cem mil réis que me falta passar. O senhor quer? Largo-lhas por vinte mil réis cada uma.»

«Deixa ver», disse o Vigário; e depois, reparando logo que eram imperfeitíssimas, rejeitou-as: «Para que quero eu isso?», disse; «isso nem a cegos se passa.» O outro, porém, insistiu; Vigário cedeu um pouco regateando; por fim fez-se negócio de vinte notas, a dez mil réis cada uma.

Sucedeu que dali a dias tinha o Vigário que pagar a uns irmãos negociantes de gado como ele a diferença de uma conta, no valor certo de um conto de réis. No primeiro dia da feira, em a qual se deveria efectuar o pagamento, estavam os dois irmãos jantando numa taberna escura da localidade, quando surgiu pela porta, cambaleando de bêbado, o Manuel Peres Vigário. Sentou-se à mesa deles, e pediu vinho. Daí a um tempo, depois de vária conversa, pouco inteligível da sua parte, lembrou que tinha que pagar-lhes.

E, puxando da carteira, perguntou se, se importavam de receber tudo em notas de cinquenta mil réis. Eles disseram que não, e, como a carteira nesse momento se entreabrisse, o mais vigilante dos dois chamou, com um olhar rápido, a atenção do irmão para as notas, que se via que eram de cem. Houve então a troca de outro olhar.

O Manuel Peres, com lentidão, contou tremulamente vinte notas, que entregou. Um dos irmãos guardou-as logo, tendo-as visto contar, nem se perdeu em olhar mais para elas. O vigário continuou a conversa, e, várias vezes, pediu e bebeu mais vinho.

Depois, por natural efeito da bebedeira progressiva, disse que queria ter um recibo. Não era uso, mas nenhum dos irmãos fez questão. Ditava ele o recibo, disse, pois queria as coisas todas certas. E ditou o recibo – um recibo de bêbedo, redundante e absurdo: de como em tal dia, a tais horas, na taberna de fulano, e «estando nós a jantar (e por ali fora com toda a prolixidade frouxa do bêbedo...), tinham eles recebido de Manuel Peres Vigário, do lugar de qualquer coisa, em pagamento de não sei quê, a quantia de um conto de réis em notas de cinquenta mil réis. O recibo foi datado, foi selado, foi assinado. O Vigário meteu-o na carteira, demorou-se mais um pouco, bebeu ainda mais vinho, e daí a um tempo foi-se embora.

Quando, no próprio dia ou no outro, houve ocasião de se trocar a primeira nota, o que ia a recebê-la devolveu-a logo, por escarradamente falsa, e o mesmo fez à segunda e à terceira... E os irmãos, olhando então verdadeiramente para as notas, viram que nem a cegos se poderiam passar.

Queixaram-se à polícia, e foi chamado o Manuel Peres, que, ouvindo atónito o caso, ergueu as mãos ao céu em graças da bebedeira providencial que o havia colhido no dia do pagamento. Sem isso, disse, talvez, embora inocente, estivesse perdido.

Se não fosse ela, explicou, nem pediria recibo, nem com certeza o pediria como aquele que tinha, e apresentou, assinado pelos dois irmãos, e que provava bem que tinha feito o pagamento em notas de cinquenta mil réis. «E se eu tivesse pago em notas de cem», rematou o Vigário «nem eu estava tão bêbedo que pagasse vinte, como estes senhores dizem que têm, nem muito menos eles, que são homens honrados, mas receberiam.» E, como era de justiça foi mandado em paz.

O caso, porém, não pôde ficar secreto; pouco a pouco se espalhou. E a história do «conto de réis do Manuel Vigário» passou, abreviada, para a imortalidade quotidiana, esquecida já da sua origem.

Os imperfeitíssimos imitadores, pessoais como políticos, do mestre ribatejano nunca chegaram, que eu saiba, a qualquer simulacro digno do estratagema exemplar. Por isso é com ternura que relembro o feito deste grande português, e me figuro, em devaneio, que, se há um céu para os hábeis, como constou que o havia para os bons, ali lhe não deve ter faltado o acolhimento dos próprios grandes mestres da Realidade – nem um leve brilho de olhos de Macchiavelli ou Guicciardini, nem um sorriso momentâneo de George Savile, Marquês de Halifax.

Contado por Fernando Pessoa.

quinta-feira, 15 de março de 2012

para aprender a voar


Para aprender a voar nos bastará
o começo e o fim
de uma linguagem pessoal,
em que as mãos, impacientes,
dispam a paisagem
e, apenas por um instante,
se tornem asas.

terça-feira, 13 de março de 2012

Calaram-se os pássaros


Calaram-se os pássaros.
Regressou enferma
a ave que rasgou a sombra
das árvores em pleno verão
sem encontrar o caminho para a chuva.

Graça Pires

domingo, 11 de março de 2012

Minha terra tem palmeiras, onde canta o Sabiá


"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."

Gonçalves Dias

amanhecer


Hoje não encontrei horizontes. . .
não ouvi os seus acenos
não toquei nas suas brisas
não vislumbrei as suas promessas
não aspirei as suas carícias
não sorvi as suas entregas


Por que será?
pavoneiam-se com as suas cores?
já não me amam mais?
- levaram-nos ou eu perdi-os?

Alviana Tzovenos

sábado, 10 de março de 2012

Sacode-te...é a Vida!


Um dia o burro de um camponês caiu num poço.

O animal zurrou, insistentemente, durante horas, enquanto o dono tentava descobrir, esforçadamente, mas sem êxito, alguma forma de conseguir tirá-lo de lá...

Finalmente o camponês desistiu dos seus esforços infrutíferos e decidiu que, dado que o animal já estava velho, o poço estava seco e a necessitar de ser tapado, por isso, realmente não valia a pena resgatar o burro e o melhor seria mesmo soterrá-lo...

Convidou os seus vizinhos para que viessem ajudá-lo.

Todos pegaram nas suas pás e começaram a lançar terra ao poço.

O burro deu-se conta do que se estava a passar e chorou (zurrou), desconsoladamente...

Logo, para surpresa geral, o burro deixou de zurrar...Depois de mais umas quantas pazadas de terra, o camponês espreitou, finalmente, para o fundo do poço e surpreendeu-se com o que via...

Com cada pazada de terra, o burro estava a fazer algo incrível...Sacudia-se da terra e dava um passo para cima... Enquanto os vizinhos iam lançando mais e mais terra para cima do animal, ele ia-se sacudindo e lá ia subindo, pazada a pazada!

Depressa todos puderam surpreender-se como o burro chegou até à boca do poço, passou por cima do bordo e saiu a trotar, alegremente...

A vida também vai atirar-te terra, todo o tipo de terra... O truque para saíres desse poço é sacudires-te e dar um pequeno passo acima... Cada um dos nossos problemas pode levar-nos a um escalão acima!

Desfruta da vida... Sacode-te!!!

Segue o teu destino


Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis

quinta-feira, 8 de março de 2012

Em defesa dos animais



O escândalo de milhões de animais criados em sanduíche e em espaços tão exíguos que nem se podem voltar, merece que se proteste veementemente contra os atropelos da dignidade e da hipocrisia de associações que se dizem defensoras dos seus direitos e da sua protecção, bem como das grandes redes agro-pecuárias que ganham milhões.

Pensemos nos porcos, e nomeadamente nos leitões: mal nascem nesses infernos que os alimentam, são retirados às mães para lhes alisarem à broca ou arrancarem os dentes a fim de não ferirem as tetas ou lhes cortarem as caudas, e com sorte ficam a ser amamentados pela própria mãe.

Esta está exangue pois os cruzamentos genéticos e as injecções de hormonas, fizeram-na passar de 16 leitões por ano em 1970 para 32 nos dias de hoje. A infeliz não tendo tetas suficientes para amamentar as suas crias, repassa-as para outras porcas que tiveram nados-mortos.

Como poderiam revoltar-se contra estas “adopções” forçadas, ou simplesmente até esborracharem-nos tentando mudar de posição nestes espaços concentrados, quando as mães estão, durante todo o período do aleitamento, deitadas de lado, sem se poderem mexer?

Para evitar que os animais mais joviais e curiosos não morram de aborrecimento, de desespero ou se matem entre si, enchem-nos de antidepressivos.

Nem uma única vez na sua vida o pequeno leitão verá a luz do dia, nem respirará outra coisa que não seja a pestilência e o amoníaco de toneladas de estrume pisado sobre o qual escorrega e magoa as patas, por cima dele. Não têm sequer palha.

Nesta promiscuidade agravada por um calor insustentável para que produzam uma carne menos gorda, as doenças encontram um terreno fértil.

São empanturrados de antibióticos, os mesmos que os nossos, tornando cada dia que passa mais plausível o aparecimento de patologias que resistam a todos os nossos medicamentos.

Já tivemos as vacas loucas, a gripe aviária, a gripe suína: a próxima vez será a simples e corriqueira gripe!

O verdadeiro escândalo do sofrimento dos animais, são também os bicos e as patas de frango, mutiladas em vida, pois eles bater-se-iam entre eles para terem um mínimo de espaço vital.

O verdadeiro escândalo, são as centenas ou milhares de empregos agrícolas destruídos desde há décadas em proveito dos agronegócios e à custa da nossa saúde.

São também os milhares de visitantes das feiras agrícolas que pensam que os animais bem apresentados e “maquilhados” como se fossem manequins de produtos de cosmética, são os mesmos que acabam nos seus pratos!

Poder-se-á assim continuar a esconder o horror sem o revelar ao consumidor como é produzida a carne com que ele se intoxica.

Tenhamos a coragem para agir! Comamos menos carne para comprar somente aquela que resta com qualidade.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O livro que vou escrever


Nasci em Lisboa, de uma família conhecida com dinheiro e bens e culturalmente muito virada para a França, Inglaterra e Itália. A Espanha era um destino frequente e não era considerada como estrangeiro.

A parte feminina da estirpe era fisicamente muito bonita dos dois lados, elegantes e com bom ar, composta de prendadas donas de casa, algumas tocando piano e tendo tido mestras ou andado em colégios estrangeiros. Viajavam muito, ficavam em excelentes hotéis, gastavam bastante dinheiro em roupa, sapatos e chapéus e vestiam-se cá e também em lojas da moda em Paris e Itália, e tinham imensas criadas. Também tinham costureiras em casa ou “modistas” conhecidas e passeavam-se em carros de boas marcas com chauffeurs, indo todos os dias ao Chiado, a pretexto de qualquer compra, sempre chiquíssimas, como rezam as crónicas.

Gostavam muito de ir ao teatro e ao cinema e na saison do teatro francês, não falhavam uma peça. Frequentavam também S.Carlos, quer na ópera ou nos ballets. Viram a Margot Fonteyn e o Rudolf Nureyev a dançar o “Lago dos Cisnes” e ouviram a Callas a cantar "Dove sono i bei momenti" das " Nozze di Figaro"!

Eram sérias, católicas, apostólicas, romanas e praticantes, e estavam envolvidas na Acção Católica e outras obras pias.

Com estes detalhes (que não se esgotam totalmente nestas descrições) não restam dúvidas da sua pertença à alta burguesia, convivendo e frequentando a sociedade.

Eram, no entanto, estranhamente bastante inteligentes e nada fúteis.

Clarividentes sobre aquilo que eram os comportamentos habituais do seu estatuto social, mas suficientemente independentes para gerirem a sua felicidade e liberdade, tinham personalidade e estilos próprios.

Possuíam princípios sólidos que praticavam no campo da solidariedade, amor ao próximo e generosidade para com os dependentes e respeitavam os valores tradicionais herdados de costados nobres e ilustres.

O lado masculino era diverso. Na varonia, em pelo menos 4 gerações seguidas, eram todos diplomados com cursos superiores e quadros de topo da Administração Pública e privada com provas de gratidão da Monarquia e República pelos serviços prestados.

Para trás eram Senhores! Uns com terras e palácios, outros com quintas e gado, outros industriais e outros conspiradores e servidores de Reis e de Dinastias desde os tempos coevos.

Dos que conheci, tinham todos imenso humor, perspicazes, sábios no gozo da vida e dos bastos pertences tirando grande desfrute da existência.

Uns mais fiéis do que outros, mas com respeito pela instituição a que se vincularam – o casamento – se bem que nem sempre com grande harmonia em relação às consortes. Mas sem factos dignos de monta, sobretudo nesse tempo, em que as excelsas caras metades, mesmo rabitesas, eram submissas e impecáveis.

Tinham uma vida cultural repartida em duas facetas: a formal, acompanhando com prazer o que acima descrevi como os programas das respectivas mulheres e a outra, mais típica e discreta que passava na juventude por cabarets, espanholas, copos, clubes, jogo. Havia honrosas excepções!

Eram finos desportistas e praticavam os sports da alta sociedade tal como a esgrima, ténis, voleibol, equitação, caça . Nesse tempo não era distinto jogar futebol.

Conto-vos isto tudo porquê?

Pois vou começar a escrever um livro sobre um personagem da minha família, enigmático, excêntrico, muito próprio. Vai dar trabalho e exigir pesquisa, por isso postei esta imagem lindíssima de uma biblioteca apetecível!

Não sei quando, nem em quanto tempo pois a época é mais de labuta diária para alcançar um mínimo de bem-estar que assegure a decente subsistência a uma família, do que para escrever romances.

Alguém me dizia que desde cedo se deve começar a afastar a sombra do Alzheimer, que antigamente seria a “aterosclerose”!

Tenho-vos dito que tenho planos de emigrar, que não sei ainda se serão concretizáveis, mas em espírito já lá estou e estão em boa marcha!

Aonde? Algures no mundo como alguns dos meus antepassados, em caravelas para a Índia ou como bandeirantes no Brasil!

Até lá!

MNA

domingo, 4 de março de 2012

Respeito


Daniel estava doente.

Tinha-lhe sido diagnosticado um tumor no cérebro. Não era maligno mas doía pra burro no alto da cabeça.

Padecia de estranhos sintomas que os médicos não conseguiam explicar: queixava-se que ouvia vozes internas conversarem consigo, como se o tumor fosse a sua consciência, o seu alter-ego.

Começara a tomar nota pois estava tudo muito bem organizado: cada conversa cobria uma parte da sua vida. Umas vezes eram duras críticas, outras admoestações a que fosse menos indulgente consigo próprio, finalmente dava conselhos personificando os destinatários.

Que era solteiro ou descomprometido porque tinha um feitio danado: era frio, tinha certezas absolutas sobre o que queria, não cedia um palmo, era egoísta, pensava mais no seu prazer do que facilitar o caminho até à porta do seu coração. Punha condições para a esquerda e para a direita e se não fosse assim e assado, não interessava, etc

Que cortava a direito no trabalho, que se sentia superior aos demais. Não tinha o dom da cordialidade nem paciência para aceitar os outros como eles eram. Era uma espécie de bicho-das-contas que enrolava para dentro e calava-se. Jamais exteriorizava os sentimentos e ralava-se pouco com os efeitos que isso produzia nos que o rodeavam.

Era um solitário e criativo e tinha alma de artista: pintava e captava bem as imagens e conseguia ter harmonia de sons e tons.

Talvez fosse um pouco tímido, não ousava deixar que se entrasse no seu “jardim-secreto”, ou pelo menos a toda a gente e tinha muito para dar e receber.

O crescimento do tumor tomava proporções alarmantes e crescia a olhos vistos e Daniel temia que a doença não mortal se transformasse na causa da sua morte precoce, pois ainda era novo.

A voz dizia-lhe que aproveitasse o tempo para deixar legados de afeição a uns e outros, e sobretudo que falasse enquanto pudesse, pois de um dia para o outro ficaria impedido de ver, comunicar e escrever e seria tarde demais.

Daniel pensou que isto que lhe estava a acontecer poderia ser o mesmo que ele previra para os Presidentes Lula, Chávez e Cristina Kirchener: que todos eles vão morrer apesar de não acreditarem, mas ele tem a certeza!

Acordou do sonho em que mergulhara e partiu para o trabalho não sem se prometer que faria uma TAC completa, nomeadamente à cabeça, porque iria jurar que ouvira mesmo uma voz!

quinta-feira, 1 de março de 2012

O " Laisser-Passer" de um africano meu concidadão


Acho que já o disse algumas vezes que sou, há já vários anos, Cônsul-Geral Honorário de um país africano em Portugal.

Tenho uma comunidade residente que não ultrapassa os 300 concidadãos e mantenho uma excelente relação com todos eles.

Defendo-os de patrões relapsos, visito-os nas prisões, de vez em quando ajudo-os materialmente, em suma desempenho a minha função com simplicidade e dedicação, pois sendo tudo gratuito faço-o porque sim!

É uma missão cujas razões são incompreensíveis para muitos amigos mas acho que o facto de penetrar noutra cultura, servir de pai, de irmão e amigo, de protector, de conselheiro, de único ponto de referência para quem está longe das suas terras, é justificação suficiente!

Já não é a primeira vez que sou chamado pelas Autoridades para me deslocar a bordo de um navio para identificar clandestinos.

Passou-se ontem uma história bem triste que passo a partilhar, nem sei bem porquê: talvez porque somos todos seres humanos e a nossa condição pode chegar a situações de grande degradação.

Rapaz de 24 anos, pescador na sua terra. Trabalhando no mar, mais facilmente a sua piroga pôde chegar perto do navio que o levaria a outros destinos, a um melhor futuro que ouve contar. Nem hesita, já noite alta aproximou-se do casco e lançou uma corda que lhe permitiu trepar pela amurada acima deixando para trás o seu ganha-pão, a sua terra e a sua família.

Anichou-se junto dos contentores abertos para tomarem carga na manhã seguinte e escolheu um que lhe pareceu menos abafado e talvez com mais espaço para não lhe dificultar o sítio aonde iria passar 2 semanas até o navio aportar na Europa.

Levava uma pequena sacola de pano com comida para se alimentar parcamente durante uns 10 dias, segundo ele: um pão grande já meio duro, fruta, raízes de plantas, água numa garrafa, um sabonete, peixe seco, mandioca e umas ervas que o curandeiro da aldeia lhe tinha dado para dormir, para as dores, para o desespero se chegasse…

Era de uma zona junto à costa, daí a sua profissão precária de pescador. Na aldeia havia um “príncipe” (paramount chief) que era a quem todos se dirigiam a propósito de tudo e de nada. Aconselhava sobre nascimentos, casamentos, negócios, apaziguava salomónicamente rixas e decidia quem acolher e expulsar da tribo. Assegurava o sustento de todos por quem repartia os bens, produto da exploração da terra e da pesca, bem como da venda de algum minério.

MUSTIFA SENSIE era um dos 18 filhos de SENOSIE SENSIE, o chefe da aldeia.

Tinha anunciado ao pai que desejava um futuro mais promissor fora da terra e este escutara-o em silêncio. Como era o seu filho mais novo, tinha por ele uma grande tolerância e sabendo as circunstâncias em que se realizaria a sua partida, recomendara-lhe força e que o Profeta o protegesse.

Mustifa passara pelo curandeiro que lhe vaticinou sucesso e lhe deu umas mezinhas para a viagem. Ninguém na aldeia fizera perguntas quando no dia a seguir ao da sua partida, a piroga jazia parada junto à praia.

SENOSIE SENSIE estava imperturbável e não dava ares de tristeza, sinal de que não teria havido notícia de algum desaire no mar que tivesse ceifado eventualmente a vida do seu filho predilecto.

O contentor fora cheio de caixas de pescado congelado: garoupas, camarão, lagostins e outros peixes menores a que Mustifa estava habituado.

Se por um lado se satisfizera por aquele reforço inesperado de vitualhas, logo sofreu na pele o frio do pescado congelado em muitas toneladas de caixas frigoríficos e não tendo previsto tal possibilidade só tinha sobre a pele as roupas de um pescador de um país com um calor tórrido permanente.

Vi sair do contentor um africano assustado, escanzelado, com feridas das queimaduras do frio nos braços e nas pernas e cambaleante. A imagem era perturbadora ao ponto de o ter agarrado senão cairia no tombadilho.

Em fila estavam os Agentes da Polícia Judiciária, da Polícia Marítima, o representante do armador, o comandante do navio e eu.

Pediram-lhe os documentos e ele respondeu com uma voz baixa e receosa, que não tinha. A segunda pergunta foi de onde era natural e ele disse que era cidadão do país que eu representava.

Foi-lhe dito pelo Agente da Judiciária que eu era o Cônsul-Geral e que por ser clandestino teria que ser preso e depois de transitada a necessária papelada, devolvido à origem de onde partira.

Num grito rouco atirou-se ao chão e rastejou até aos meus pés e pernas agarrando-os com força ao ponto de me magoar,começando num pranto e pedido de clemência e piedade.

Não vos posso descrever a perturbação com que fiquei, aliás acompanhado por todos os presentes.

Tão perplexo e apiedado por ele que não reagi nos primeiros minutos. Depois estendi-lhe a mão e levantei-o e ele encostou-se literalmente a mim prosseguindo no seu choro baixinho e pedindo-me que o salvasse.

Acalmei-o e disse-lhe umas palavras de serenidade e solicitei ao comandante que o mandasse tratar pelo médico de bordo e lhe desse alimentos. Em seguida e para o sossegar pedi-lhe que aguardasse pois teria uma conferência ali mesmo com as Autoridades presentes.

Sentámo-nos na camarinha do comandante e durante alguns momentos ficámos a “mastigar” em silêncio a visão daquele farrapo humano.

Sobretudo o que me comoveu e me fez decidir fazer tudo o que pudesse em seu auxílio, foi a sensação de perda, de dependência de mim, quando eu valho o que valho!

Auscultadas as Autoridades e feita uma ronda pelas soluções jurídicas de acolhimento ao abrigo do estatuto de refugiado, foram todos unânimes em que era um clandestino indocumentado e que a lei era clara: teria que ser repatriado e eu deveria emitir um “Laisser-Passer” que lhe permitisse viajar até ao seu destino com uma identificação provisória.

Pedi para estar com ele sozinho sem as restantes Autoridades e recolhi as informações que acima referi. Estava mais calmo e já alimentado, sedado e tratado, adormecendo de seguida numa cadeira de braços.

Regressei ao Consulado e fiz o referido “Laissez-Passer” que lhe permitiria, a expensas do armador do navio, viajar de avião para a sua terra, pelo menos de uma forma mais digna.

Prometi-lhe que se voltasse legalmente o ajudaria a singrar na vida e os olhos de gratidão foram a paga de todo esta inquietação que me causou o sofrimento de um africano meu concidadão!

Levou alguns euros, roupa e uma carta para o pai dizendo-lhe que tinha um filho bravo e valente que arrostou dias e semanas muito difíceis mas que soube sobreviver. Dava-lhe as minhas referências consulares para que ele como “príncipe”, pudesse melhor agilizar a vinda oficial do seu filho, se fosse caso disso!

MNA