sexta-feira, 29 de julho de 2011

Diário de um desmemoriado (7)



6ªf, dia 29 de Julho

Hoje o tema é o de “Ousar lutar, Ousar vencer” como dizia o MRPP na minha faculdade, a Clássica de Direito de Lisboa, no tempo do Sr. Presidente da Comissão Europeia, que andava de sapatilhas à associativo e com mau aspecto….pode-se sempre mudar, bem sei!

Porque me lembrei deste mote hoje?

Levantei-me por volta das 7h da manhã, fiz as minhas abluções matinais completas e dirigi-me para o meu escritório privado, aonde, por carta da EPAL, me tinha sido solicitado que estivesse das 8h às 10h, para a substituição do contador da água.

Assim fiz, e honradamente estava sentado na minha mesa de trabalho às 8h, tendo telefonado expressamente na véspera pedindo que fossem pontuais e que o meu serviço fosse o primeiro.

Fiquei logo com a impressão de que se estavam nas tintas e que nem sequer tinham tomado nota desta minha particular solicitação. O costume!

O tempo começou a passar e pelas 9h 55m, contendo uma fúria que me acomete quando sou ignorado como um verme enquanto pagador atempado das contas da água, telefonei para o atendimento aos Clientes. Foi-me dito que não tinham acesso aos empregados que andavam de giro e que portanto eu esperasse…sic!

Eram umas 10h 15m, tocam à porta e era o funcionário da EPAL!

Perguntei-lhe se tinha dormido bem e se acabara de se levantar da cama para vir para o meu escritório! Cínico e escorpião de truz que eu sou!

Perante o seu ar estupefacto, pedi-lhe a identificação de que tomei nota e comuniquei-lhe que iria participar dele….poupo aos meus leitores os argumentos que dei, que estão acima amplamente referidos.

Confessou-me que de facto tinha vindo directo de casa e que pedia desculpa…que é o que eu mais detesto que me façam! Não preciso que mas peçam, mas que FAÇAM parbleu! o que têm que fazer.

De monco caído lá foi para a cozinha, aliás moderna e com tudo nos seus lugares, e dirigiu-se ao contador. A operação era rápida e fácil: fechar a água com cuidado e deixar que a que estava depositada não causasse uma inundação, retirar o contador que lá estava e substituí-lo pelo novo que trazia.

Tudo feito atabalhoadamente, e quando os canos ficaram sem o contador, vazaram uma basta quantidade de água para cima do aparador da cozinha, que estava com máquinas, etc…

Juro que vou trabalhar para este tipo de serviços…tenho um jeito natural para lavar escadas e lá fui buscar a esfregona e pus-me, qual fadinha do lar, a limpar tudo.

Não vos conto a fúria com que bombardeava o pobre do “pássaro desvalido” que já não sabia aonde meter-se!

Acabou a tarefa e quando me entregou um papel para eu assinar (por deformação profissional estou habituado a ler tudo antes de apor a minha assinatura), constato com a maior surpresa que o contador já começava no leitor de consumo, com 106m3 !!!!

Não me soube responder porquê, claro, e partiu!

Creio que o Henriques não lerá este meu diário de hoje, mas se o fizesse, ficaria contente em saber que não participei dele! Acho que aprendeu a lição com o medo das represálias, e para mim isso basta!

Telefonei para o atendimento a Clientes e perguntei da justificação daquele tão insólito e inverdadeiro consumo e a explicação foi a de que os contadores são reciclados e vêm de outros Clientes, já com o consumo anterior!

Eu acho que o meu antecessor não devia tomar banho com regularidade…pois 106m3 indiciam pouco consumo de água! Mas sabe-se lá desde quando?

Este país é que está reciclado e mesmo assim sem emenda!

Por isso, eu digo…OUSAR LUTAR pelo menos, se vencemos ou não depende de muitos factores, mas sobretudo não desistirmos em pugnar pelos nossos direitos!

(continua)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Diário de um desmemoriado (6)



5ªf, dia 28 de Julho

Hoje vou começar por vos fazer uma revelação muito importante: pertenço ao melhor signo de todos.

Estou naturalmente a falar-vos do Escorpião.

Já estou a sentir nas orelhas o calor da maledicência, da desilusão, da fúria! Logo vi que tinhas que ser, dirão uns! Outros preparar-se-ão para refazer a estratégia de combate, just in case!

Pois eu acho isto dos signos muito divertido!

Quanto ao acreditar que me vai sair o Euromilhões se consultar os astros, é que nem estou aí!

Agora que o carácter, a personalidade e o comportamento são influenciados por toda uma série de combinações astrológicas, não tenho a menor dúvida!

Aconteceu-me na prática uma experiência muito divertida que vos vou narrar.

Lá para os meus 18 anos, tendo ido a Luanda namorar a minha mulher (o meu sogro era na altura presidente local de uma petrolífera multinacional), foi a primeira vez que estive em África.

O meu Avô materno incumbiu-me de uma gratíssima missão que foi a de trazer uns chorudíssimos dividendos da Mabor Angolana (a Mabor Portugal foi fundada entre outras numerosas empresas de saudosa memória, pela minha Família) e já que eu precisava de “sobreviver” em Angola durante um mês, poderia gastar desse dinheiro!

Foi a minha “sorte grande” pois cativei a minha namorada com um carro “racing” que aluguei, almoços e jantares de grande qualidade no Clube Naval que era o melhor na altura, presentes, enfim uma miríade de “novo-riquismos”, que me souberam lindamente para armar aos cucos!

Estou tranquilo quanto aos “novo-riquismos” pois o dinheiro não era meu mas simplesmente autorizado a gastar e não era só dessa altura que tínhamos dinheiro e nunca precisámos de impressionar!

Houve uma festa de Natal da referida petrolífera e eu, qual bom namorado, acompanhei a família e estive também presente.

Achei a maior das maçadas como se deve calcular, mas a pretexto de dar notícias aos meus Pais, escrevi-lhes uma carta anódina e relatando sem qualquer brilho a referida festa.

Bem, porquê isto tudo que vos estou a contar?

“Revenons sur nos moutons” ou seja para quem não é versado em francês, voltemos ao tema inicial!

Quando voltei a Lisboa, por sugestão “estratégica” da “belle-famille”, conheci a Tia Pilé Pombal que era uma grafologista de renome, licenciada numa grande escola em Paris, um encanto de pessoa e uma mulher “avant la lettre”, pois já quase com 80 anos tinha sido uma pioneira em Portugal!

Tivémos umas quantas sessões de 1 hora, de grandes e fascinantes trocas de impressões sobre a minha vida, a da minha Família, os meus planos de futuro, pessoais, os grandes temas…enfim, uma conversa de vida…pouca até àquela data, pois tinha singelos 18 aninhos!

Aqui aparece a dita carta aos meus Pais, narrando a festa de Natal em Luanda, pois a Tia Pilé precisava de um escrito meu à mão, para fazer um relatório grafológico!

Passadas umas 3 semanas produziu um documento de 3 páginas que ainda hoje religiosamente guardo, em que me descrevia ao milímetro e até revelando algumas minhas facetas do “inner me” que eu nunca tinha conseguido definir e salientar.

Serviu-me durante anos para empregos…imaginem, conquistados por este vil Escorpião e pela bondade dos “olhos” da alma da querida Tia Pilé!

(continua)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Diário de um desmemoriado (5)



4ªf, dia 27 de Julho

Estou sem sono e são umas duas horas da manhã.

No meu ipod oiço Phil Collins…”That’s just the way it is” e penso que tenho que dar muitas graças a Deus pelo que tenho, pelo que consegui na vida até agora e pela Família aonde nasci, da que formei e da que vejo crescer.

…”That’s just the way it is”!

Tudo quanto me deu prazer fazer fui conseguindo, embora muitas vezes com esforço, persistência e sem desistir! E esta expressão “dar prazer fazer” encerra a mera circunstância do prazer puro e simples, carnal, físico, ao encontro dos sentidos como de oportunidades de novas carreiras, projectos, sonhos!

O prazer da leitura, para mim é dos mais importantes.

Infelizmente, na história da Humanidade, houve livros que já foram queimados e homens perseguidos.

O mundo passou por transformações. Houve Homens que fizeram história, como o rei Salomão, respeitado pela sua grande sabedoria e pensadores como Platão, Sócrates e muitos outros que permanecem vivos até aos dias de hoje.

Génios como Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo que abrilhantaram o Renascentismo com as suas presenças, e Einstein, o cientista mais importante do século passado, descobriram a Teoria da Relatividade. O muro de Berlim caiu, a China transformou-se no gigante Asiático que é hoje em dia e o sonho de Martin Luther King realizou-se através de Barack Obama, o primeiro Presidente negro da história dos Estados Unidos.

Todos estes acontecimentos marcaram a história e mantêm-se vivos através dos livros que, geração após geração, exercem o papel de mensageiros e multiplicadores do conhecimento. Acontecimentos que, se dependessem apenas da memória humana, certamente teriam caído no esquecimento e ficado algures perdidos na linha do tempo.

Hoje os tempos são outros e o mundo vive outro tipo de conflitos e revoluções. Com o aparecimento da tecnologia o homem moderno questiona-se se é possível sobreviver sem ela.

E, este mesmo homem, totalmente informatizado, também se pergunta quanto tempo mais os livros, aqueles que um dia foram queimados e que registaram os mais importantes avanços da Humanidade, resistirão às tentações da modernidade.

Nada supera a sensação de folhear as páginas de um livro. Os livros impressos não precisam de energia ou sinal, são companheiros e, não importa aonde estejam no mundo, eles estarão sempre perto de nós.

Steven Spielberg defende que a leitura de um grande livro é muito mais rica que assistir a um grande filme. Bill Gates, o criador da Microsoft, encerra o assunto afirmando que os seus filhos terão computadores mas, antes, terão livros.

Terão também a liberdade, já que o livro nos conduz à mais fantástica viagem permitida ao homem - a viagem ao mundo do conhecimento.

Serão livres também todos aqueles que entenderem que o livro nos liberta da ignorância e nos leva a lugares e experiências inimagináveis.

Livre o homem que conhece a sua história.

E o livro estará sempre por cá para contá-la.

(continua)

terça-feira, 26 de julho de 2011

O SABIÁ vaidoso


A notícia espalhara-se rapidamente por toda a "Floresta Encantada".

Já todos sabiam da mágica especial que tinha a “Árvore do Tronco Encarnado”.

Todos os dias aumentava o número de visitantes que queriam ouvir o maravilhoso e afinado canto que dali vinha.

A bicharada só falava nisto.

Que linda música!

Que bela melodia!

Os bichos ficavam todos encantados.

Mas, sobre o autor daquele trinado, ninguém gostava de falar...

Era um Sabiá de porte elegante, inteligente, mas muito vaidoso e orgulhoso. Mal falava com os animais, e achava que ninguém era digno do seu convívio!

Passava os dias escondido por entre as folhagens da sua árvore e como sabia que o seu canto era o mais belo da floresta, cantava e cantava só para se sentir admirado e elogiado por todos, pois tinha a certeza de que ninguém nas redondezas cantava tão bem ou melhor do que ele.

Todos os anos havia na floresta um grande concurso de música chamado “O Som da Natureza”.

O vencedor ganhava três prémios: um diploma assinado pelo Dr. Coruja, uma viola feita pelo habilidoso esquilo Din, e é claro, o respeito e a admiração de toda a floresta.

No ano anterior o Sabiá tinha sido o vencedor. Tornara-se ainda mais orgulhoso e vaidoso.

Aproximava-se o dia do concurso do novo ano, e o seu convencimento era tanto que nem ensaiava as músicas oficiais exigidas pelo regulamento: cantava só o que queria, principalmente quando se apercebia que tinha uma grande audiência, ansiosa pelo seu canto.

Por fim, chegou o grande dia! O dia do concurso “O Som da Natureza”.

Toda a floresta rejubilava.

Os bichos chegavam elegantes nos seus trajes de festa, e aguardavam pelo grande momento.

Os juízes já a postos, estavam com os ouvidos preparados para a avaliação e atribuição da respectiva nota.

Os dois concorrentes tomaram os seus lugares nos galhos: o Sabiá e um jovem Rouxinol.

O Rouxinol adorava cantar, era a sua maior alegria!

Todos os dias se dedicava a muitas horas de estudo da música. Ouvia atentamente os conselhos dos mais velhos, pois o que não lhe faltava era empenhamento, treino e, principalmente, humildade para aprender sempre cada vez mais.

O macaco Guru começou as apresentações.

O primeiro a ser apresentado foi o vencedor do ano anterior, o Sr. Sabiá. O seu belo canto soou muito bem aos ouvidos da bicharada, como era esperado.

Todos antecipavam a sua nova vitória.

De seguida o jovem Rouxinol ocupou o seu lugar e iniciou o seu canto.

Nesse momento algo de inesperado aconteceu, e toda a floresta parou!

Não era só a perfeição e os cuidados nos detalhes com as notas que o jovem Rouxinol demonstrava, mas o sentimento que punha na melodia, o amor que demonstrava a cada gesto.

Os aplausos não pararam mesmo depois de terminada a sua apresentação.

Os juízes não tiveram dúvidas – o jovem Rouxinol obtivera o melhor resultado, era o grande vencedor do concurso anual.

Começaram as comemorações e o jovem Rouxinol contagiava a todos com a sua alegria e simpatia.

Mas alguém não acreditava ainda no que se tinha passado.

Como poderia existir alguém melhor do que ele? – perguntava-se o Sabiá.

E o que teria de tão especial o Rouxinol, que contagiava e enlevava toda a floresta?

Era para ele uma desonra! Foi-se embora de mansinho, sem que ninguém se apercebesse.

Nenhum bicho deu pela sua falta, pois o Sabiá, orgulhoso como era, não se preocupara em fazer amigos!

Passaram-se vários dias e o jovem Rouxinol foi o primeiro a preocupar-se com o Sabiá vaidoso. Desde o dia do concurso que não saía da sua árvore e muito menos se ouvia o seu canto.

O jovem Rouxinol marcou então uma reunião com a bicharada:

- Gostaria de vos falar sobre o Sabiá – iniciou assim a reunião, o Rouxinol.

- Aquele pássaro arrogante que não é amigo de ninguém! - exclamou a D. Arara.

- Esse mesmo! Orgulhoso como é, nem nos faz falta a sua companhia, tanto mais que agora, temos o teu belo canto para nos alegrar! – exclamou, bajulador, o macaco Guru.

- Oiçam lá: - Se ele não tem amigos é porque não descobriu ainda o que é a amizade, e como é bom ter amigos. Se ele é orgulhoso é porque não sabe o que se ganha sendo mais humilde, transformando a nossa vida em maior simplicidade e muito mais feliz – disse o jovem Rouxinol cheio de amor e compaixão.

Gerou-se uma grande confusão na reunião. Todos queriam falar ao mesmo tempo, cada um com uma opinião diferente. Mas o certo é que não tinham vontade nenhuma de ajudar o Sabiá.

Até que o Dr. Coruja falou aos berros, quase a gritar, para se fazer ouvir:

- Se fosse com um de vocês em vez do Sabiá, não gostariam de ser ajudados?

A bicharada foi-se calando pensativa.

E continuou a falar o sábio Dr. Coruja:

- O nosso amigo Rouxinol tem razão: devemos fazer o bem sem olhar a quem.

Aquelas palavras penetraram nos corações dos bichos da floresta tornando-os mais dóceis.

Decidiram que o melhor era alguém ir fazer uma visita ao Sabiá. É claro que o escolhido foi o Rouxinol, que se prontificou a fazê-lo com alegria.

Foram todos até à “Árvore do Tronco Encarnado” e ficaram à espera do Rouxinol.

Passaram-se duas horas, e nada do Rouxinol.

De repente, com grande surpresa e quando menos esperavam o jovem Rouxinol saiu abraçado ao Sabiá, que estava abatido e magro, mas apesar do olhar cabisbaixo, percebia-se um brilho diferente nos seus olhos.

O Rouxinol disse a todos:

- O nosso amigo Sabiá estava um pouco doente, por isso podem ir agora para as vossas tocas e ninhos, pois ele irá fazer-lhes uma visita depois.

A bicharada já começava a dispersar, quando o Sabiá, esforçando a voz, disse-lhes:

- Esperem! Em primeiro lugar quero pedir desculpa a todos. Eu pensava que o meu canto era a coisa mais importante do mundo, e só o usava em meu próprio benefício. Agora sei que devo usar a minha voz para o bem e alegria de todos. E além do mais não valorizava os amigos que tinha.

Em segundo lugar quero agradecer a todos e em especial ao Rouxinol, que me ensinou tanto, não só com as palavras mas principalmente com o seu exemplo de humildade.

A emoção apoderou-se da bicharada.

Aquele dia tornou-se inesquecível para os animais da "Floresta Encantada" e sempre que se reuniam em torno da “Árvore do Tronco Encarnado” para ouvir a dupla inseparável, o Sabiá e o Rouxinol, era com grande emoção que os escutavam, agora com um canto ainda mais harmonioso.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O que é um escritor?


Porque escrevem os escritores?

Porque não está (subentende-se que não está escrito em nenhum sítio).

Alguém me dizia que para definir o que é um escritor é tão simples como perguntar o que faz com que um electricista o seja? Nesta linha de pensamento, um electricista é quem instala cabos e outro material eléctrico.

Um escritor é alguém que escreve.

Se esta definição é verdadeira, então não se é um escritor se…

1) se tem um curso de jornalista, mas não se usa essa ferramenta;

2) só se escreve se houver uma razão para o fazer, ou seja se é pedido por um director de um jornal para escrever um artigo;

3) se sonha em escrever um dia, mas não a partir de hoje.

Não estou seguro de que seja uma definição absolutamente perfeita de um escritor, mas a afirmação de que os escritores escrevem é falsa em relação a pessoas que têm os dotes para o fazer mas raramente o fazem.

Em todo o lado há pessoas que se sentam a escrever histórias, constroem frases, usam uns quantos particípios passados ou futuros e alguns até acabam o que vêm escrevendo durante meses.

Estas pessoas tenazes e persistentes sentam-se cada dia a escrever. Podem nunca ter publicado nada ainda, mas já se revestiram da dignidade/qualidade de “escritores” só e porque experimentaram a arte da escrita.

"Get it down. Take chances. It may be bad, but it's the only way you can do anything really good." - aconselhava o grande escritor William Faulkner.

Eu acho que é possível fazer-se uma carreira de escritor, mas primeiro temos que nos interrogar se, de facto, somos escritores.

Eu não quero rebuscar o tema, mas se se tem o talento para escrever e se se recusa fazê-lo, seguramente que não se é um escritor.

Se se tira um curso de engenharia com a especialidade de electricidade e se se recusa trabalhar no sector eléctrico, há como que uma negação da vocação.

Estou bem ciente de que a noção de definir um escritor é ampla e muitas vezes, vaga. É também uma discussão que pode ser levada ao infinito, mas o objectivo deste meu posting é o de encorajar todos aqueles que se dedicam, como eu, e a cada dia, ao ofício de escrever.

Cada dia aprendemos mais sobre nós próprios e como observamos e definimos o mundo à nossa volta. Com cada “escrevinhadela” da caneta ou do computador criam-se novas palavras ou explicam-se velhas e respondemos a dúvidas ou suscitamos outras para serem estudadas e analisadas.

Se simplesmente se escreve hoje, como se fez ontem, na semana passada ou no ano anterior – então é-se, de facto, um escritor.

Diário de um desmemoriado (4)



2ªf, dia 25 de Julho

Parece que o Verão começou em força. Parou o vento e vai-se pôr um dia de calor.

O céu está azul e tudo se propicia para que me sinta bem, mas não sinto.

Tenho saudades daqueles tempos despreocupados de menino e moço em que a rotina da praia de manhã com os meus amigos e amigas, depois de umas horas de ténis bem puxadas, seguidas de um excelente almoço em casa e respectiva sesta, para de novo pelas 5 da tarde voltarmos ao Clube para novas partidas até à noitinha, tornavam os 3 meses de férias um tempo de descanso activo em que retemperava as forças para mais um ano de estudo.

Conversávamos, dançávamos, namorávamos e saíamos à noite para casa uns dos outros e umas vezes ao “Van Gogo”, já mais crescidos.

Talvez porque alguém por detrás tornava a vida das famílias dos portugueses das classes altas, cómoda, segura, de grande qualidade e com prosperidade.

Mas era assim e foi bem bom!

Claro que comecei a crescer, a saber na Faculdade que se chumbasse acabava com os ossos na guerra aonde poderia morrer com uma bala perdida como já tinha acontecido a tantos, depois comecei a viajar e a abrir os olhos e os Verões a serem menos pacíficos pois as responsabilidades de adulto já começavam a pesar e eu sabia que este tempo estava a passar.

E agora, com tanta coisa que entretanto já passou, revolução, liberdades adquiridas que não têm preço, maior justiça e equidade conseguidas, pergunto-me se estou melhor?

A resposta é NÃO!

Deixa pra lá a democracia e tudo o resto que nem discuto, mas ao nível do bem-estar e tranquilidade quanto ao futuro, o dos meus filhos, o dos portugueses, o dos europeus, em suma o de toda a gente….NÃO, estamos TODOS de facto bem piores!

Quando me dizem para tentar “voar alto”, espiritualizar-me e pensar nos valores perenes da fé seja ela qual for, mesmo assim não melhoro mesmo!

Há alguma voz que me diz lá do alto, do meio ou do baixo que tenha paciência que irei para uma vida melhor? NÃO!

Os profundos pensamentos de Buda, Confúcio, Maomé e quejandos trazem mudança à minha alma ou o que se lhe queira chamar? NÃO!

Mudança mesmo, quero eu dizer, tranquilidade verdadeira a que corresponda uma situação de paz interior….talvez momentânea, enquanto as leio e medito, depois passa e a angústia volta, serena, inevitável, irresistível a não ser que sejamos inconscientes.

Se eu pensar na doença, na velhice, no desemprego e na miséria, na falta de união entre os homens, nas calamidades, no terrorismo – tudo realidades à nossa porta – como posso ser optimista?

Não sou de depressões nem de astenias mas sinto uma tristeza grande por já não saber iludir-me como antigamente quando era menino e moço, por ter alguém que pensava por mim!

Sabem que às vezes é bem bom: arranjarem-nos um emprego em que tudo corra bem, me sinta realizado, um país consistente aonde se possa merecer a alegria de cada dia com futuro, para só já falar no entorno que permite todo o resto.

Voltei a reler tudo o que escrevi e falta-me aqui referir o que pode minorar um pouco este azedume, pessimismo, nihilismo:

- a família e o investimento que devo fazer a cada dia em cada um, apesar das sécas, dos hábitos arreigados que me irritam, maçam e que me fazem apetecer isolar-me.

- o amor, no verdadeiro sentido da palavra, o amor espiritual (para além do carnal) aquele que é entrega sem regras pré-concebidas, mais puro e desinteressado, o sentir-me bem enquanto dou e recebo.

- last but not the least, ouvir uma boa música inspiradora que me desligue da terra e me aproxime das nuvens etéreas.

Adoro música e é uma excelente terapia para as minhas maleitas.

Felizmente que sou desmemoriado, senão o que seria todos os dias acumular memórias destas!

No meu ipod estou a ouvir aquilo que vos sugiro que oiçam (podem ir ao you tube tirar estas músicas) e que se chama “Claire de Lune” de Debussy e depois no álbum “Solace” de Michael Hoppe, uma música chamada “Lachrymosa”.

Tem uma enorme força!

(continua)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Diário de um desmemoriado (3)


5ªf, dia 21 de Julho

Acordei decidido a reservar uma parte do dia a desacelerar e reflectir com calma sobre tudo quanto se está a passar aqui em Portugal e aquilo que virá previsivelmente a acontecer, com reflexos óbvios na minha vida.

A primeira conclusão que tiro é a de que pouco podemos fazer, ou seja, há uma sensação de impotência generalizada quanto à nossa eficaz intervenção para mudar o curso das estrelas…

Trata-se de uma pesada herança e não a do Dr. Salazar, que só é para aqui chamado, para que não haja confusões com o sentido da minha frase.

Aí somos todos culpados pois fomos tolerando através dos anos e desde o 25 de Abril, que o destino de Portugal fosse mais ou menos acompanhado pelos eleitores, enquanto nos perdíamos na embriaguez do consumo desenfreado.

Quando era preciso votar maciçamente ou ficávamos em casa, nanja eu, ou disfarçávamos e deixávamos correr o marfim…era aproveitado por muitos de todos os quadrantes, ainda que alguns especialmente tenham tido uma sabedoria infinda e mais requintada. Todos sabemos a quem me refiro!

Mas isto é o passado e chega a ser intolerável como se pode perder tempo a discutir o que se deveria ter feito…é como no futebol, depois dos frangos na baliza, exprimem-se opiniões sobre as formas de poderem ter sido evitados!

Que cansaço de gente!

Porlotanto, como diriam os nuestros hermanitos, só prevejo uma de três soluções:

a primeira é resignarmo-nos e nada fazer e quando, como nas histórias do Astérix, o Obélix afirma que o único medo que ele tem mesmo é que “le ciel me tombe sur la tête”, o pesadelo desabar sobre as nossas cabeças, desesperarmos!

a segunda é lutar e procurar aqui em Portugal, novas soluções que passam por oportunidades de emprego – difícil, mas possível quand-même quando se é competente – ou com criatividade e engenho começarem-se novos negócios, bem entendido, que se adaptem à crise.

Há ainda instituições que apoiam pequenas e médias empresas viradas para a exportação e os inefáveis bancos, pelo menos até agora, têm linhas de crédito para este efeito.

Uma vez mais a audácia a fortuna ajuda, como diria o Capitão Hadoque nos saudosos livros do Tintin!

a terceira é partir. Emigrar para países aonde se possa ter horizontes, futuro e começar de novo com esperança e desafios: Brasil, Austrália, Angola e mesmo para outros países europeus mais ricos do que o nosso tal como a Alemanha, França, Inglaterra, os nórdicos…haverá buraquinhos para vivermos melhor, lutarmos e sobrevivermos!

Naturalmente que o mais perto ainda é a Espanha que é formidável! Se quisermos investir aqui ao lado com inteligência, the sky is the limit!

Estes são os diferentes planos B.

Depois de ter interiorizado tudo isto, fiquei mais contente pois realizei que sou um lutador e não vou deixar cair os braços e fui almoçar com uns amigos uma boa pescada com mayonnaise e um vinho branco, que os há muito bons também, sim! Esta snobeira de só se gostar de tintol é ridícula e não ajuda os produtos nacionais!


(continua)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Carta a um amigo



Meu Caro,

As pessoas costumam ter amigos imaginários na infância, e eu não me lembro de ter tido algum. Conversava com árvores, mas não sei se é a mesma coisa. Senti que talvez fosse tempo de experimentar esta sensação, apesar da minha infância estar distante hoje.

Os amigos conhecem-se bem, por isso não preciso de contar-te a minha história.

É uma história que vai morrer comigo um dia, como acontece com quase todo o mundo real, já que as histórias escritas são quase todas inventadas.

O que eu queria compartilhar contigo hoje é sobre como me sinto, e saber a tua opinião. Eu sei que a tua opinião será, na verdade, a minha própria opinião. Mas ouvindo-a de outra pessoa, mesmo que imaginária, pode ser mais fácil de aceitar.

Estou de novo num daqueles períodos de estagnação. Não em todos os aspectos, algumas coisas correram tão bem que fico até surpreendido com os resultados.

Sou feliz, estou sempre a dizer, mas não há felicidade plena, e quando concretizo uma coisa, preciso de outra para me ocupar.

Só que aconteceram alguns imprevistos, e sem saber bem porquê, dei alguns passos para trás.

Sem me dar conta, mudei de rumo de alguma forma. Estou a andar em círculos. Estou confuso.

Para aonde é que eu estou a ir? Qual é o caminho? Alguém tem um mapa?

Não, amigo... Ninguém tem um mapa. É assim o caminho: quando andamos em grupo, podemos seguir a direcção que outra pessoa indicou, porque a maioria concordou que aquela seria a direcção ideal, e a maioria venceu. Maldita maioria. Apetecia-me ser um ditador mau às vezes. Mas este é um pensamento egoísta. A maioria, o altruísmo, a solidariedade, a bondade, o bem colectivo... para o raio que os parta!

E o que normalmente acontece é : sentamo-nos num tronco de uma árvore numa estrada, à sombra e à espera de ajuda que alguém foi buscar, somewhere! Enquanto se espera tudo parece tão perdido!

Chego a pensar que se eu desistisse de algumas coisas seria muito mais fácil, pois andaria mais depressa. Em direcção a quê? A um novo objectivo, só meu, fora do colectivo?

Mas tantas coisas ainda me prendem aos velhos planos. E teria que começar do nada, e o nada é tão assustador.

Não me venhas com essas histórias de ‘abandonar os medos’. É muito fácil dizer, eu passo a vida a dizê-lo a toda a gente. Deixa os meus medos em paz! Eles fazem parte de mim, e nunca se sabe qual é a fortaleza de uma pessoa. Essa fortaleza pode ser o medo, e se ele for destruído a pessoa vai atrás e sucumbe!

Amigo, para onde devo ir?

Um abraço

Manel

terça-feira, 19 de julho de 2011

Diário de um desmemoriado (2)



3ª f, dia 19 de Julho

Ontem vi um programa de televisão, o “Prós e Contras”, que me deixou muito inquieto. No meio de tudo o que disseram eminentes catedráticos, às tantas ouvi afirmar que até final de 2012 temos que pagar 23 mil milhões de Euros e logo a seguir até 2013, mais 24 mil milhões de Euros, mas atenção só em juros! Fora tudo o resto!

Anotei isto no meu diário para memória de futuro, as they say!

Esta manhã já me tinha esquecido por causa da danada da minha maleita, mas ao reabrir a página de ontem tive um calafrio…

Este é mesmo o país em que vivo, o qual me habituei a amar e a respeitar, a pátria de tantos que me antecederam e que eu admirei pelos seus feitos, uns modestos mas grandiosos na sua simplicidade de servir um ideal em que acreditavam, outros salvadores de invasões, gloriosos exploradores de novos mundos, mas todos querendo manter viva a chama de uma ideia de Nação aonde se pudesse crescer em paz e viver com valores.

Pois bem, neste momento, tudo isso está em perigo e não sei como acabará.

Registei para estar atento e compaginar mais tarde com o que nos acontecer.

Fui à FNAC do Chiado, aonde me arruíno a cada semana em livros, música e vários outros items e temo que num futuro breve até à cultura nos seja vedado o acesso!

Haverá outras prioridades: estou a ouvir dizer que não se comem livros nem cds nem dvds, mas sim queijo e fiambre e leite!

Procurava uns livros para as férias que se avizinham na Madeira, aonde a cada ano passo religiosamente uma semana, num apartamento de um excelente hotel que comprei em time-sharing. Dá para seis almas e vou sempre com a família.

Fantástica piscina, muito bem desenhada e agradável de se estar horas estendido a ler e a ronronar com o ipod em plena audição, bons mergulhos e nadadelas, reinação com os filhos, torneios de ping-pong em que apesar de maioritárias vitórias, já vou sendo batido pela descendência em poucos…jogos, idas ao mar, etc…

Experimento a cada ano novos restaurantes ao jantar com um grupo de fiéis amigos e devo confessar que os madeirenses são muito hospitaleiros, amáveis e prestáveis, e o serviço na restauração é de primeira qualidade. Para já não falar dos preços que são apelativos e competitivos.

O ano passado fui dar umas tacadas de golf, mas de facto é o lazer o que me atrai nestas férias. Talvez este ano recomece o ténis!

Pode-se frequentar o spa do hotel que tem tudo, desde massagens orientais a duche escocês, jacuzzi, sauna etc…

O meu país pode oferecer soluções de férias portuguesas e é nisso que neste momento devemos apostar.

Os livros escolhidos na FNAC foram cinco: “On China” do Henry Kissinger (voltei agora de Beijing e Shanghai e quero comparar a visão deste grande estadista), “ In Ishmael’s House” de Martin Gilbert ( quero saber mais por dentro sobre Israel que visitei já por duas vezes há uns anos e que adorei), “That summer in Sicily” de Marlena Blasi (adoro a Itália), “ The Grand Design” do Stephen Hawking e finalmente “Turkey” de Ozlem Tur ( é um país incontornável, como se diz agora, e é preciso estar atento com o devir).

Levo sempre poesia e este ano escolhi reler a Mensagem de Fernando Pessoa.

Como nota de alguma perplexidade para mim próprio, estou a adorar o iPad e nomeadamente a possibilidade de poder ler livros de grande porte.

No avião que me trouxe da China ao Ocidente e cuja viagem levou 13 horas, li um livro de 900 páginas sem ter dores nas mãos por pegar na lombada pesada….

Preocupa-me o que vou fazer aos 2.500 livros que tenho, dos quais já li uma boa parte, senti o cheiro das folhas misturado com a humidade, apalpei carinhosamente as capas, tomei-lhe as medidas e degustei-os página a página…

Mas como me esqueço de tudo de um dia para o outro, alguém há de velar por eles, um dia, somehow, somewhere…

(continua)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Diário de um desmemoriado (1)


Na consulta de neurocirurgia, o médico foi peremptório: teria a cada dia de manhã que fazer um reset do meu dia anterior, pois uma estranha doença afectou-me a memória e o sistema cognitivo fazendo-me reter o conhecimento do passado durante as horas do dia.

O sono apagava o registo de tudo quanto tinha acontecido nas últimas horas.

Naturalmente que fui para casa destroçado e perguntei-me como seria dali para a frente a minha vida: tantos projectos e sonhos, vida social intensa, família, amigos, emoções, sentimentos, afectividades, dor e sofrimento…

Tinha-me vindo a queixar que a cada manhã e nas últimas três semanas era como se fosse um apagão: varria-se-me tudo da lembrança!

Comprei um livro de muitas folhas, daquelas antigas de papel de embrulho de merceeiro com uma lista ao lado para se registar a data e depois à frente espaço para se escrever o que se comprou ou fez ou a fazer.

Começou assim um verdadeiro diário das horas de cada dia da minha vida e é um pouco disso de que vos venho falar e contar.

2ªf, dia 18 de Julho

Levantei-me cedo e estava um dia fresco e acinzentado. Havia, no entanto, um pouco de sol a espreitar de entre as nuvens.

Gosto destes pequenos-almoços ricos em detalhes. Aliás, quando viajo adoro os buffets copiosos dos hotéis. São cafés da manhã pantagruélicos.

Hoje fui buscar um copo grande que enchi de sumo de laranja, de umas sumarentas e doces que trouxe do monte.

É importante o tamanho do copo e a sua qualidade: de vidro muito grosso tira metade do prazer de se saborear o sumo. Além disso, tem que estar bem gelado para entrar nas goelas com voluptuosidade.

Bebo chá de manhã. Bons chás ingleses, chineses, indianos ou Gorreana.

Gosto de ter xícaras de bordo fino. Há hoje em dia umas de design com cores garridas. Também tenho outras que herdei e que são de Sévres, lindas e preciosas com uma decoração floral primorosa.

O bule é importante que seja grande (tenho de prata e modernos a dar com as xícaras) para que o chá possa abrir e manter-se quente. É maçador ter que se fazer refills, quando se está no meio da leitura do jornal. Gosto de um drop of milk no chá, mas também o bebo simples, sobretudo o de jasmim e sem açúcar.

Comprei há anos em Portobello Road, uns porta-torradas em prata inglesa que têm várias divisões e aonde se podem pôr várias fatias de pão quentinho sem também ter que haver interrupções.

Queijos, fiambres ou carnes frias, bem como uns três ou quatro jams (marmelade, de framboesa ou morango, apricot, de tomate ou mesmo de figo) são um deleite que a cada manhã se podem ir variando.

Quanto a manteiga é para mim um assunto firme: da verdadeira pois detesto aquelas que se parecem a graxa para sapatos...tipo floras e quejandas!

A terminar uma meia papaia madura, faz sempre bem.

A leitura de vários jornais mantém-me actualizado até à noite…por isso respigo as notícias principais que anoto no dito livro a que daqui em diante apelidarei de “Tombo”. Esta expressão, a que por exemplo entre outos deriva da “Torre do Tombo”, significa registo, arquivamento de documentos, papéis, acervos de assuntos vários.

(continua)

domingo, 17 de julho de 2011

À meia-noite o Mondego dorme mais ou menos dois minutos


À meia-noite o rio dorme
mais ou menos dois minutos
para nós é um tempo curto
para o Mondego é um tempo enorme

Contam os banhistas ao luar do Mondego que o rio, na hora grande da meia-noite, dorme durante dois minutos. É a hora em que a vida sossega e o mundo se recolhe: as cascatas interrompem a queda, a correnteza cessa. Os ribeiros aprendem desde cedo que não se deve acordar o rio durante o seu sono.

Nos dois minutos de sono do rio, os peixes aquietam-se, as cobras perdem o veneno e a mãe de água surge para pentear os cabelos das banhistas ao luar. Os que morreram afogados saem do fundo das águas em direcção às estrelas. Este sono do rio não deve ser, de nenhuma maneira, interrompido, sob pena de enlouquecer quem despertou as águas.

Tenho pensado no que os ribeiros ensinam sobre o descanso do rio e concluo que de vez em quando é mesmo necessário adormecer no tempo e sossegar como as águas.

O ritmo da nossa sociedade - marcado pelo fascínio das máquinas, o ruído dos motores, a precisão dos relógios, a velocidade das informações simultâneas e a procura feérica da felicidade - acelera a vida e desacostuma-nos dos homens. Tem os seus benefícios (não sou, definitivamente, um saudosista) mas anda perto da desumanidade.

Por isso é preciso, de vez em quando, adormecer como o rio ao abandono das horas, olhar a lua em águas paradas e abandonar os desatinos da felicidade.

O sono do Mondego, o desapego dos peixes e o silêncio das cascatas fazem-me pensar que a ideia da felicidade, da forma como a sociedade de consumo a concebe, é das coisas mais brutais que existem. Acha-se que se tem que ser bem sucedido no amor, no trabalho e nas relações pessoais. Precisa-se de viajar pelo menos duas vezes por ano, trocar de carro de quando em vez, não se pode ficar doente e não se pode conceber a morte.

Acontece que não é assim que o rio segue o seu leito e descansa ao fim do dia.

Como ninguém é capaz de atingir esta tal felicidade de “shopping centre” que é vendida por aí, formamos um bando de depressivos e infantilizados que não conseguem lidar com o fracasso e se entopem de remédios para dormir, acordar, trabalhar... Parece paradoxal, mas é isto mesmo: a expectativa da felicidade é uma fonte poderosa de angústias e depressões.

Que as margens do Mondego, portanto, me iluminem para que eu respeite o sono do rio, o repouso dos peixes e o voo dos afogados.

Este nosso mundo, de tão virtual, anda meio aluado - e eu quero cada vez ter mais tempo para adormecer no rio, aquietar os peixes, sossegar as cascatas, louvar os meus antepassados e encantar-me com a mãe de água a envaidecer as banhistas ao luar.

O homem das duas cabeças



Quando Ricardo nasceu, naturalmente que os seus pais bem como toda a família ficaram chocados e horrorizados e foi com perplexidade que aceitaram as explicações dos médicos que lhes comunicaram que não havia nada a fazer para separar as duas cabeças mas que tudo indicava que poderia vir a ter uma vida normal e até escolher que cabeça usar conforme as circunstâncias. Iria assim ter uma dupla personalidade, com o mesmo corpo.

Foi crescendo e ia tendo os problemas que se calcula pela inusitada situação em que se encontrava mas a pouco e pouco foi deixando de ser falado e passou a gozar de uma certa tranquilidade. O pequeno mundo da sua aldeia aceitou-o e todas as vezes que algum estranho se deslocava propositadamente para o encontrar, era mal recebido.

Ricardo tinha vindo a constatar como era cómodo ter duas cabeças e descobrira o prazer da sua dupla vida.

Manifestamente criara com uma delas um carácter mais propenso à ponderação, ao estudo e ao amor à natureza. Tinha prazer em pastorear os rebanhos do seu pai, gostava de uma vida saudável e simples e ficava horas sozinho sentado no campo por debaixo de um chaparro à conversa com a outra cabeça.

Estouvada, sensual, muito mais aberta e com curiosidade em explorar o mundo para fora da aldeia, a outra cabeça lia os jornais no café, sabia de futebol, da guerra e da paz, de sexo, e sonhava sair dali.

Eram estas as disputas entre as duas cabeças que acabavam sempre com a cedência da mais progressista em esperar pelo tempo certo para dissuadir a outra em partir, nem que fosse para uma experiência temporária.

Um dia apareceu na aldeia a Júlia que tinha voltado da França com os pais, emigrantes endinheirados, que com a crise global tinham preferido com os aforros obtidos em dezenas de anos fora, regressar às origens.

Júlia era uma rapariga moderna, experimentara a vida de um país como a França, namorara, vestia-se diferentemente das outras raparigas da aldeia, pintava-se, era garrida e provocadora. Tinha alguns estudos e passava o tempo a fumar com um ar dengoso e a ouvir músicas que Ricardo nunca ouvira num ipod que lhe pendia da cintura fina com umas ancas bem feitas e um peito de rola rechonchudo e formosíssimo.

A princípio ficara estacada e sem palavras quando topou a primeira vez com Ricardo e olhava com surpresa para as duas cabeças, mas quando ouviu uma voz simpática e agradável dizer-lhe os bons dias e apresentar-se, respondeu a todas as perguntas e reparou que para além das duas cabeças, era um rapaz muito atraente com uma bela figura e com um corpo muito bem feito.

Em casa, Júlia comentou ao jantar com os pais o encontro com Ricardo e foi-lhe dito que era um caso estranho da ciência e que todos na aldeia o respeitavam mas que não sabiam lidar muito bem com a situação pois ninguém jamais tivera uma experiência semelhante, parece mesmo que a nível nacional e internacional. Aconselharam-na a ser prudente e a não criar grandes intimidades, pois não levaria a nenhum destino.

A cabeça campestre de Ricardo ouvia a sua outra cabeça falar com entusiasmo de Júlia, como a achara excitante e moderna com hábitos diversos dos da aldeia: achava mesmo que valia a pena adiar a partida para a cidade e explorar este novo conhecimento.

Júlia veio em passeio para os lados aonde estava Ricardo e a cabeça mais rural encetou conversa com ela e foi-lhe mostrando as ovelhas e os pastos e a riqueza dos campos e perguntando-lhe se na terra aonde ela viveu tinha tido a ocasião de estar assim com simplicidade em contacto com a natureza, e ela encantada com a beleza do dia e da paisagem foi conversando e durou até ao entardecer. Ricardo perguntou-lhe se a podia acompanhar até à entrada da aldeia e ela assentiu com agrado e despediram-se, combinando no dia seguinte repetirem o passeio para outros lados que ele lhe descreveu como de grande bucolismo.

À noite a conversa entre as duas cabeças foi menos pacífica pois a cabeça citadina não gostou nada dos avanços da outra e exigiu que no dia seguinte fosse ele a ir buscá-la a casa e a experimentar o ipod, ouvindo as músicas e a passear pelas ruas da aldeia e até convidá-la a ir tomar um café à pastelaria Central.

Ricardo começara, estranhamente, a sentir nas suas duas cabeças e ao mesmo tempo um sentimento estranho em relação a Júlia: uma sensação interior de qualquer coisa mais do que interesse, mas de formas diferentes consoante fosse uma cabeça ou outra.

O corpo respondia univocamente com sensualidade e com desejo em explorar o contacto com Júlia mas o que encarava como entusiasmo, talvez até como um princípio de paixão manifestava-se de forma diferente.

Júlia não era insensível ao namoro que Ricardo lhe fazia cada dia e ficava um pouco perturbada quando se apercebia que nem sempre havia uma continuidade de personalidade como se – a ideia passara-lhe pela mente – cada cabeça pensasse e agisse diferentemente, ainda que no mesmo corpo.

Tinham combinado ir no dia seguinte de manhãzinha lá para os lados do rio aonde havia um antigo moinho abandonado e Ricardo prometera-lhe que lhe explicaria como se moía o trigo ou o centeio para fazer a farinha para o pão.

O tempo acordou ameno e foi passando e Júlia ia estranhando o atraso de Ricardo e já o sol ia alto e nada de notícias. Resolveu sair de casa e foi perguntando aqui e ali se o tinham visto e recebia respostas negativas.

Inquiriu qual era o caminho para o velho moinho e para lá se dirigiu um pouco assustada por ir sozinha e ao chegar não encontrando ninguém cá fora, sentou-se desanimada. Não sabia de facto o que fazer!

Subitamente, junto aos pés começou a notar que escorria um fio de sangue fresco que vinha de dentro do moinho e com o coração apertado aproximou-se da entrada.

O acesso era esconso, mas uma vez lá dentro habituou-se à luz da sala do moleiro e foi com horror que deparou com um cenário dantesco, dando um grito agudo e sentindo-se a perder os sentidos.

A pedra redonda do moinho em vez de trigo ou de centeio, tinha, desta vez, pisado um corpo que ela de imediato reconheceu como sendo o de Ricardo, escorrendo o sangue das suas duas cabeças que jaziam, esmagadas, debaixo da mó.

MNA

quarta-feira, 13 de julho de 2011

basta o essencial



Contei os meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.

Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma taça de cerejas.

As primeiras, chupa displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando os seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Detesto fazer de árbitro de desafectos que discutiram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coro da orquestra.

As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.

O meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, a minha alma tem pressa...

Sem muitas cerejas na taça, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que saiba rir dos seus tropeços, que não se encante com triunfos, que não se considere eleita antes da hora, que não fuja da sua mortalidade,

Quero caminhar perto de coisas e de pessoas de verdade,

O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!

Mário de Andrade

espelho embaciado


Embaciados os gestos
Que um dia me fizeram sorrir .

Escolho os meus amigos pela pupila


Escolho os meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.

Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. Deles não quero resposta, quero o meu avesso.

Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.

Um amigo que não me acompanha no rir não sabe sofrer em conjunto comigo.

Não quero risos previsíveis nem choros piedosos.

Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois vendo-os loucos e santos, tolos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Memórias do cárcere (14) o assédio gay na cela


Zeca veio dizer-me na cantina ao pequeno-almoço, que se eu quisesse me arranjava um telemóvel, mas que custava € 2,500, sendo uma parte para o guarda e outra para ele.

Achei uma boa ideia pois dinheiro era o que não me faltava e assim sempre poderia contactar com o exterior.

- Mas não é completamente proibido? Como consigo esconder, quando há rusgas nas celas todas as semanas? – perguntei incrédulo a Zeca.

- A tua cama durante o dia fica para cima para a parede para dar mais espaço ao quarto. Ora as dobradiças, estão aparafusadas à única superfície de madeira em toda a cela. É aí que as desaparafusas, levantas as tábuas e cavas por debaixo com uma colher de aço que roubas aqui na cantina até fazeres um buraco aonde caiba o telemóvel. Escondes todos os dias nesse espaço. Dá maçada e trabalho mas é o único sítio seguro – disse Zeca com um ar sabedor.

- Não estou a perceber bem e se queres que te diga, assusta-me a ideia. E se me descobrem? – disse eu bastante assustado.

- Vou lá contigo agora antes do recreio mostrar-te o sítio, queres? – ofereceu-se Zeca.

- Bora lá – acrescentei muito curioso, pois este tipo de esperteza era totalmente desconhecida do meu espírito boémio.

Tinha ouvido dizer que Zeca era homossexual e se metia com os guardas a troco de favores. Alguns prisioneiros abusavam sexualmente dele e por isso era um tipo inseguro, mas muito prestável.

Tinha uns olhos azuis cristalinos e um cabelo loiro ralo e cortado fininho, com um corpo amaneirado e bem cuidado. No entanto era um homem firme de aspecto e com um ar agradável.

Chegados à cela, fechou a porta e disse-me que precisava que eu o ajudasse a puxar a cama para cima, o que fiz, e nesse acto as suas mãos tocaram nas minhas e pousaram alguns segundos afagando-me. Olhou-me com uma ar doce e passou-me o braço pelo pescoço atraindo-me para um beijo na boca.

Serenamente afastei-o e disse-lhe que respeitava a sua orientação sexual e que não era por isso que deixaria de continuar a falar-lhe, mas que não estava interessado em homens e portanto não valeria a pena acalentar esperanças de cedências da minha parte.

Ficou muito triste e começou a chorar baixinho, dizendo-me que desde que eu chegara logo simpatizara comigo e me achava com carácter e muito seguro. Sonhava em fazer sexo comigo e esta tentativa era porque não aguentara mais e precisava de me dizer que estava apaixonado por mim.

Tive um movimento de alguma repulsa interior, que não manifestei, e senti vontade de um enorme bocejo!

A última coisa que me apetecia era ter um apaixonado na prisão. Seria persistente, intimista e faria tudo para me conquistar e eu tinha os meus sentidos a precisar de uma grande fornicação com mulheres.

Masturbava-me vezes sem conta e sonhava com aqueles corpos africanos, redondinhos e generosos e com aquele calor interior que me levava ao êxtase!

Perguntei-lhe como é que os outros presos heterossexuais, satisfaziam as suas necessidades biológicas.

Ele respondeu-me indiferente que muitos se tornavam homo e que eram activos com outros homens.

Também acrescentou que uma vez por semana, os presos casados, eram autorizados a dormir com as mulheres em celas separadas.

Achei uma excelente sugestão e perguntei-lhe se tinham que ser mesmo casados….ele riu-se e disse-me que se eu quisesse uma puta ele arranjava! Tudo se conseguia ali, desde que houvesse massaroca!

Já estava mais contente na perspectiva de me agradar e creio, percebeu, que para além de vir a ganhar a sua comissão na angariação de uma mulher para mim, as suas esperanças quanto ao meu sucumbimento amoroso por ele, estavam definitivamente afastadas.

Agarrei-me ao pescoço dele de contentamento e dei-lhe um beijinho repenicado na bochecha da cara! Ficou pasmado pela surpresa do inesperado.

- Arranja-me a melhor puta que puderes para amanhã, logo, agora, ouviste! – e parti para o recreio como uma criança feliz.

(continua)

terça-feira, 12 de julho de 2011

O nosso país - Vamos fazer disto um bijou!


A relação dos portugueses com Portugal é um pouco assim. Desvirtuar o país, comparando-o com a suposta grandeza de outros, faz parte, desde há gerações, da cultura nacional.

Suponho que para um estrangeiro isto possa confundir-se com desamor. Grave equívoco: para um português, maldizer a pátria é uma forma superior de patriotismo.

Tudo isto está n' Os Maias: oiçamos João da Ega, cruel alter ego do autor: "Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima com os direitos da alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas... Nós julgamo-nos civilizados como os negros de S. Tomé se supõem cavalheiros, se supõem mesmo brancos, por usarem com a tanga uma casaca velha do patrão... Isto é uma choldra torpe."

Uma outra personagem vai mais longe: "Querem dizer agora que isto por fim não é pior que a Bulgária. Histórias! Nunca houve uma choldra assim no universo!"

E no entanto, a determinada altura, o próprio Ega reconsidera, num súbito entusiasmo nacionalista: "Clamamos por aí, em botequins e livros, 'que o país é uma choldra'. Mas que diabo! Porque é que não trabalhamos para o refundir, o refazer ao nosso gosto e pelo molde perfeito das nossas ideias?... Vossa excelência não conhece este país, minha senhora. É admirável! É uma pouca de cera inerte de primeira qualidade. A questão toda está em quem a trabalha. Até aqui a cera tem estado em mãos brutas, banais, toscas, reles, rotineiras... É necessário pô-la em mãos de artistas, nas nossas. Vamos fazer disto um bijou!"

How to behave like a Gentleman



The great error into which nearly all foreigners and most Americans fall, who write or speak of society, arises from confounding the political with the social system.

In most other countries, in England, France, and all those nations whose government is monarchical or aristocratic, these systems are indeed similar. Society is there intimately connected with the government, and the distinctions in one are the origin of gradations in the other.

The chief part of the society of the kingdom is assembled in the capital, and the same persons who legislate for the country legislate also for it.

But in America the two systems are totally unconnected, and altogether different in character. In remodelling the form of the administration, society remained unrepublican. There is perfect freedom of political privilege, all are the same upon the hustings, or at a political meeting; but this equality does not extend to the drawing−room or the parlour.

None are excluded from the highest councils of the nation, but it does not follow that all can enter into the highest ranks, of society. And the explanation may perhaps be found in the fact which we hate mentioned above. There being there less danger of permanent disarrangement or confusion of ranks by the occasional admission of the low−born aspirant, there does not exist the same necessity for a jealous guarding of the barriers as there does here. The distinction of classes, also, after the first or second, is actually more clearly defined, and more rigidly observed in America, than in any country of Europe. Persons unaccustomed to look searchingly at these matters, may be surprised to hear it; but we know from observation, that there are among the respectable, in any city of the United States, at least ten distinct ranks.

We cannot, of course, here point them out, because we could not do it without mentioning names.

Every man is naturally desirous of finding entrance into the best society of his country, and it becomes therefore a matter of importance to ascertain what qualifications are demanded for admittance.

A writer who is popularly unpopular, has remarked, that the test of standing in Boston, is literary eminence; in New York, wealth; and in Philadelphia, purity of blood.

To this remark, we can only oppose our opinion, that none of these are indispensable, and none of them sufficient. The society of this country, unlike that of England, does not court literary talent.

Whatever may be the accomplishments necessary to render one capable of reaching the highest platform of social eminence, and it is not easy to define clearly what they are, there is one thing, and one alone, which will enable any man to retain his station there; and that is, GOOD BREEDING.

Without it, we believe that literature, wealth, and even blood, will be unsuccessful.

Refined manners are like refined style which Cicero compares to the colour of the cheeks, which is not acquired by sudden or violent exposure to heat, but by continual walking in the sun.

Good manners can certainly only be acquired by much usage in good company. But there are a number of little forms, imperiously enacted by custom, which may be taught in this manner, and the conscious ignorance of which often prevents persons from going into company at all.

These forms may be abundantly absurd, but still they must be attended to; for one half the world does and always will observe them, and the other half is at a great disadvantage if it does not. Intercourse is constantly taking place, and an awkward man of letters, in the society of a polished man of the world, is like a strong man contending with a skilful fencer.

Some of the many errors which are liable to be committed through ignorance of usage, are pleasantly pointed out in the following story, which is related by a French writer.

The Abb, Cosson, professor in the College Mazarin, thoroughly accomplished in the art of teaching, saturated with Greek, Latin, and literature, considered himself a perfect well of science: he had no conception that a man who knew all Persius and Horace by heart could possibly commit an error above all, an error at table.

But it was not long before he discovered his mistake. One day, after dining with the Abb, de Radonvillers at Versailles, in company with several courtiers and marshals of France, he was boasting of the rare acquaintance with etiquette and custom which he had exhibited at dinner.

The Abb, Delille, who heard this eulogy upon his own conduct, interrupted his harangue, by offering to wager that he had committed at least a hundred improprieties at the table. "How is it possible!" exclaimed Cosson. "I did exactly like the rest of the company."

"What absurdity!" said the other. "You did a thousand things which no one else did. First, when you sat down at the table, what did you do with your napkin?"

"My napkin? Why just what every body else did with theirs.

I unfolded it entire]y, and fastened it to my buttonhole." "Well, my dear friend," said Delille, "you were the only one that did that, at all events. No one hangs up his napkin in that style; they are contented with placing it on their knees.

And what did you, do when you took your soup?"

"Like the others, I believe. I took my spoon in one hand, and my fork in the other"

"Your fork! Who ever eat soup with a fork?

But to proceed; after your soup, what did you eat?"

"A fresh egg."

"And what did you do with the shell?"

"Handed it to the servant who stood behind my chair."

"With out breaking it?"

"Without breaking it, of course."

"Well, my dear Abb,, nobody ever eats an egg without breaking the shell. And after your egg?"

"I asked the Abb, Radonvillers to send me a piece of the hen near him."

"Bless my soul! a piece of the hen? You never speak of hens excepting in the barn−yard. You should have asked for fowl or chicken. But you say nothing of your mode of drinking."

"Like all the rest, I asked for claret and champagne."

"Let me inform you, then, that persons always ask for claret wine and champagne wine. But, tell me, how did you eat your bread?"

"Surely I did that properly. I cut it with my knife, in the most regular manner possible."

"Bread should always be broken, not cut.

But the coffee, how did you manage it?"

"It was rather too hot, and I poured a little of it into my saucer."

"Well, you committed here the greatest fault of all. You should never pour your coffee into the
saucer, but always drink it from the cup."

The poor Abb, was confounded. He felt that though one might be master of the seven sciences, yet that there was another species of knowledge which, if less dignified, was equally important.

A Leitura como forma de regeneração dos presos


Um dia destes vi numa reportagem televisiva, que numa cadeia algures, desde há muitos anos que não há nenhuma rebelião. E uma das razões seria o resultado de um acordo entre a direcção da cadeia e uma biblioteca itinerante que, quinzenalmente, envia um funcionário para emprestar livros aos que estão confinados na cadeia. Bíblias, ficção científica, romances, poesia, contos, histórias juvenis e infantis, banda desenhada e o Código Penal (muitos presos estudam os dispositivos legais aplicáveis às suas sentenças), histórias verídicas, biografias, para todos os gostos.

E todos esses livros e revistas são devolvidos no prazo combinado e quase sempre em óptimo estado.

A reportagem mostrou exemplares deteriorados pela acção do tempo e do manuseamento, pois muitas pessoas têm por hábito molhar os dedos para virar as páginas, mas estão lá, inteiros, os livros. Livros lidos.

Não pretendo discutir o sistema prisional português, sei apenas que funciona muito mal, tem uma população exagerada confinada em espaços mínimos, tratada pior do que gado e, para muitos, é a verdadeira escola do crime.

Entretanto, a atitude da direcção desta cadeia, e também da biblioteca, vem conseguindo um resultado bastante positivo: levar ao preso um pouco de Conhecimento.

Um dos entrevistados, disse que são poucos os que saem desta prisão, que voltam a reincidir no crime.

Esta cadeia devia ser mais conhecida: avaliada. Talvez pudesse servir de exemplo para a reeducação e reintegração social dos condenados do nosso país.

Lembro-me de um filme americano (creio que se chamava - Um Sonho de Liberdade) aonde, numa prisão de segurança máxima, havia uma escassa biblioteca, e um preso empreendeu todos os esforços burocráticos para melhorá-la; depois, quando finalmente começou a receber doações das editoras, ia de cela em cela levando e recolhendo livros.

A Leitura pode mudar a vida de qualquer pessoa. Para melhor ou pior, é verdade. Mas esta é uma outra conversa. Os jornais mostram todos os dias notícias de gente que leu muito na vida e que praticou crimes que dariam condenações de séculos; mas, estão aí, livres...

O importante, penso e acredito, é que a Leitura permite ao leitor preso um acesso maior à reflexão interior, já que tempo é o que mais tem, e a obter das palavras impressas a capacidade de discernir melhor (e compreender as diferenças) entre o bem e o mal, a motivar-se pessoalmente para encarar a vida fora das “jaulas” aonde foram empilhados, como se não fossem seres humanos.

Imagino a angústia de uma pessoa saudável que, por estar a cumprir uma sentença, pouco vê o sol e, pior ainda, tendo que passar dia após dia dentro das grades, sem ter que fazer; não pensa senão em asneiras.

Não tenho a ilusão de que o livro, apenas o livro, regenere alguém. Mas sei que a Leitura é muito capaz para, em muitos casos, como o desta cadeia, ser um primeiro passo para a reeducação de pessoas.